Chablis é uma das pérolas da vinicultura francesa. Este vilarejo e a região que o circunda faz parte da Borgonha, mais especificamente de sua fração norte, no departamento de Yonne. Porém, tem uma personalidade própria que a distingue da Côte d’Or, a região considerada como o coração da Borgonha. A apenas 170 quilômetros de Paris, Chablis fica mais próxima da região da Champagne do que de Beaune, o vilarejo símbolo da Côte d’Or.
É também a parte mais fria da Borgonha, contando com uma composição de solos distinta. Ao contrário da Côte d’Or, em Chablis a Chardonnay reina sozinha, beneficiada por solos mais jovens, onde predominam o calcário da era Kimmeridgiana, composto em boa parte por conchas marinhas depositadas há cerca de 150 milhões de anos.
Uma região, três denominações
Quando falamos em Chablis, não estamos falando em apenas uma denominação de origem. Na verdade, são três, com uma delas incluindo os vinhos de duas classificações distintas dentro da pirâmide de qualidade da Borgonha. A mais exclusiva e menor (com cerca de 1,6% do total produzido na região) é Chablis Grand Cru.
Já a denominação de origem Chablis inclui tanto os vinhedos Village (65% da produção total) como aqueles classificados como Chablis Premier Cru (14%). Por fim, concentrada sobretudo em vinhedos de maior altitude e com solos ligeiramente distintos (do período Portlandiano), a denominação Petit Chablis responde pelos 29% restantes.
Uma região de vinicultura ancestral
Acredita-se que a viticultura na região de Chablis tenha começado na época galo-romana. Porém, o maior desenvolvimento ocorreu a partir da Idade Média, sobretudo nas mãos de ordens religiosas. O primeiro monastério foi estabelecido em 510 depois de Cristo, sendo repassado para os monges de St Martin de Tours em 867. Com o estabelecimento dos monges cistercienses na região, em 1114 em Pontigny, os vinhedos foram gradualmente arrendados ou doados para esta ordem religiosa, algo que durou até a Revolução Francesa.
Em 1416 foi decidido que todos os vinhedos ao sul da ponte sobre o rio Yonne em Sens passassem a fazer parte da Borgonha. Mesmo assim, a região se beneficiou da crescente demanda decorrente do rápido crescimento de Paris na Idade Média. Embora o rio Serein (que corta o vilarejo de Chablis) não fosse navegável, a proximidade do rio Yonne criava um importante canal de comunicação com a capital francesa.
A viticultura na região continuou crescendo e, em 1537, a área plantada com videiras em Chablis e adjacências atingia cerca de 900 hectares. A área de vinhedos se manteve relativamente estável nos séculos seguintes, com estimativas colocando o total de vinhedos em 870 hectares no período entre 1800 e 1810.
Mudanças significativas
Porém, a segunda metade do século XIX foi marcada por diversos fatores que desestabilizaram a viticultura da região. A criação de uma linha de trem entre Paris e o sul da França em 1856 trouxe uma enorme concorrência para Chablis, já que os vinhos mais baratos do sul passaram a ser disponíveis nas mesas dos parisienses. O segundo golpe foi a chegada do oídio (1866) e da filoxera (1887) na região, dizimando boa parte dos vinhedos. A área plantada caiu para 675 hectares em 1902, para atingir seu ponto mais baixo na década de 1950, com menos de 500 hectares.
Até por conta da queda na quantidade a partir da segunda metade do século XIX, os produtores locais passaram a se engajar na busca por maior qualidade. Os primeiros esforços para classificar os vinhedos começaram em 1908, sendo capitaneados por Benjamin Long-Depaquit. Uma classificação preliminar foi criada em 1929, usando como critério principal o tipo de solo dos vinhedos. Com base nesse trabalho, em 1938 foi criada a Chablis AOC.
Expansão maciça
Se os anos seguintes representaram um período de crescimento gradual da área de vinhedos em Chablis, a década de 1970 marcou o início de um período de rápido crescimento. Em 1970 a área total era de 757 hectares, mais do que dobrando para 1.565 hectares em 1980. O fator principal foi uma determinação da INAO, autorizando a expansão da denominação para vinhedos com um perfil de solo muito mais amplo que o permitido anteriormente.
Em 1990 a área de vinhedos era de 2.983 hectares, dos quais 1,958 de Chablis Village, 669 hectares de Chablis Premier Cru (que foi inicialmente regulamentada em 1967) e 259 hectares de Petit Chablis. Desde então, o crescimento seguiu acelerado. Destaque para Chablis Village, que atingiu uma área de 3.656 hectares em 2018 e Petit Chablis (1.108 ha no mesmo ano).
Mudanças e desafios
Esta rápida expansão teve um custo. Atualmente, cerca de 95% dos vinhedos de Chablis são colhidos de forma mecanizada, a mais alta proporção em toda a Borgonha. Ao mesmo tempo, muitos produtores sucumbiram ao uso de práticas altamente intervencionistas também na vinificação. Esta soma de fatores criou dúvidas sobre o padrão de qualidade dos vinhos de Chablis.
Se os vinhos Grand Cru e Premier Cru conseguiram manter um padrão elevado de qualidade, os desafios para os vinhos Chablis e Petit Chablis são distintos. O que fazer em um mundo onde cada dia a qualidade é mais importante que a quantidade? O uso de colheita manual, menor rendimento e práticas sustentáveis nos vinhedos, além de menor manipulação na vinificação, são tendências que ganham força. Neste contexto, Chablis tem que acompanhar se não quiser perder espaço.
Vinhos e estilo
A denominação Chablis é atualmente uma das maiores fontes de vinhos na Borgonha. A produção anual é de cerca de 28 milhões de garrafas ao ano, dos quais pouco mais de 5 milhões são Premier Cru. Em termos de vinhos brancos, Chablis é a maior região produtora da Borgonha, inclusive superando o Mâconnais.
Os vinhos de Chablis são, em sua maioria (cerca de 65%), exportados e servem, como referência para um estilo mais fresco, direto e mineral da Chardonnay. Aqueles classificados como Grand Cru e Premier Cru se destacam pela alta qualidade e mostram grande potencial de guarda, em geral atingindo seu ponto ótimo de consumo após cinco ou dez anos, ou até mais, dependendo da safra e do produtor.
Apesar dos desafios identificados acima, mesmo os vinhos mais básicos, Chablis e Petit Chablis, geralmente representam uma excelente relação custo-benefício, quando vinificados por mãos hábeis. Porém, vale a pena conhecer melhor as práticas adotadas pelo produtor, já que a qualidade pode variar de forma significativa.
Principais produtores
A maioria dos principais produtores de Chablis elabora vinhos nas diversas categorias, desde o Petit Chablis até os Grands Crus. Destes, dois nomes se destacam, sendo apontados por quase todos os críticos como os dois melhores produtores da região: Domaine Vincent Dauvissat e Domaine François Raveneau.
Porém, não faltam outros produtores de alto calibre, como Domaine William Fèvre, Domaine Billaud-Simon, Domaine Christian Moreau e Domaine Jean-Paul & Benoit Droin. Entre os produtores em ascensão, destaque para Domaine Eleni & Edouard Vocoret, que, a partir de 2023, passará a elaborar vinhos também a partir de alguns dos principais vinhedos Premier Cru e Grand Cru da região.
Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris; The World Atlas of Wine, Hugh Johnson
Mapas: Vins de Bougogne
Imagem: Arquivo pessoal
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