Touraine é uma das sub-regiões do Loire, onde se localizam algumas das mais conhecidas denominações de origem desta parte da França, como Chinon, Vouvray ou Bourgueil. Porém, existe também uma denominação de origem chamada Touraine, que, em termos de volume de produção, fica entre as cinco maiores do Vale do Loire.
Com uma longa história e tradição na vinicultura, a região tem este nome por conta da cidade de Tours, que chegou a ser capital da França durante parte da Idade Média. Atualmente é uma das regiões francesas com maior diversidade de vinhos, com diferentes uvas e estilos. Onde mais é possível encontrar, lado a lado, variedades como Chenin Blanc, Sauvignon Blanc, Pinot Gris, Cabernet Franc, Gamay, Pinot Noir e Malbec, entre outras?
Uma longa história
Existem evidências que mostram que a viticultura já era praticada nesta região desde a época romana, porém seu crescimento veio a partir de 372 D.C. Foi quando São Martinho fundou a Abadia de Marmoutier. Esta instituição religiosa, assim como ocorrido em outras partes da França, como na Borgonha, rapidamente adotou a viticultura como uma de suas prioridades.
A tradição seguiu durante a Idade Média, impulsionada também pela presença da família real francesa nos diversos castelos da área. Além disso, o desenvolvimento de canais fluviais ligando a região a Paris também teve um impacto significativo. No século XVII, a Touraine tinha a segunda maior área de vinhedos de toda a França.
Novo impulso veio com a construção de ferrovias no século XIX e o crescimento foi apenas interrompido pela chegada da filoxera, na segunda metade do século. As décadas seguintes foram marcadas pela mobilização dos viticultores na defesa da identidade local, com demarcação de vinhedos e parcelas. Este processo culminou, na década de 1930, com a criação de diversas denominações de origem, entre elas a Touraine AOC (na época chamada de Coteaux de Touraine) em 1939 e a Touraine Mousseux (para vinhos espumantes) em 1946.
A denominação de origem
Reconhecida em 24 de dezembro de 1939 para vinhos tranquilos e em 16 de outubro de 1946 para vinhos espumantes, a denominação de origem Touraine atualmente cobre cerca de 9.000 hectares, dos quais aproximadamente 5.000 deles plantados com videiras. É uma área grande (são cerca de 100 quilômetros entre Blois e o encontro dos rios Vienne e Loire – vide mapa abaixo), espalhada por 139 vilarejos diferentes.
A produção média nas últimas cinco safras ficou na faixa de 213 mil hectolitros, o equivalente a 28,4 milhões de garrafas ao ano. São mais de 500 produtores diferentes, elaborando vinhos de praticamente todos os estilos. Em 2021 os vinhos brancos eram maioria, com cerca de 59% da produção, seguidos pelos tintos (22%), espumantes (11%) e rosés (8%). É uma denominação de origem generosa em termos de rendimentos máximos: 65 hectolitros por hectare para brancos, 60 hl/ha para tintos e rosés e 72 hl/ha para espumantes.
Indicações geográficas e uvas específicas
Até por sua extensão, a Touraine AOC pode ser considerada uma espécie de denominação “guarda- chuva”, composta por diversas sub-regiões. Cinco delas podem utilizar uma indicação geográfica adicional: Touraine-Amboise, Touraine-Azay-le-Rideau, Touraine-Chennonceaux, Touraine-Mesland e Touraine-Oisly. Em cada uma delas, há normas diferentes da Touraine AOC, conforme veremos mais à frente.
Há também regras diferentes para os vinhos elaborados dentro da denominação Touraine AOC com variedade Gamay. De um lado, os monovarietais de Gamay elaborados com o método de maceração carbônica são engarrafados como Touraine-Primeur ou Touraine-Nouveau, enquanto os demais, contendo ao menos 85% de Gamay, vão a mercado como Touraine-Gamay.
Uvas permitidas
A Touraine AOC é uma denominação com grande diversidade de uvas permitidas. No caso dos vinhos brancos tranquilos, a uva primária é a Sauvignon Blanc, com um máximo de 20% de Sauvignon Gris permitido. Já no caso dos espumantes brancos (sempre elaborados pelo método tradicional), a Chenin Blanc e a Orbois devem compor ao menos 60% do blend, com a possibilidade de usar Chardonnay, Cabernet Franc, Grolleau, Grolleau Gris, Pineau d’Aunis ou Pinot Noir.
No caso dos vinhos tintos, a Côt (nome local da Malbec e uva primária na região), deve ter ao menos 50% do blend em boa parte dos casos, com o mínimo de 80% entre Côt e Cabernet Franc. A exceção fica para os vinhos elaborados a oeste de Tours, que devem conter ao menos 90% de Cabernet Franc, que se torna a uva principal. Outras uvas secundárias são Cabernet Sauvignon, Gamay e Pinot Noir.
Já nos vinhos rosés tranquilos, o blend teve ter ao menos duas variedades, mas nenhuma uva (entre Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Côt, Gamay, Grolleau, Grolleau, Meunier, Pineau d’Aunis, Pinot Gris e Pinot Noir) pode ter mais que 70% do total. A mesma regra se aplica aos espumantes rosés.
Variedades e terroir
A Sauvignon Blanc é a uva mais plantada na Touraine AOC, com cerca de 43% do total de vinhedos, muito acima de outras uvas brancas, como Chenin Blanc (7%), Chardonnay (3%) e Orbois (1,6%). Já entre as tintas, o destaque fica com a Gamay (21%), seguida pela Cabernet Franc (10%), Côt (8%), Pinot Noir (2%), Cabernet Sauvignon (1,6%), Grolleau (1,5%) e Pineau d’Aunis (1%).
Esta proporção reflete o clima de características mais continentais da região, ao contrário das áreas mais a oeste (com maior influência oceânica) onde a Chenin Blanc e a Cabernet Franc predominam. É também a partir da Touraine que a Sauvignon Blanc ganha protagonismo no Loire, assim como acontece em regiões mais leste, como Sancerre e Pouilly-Fumé.
Além das características de clima mais continentais (incluindo maior amplitude térmica), o terroir da Touraine se caracteriza por solos bastante distintos. Localizados na parte sudoeste da Bacia de Paris, os vinhedos se situam em um planalto ligeiramente ondulado, com altitudes máximas de 120 metros. É uma área banhada por diversos rios, com destaque para o Loire, Cher, Indre e Vienne.
Produção
Em termos de produção, a grande maioria dos vinhos (cerca de 93%) da Touraine AOC provem das áreas sem indicação geográfica, com os demais 7% divididos entre as cinco sub-regiões onde há indicação adicional. Dentre elas, o principal destaque fica como Touraine-Amboise, que corresponde a 2,8% da produção total da Touraine AOC. A seguir, vem Touraine-Chennonceaux (2,2%), Touraine-Mesland (0,9%), Touraine-Oisly (0,9%) e Touraine-Azay-le -Rideau (0,4%)
Vale a pena conhecer cada uma delas mais em detalhes.
Touraine-Amboise
Esta indicação geográfica adicional foi criada em 1955 e atualmente cobre uma área de cerca de 3.200 hectares, dos quais 185 hectares plantados com as variedades permitidas nesta sub-região. Situada entre Tours e Blois, cobre 10 vilarejos, em uma área onde predominam as uvas tintas, sobretudo a Côt. A produção anual média fica na faixa de 6.400 hectolitros (equivalente a 850 mil garrafas/ano), com cerca de 30 produtores distintos. Cerca de 60% dos vinhos produzidos são tintos, com 30% de rosés e 10% de brancos.
Dentre as regras específicas desta sub-região está a obrigatoriedade do uso exclusivo da Chenin Blanc nos vinhos brancos, que podem ser secos, semi-secos os doces. A Côt é a variedade principal para tintos e rosés (que devem ter ao menos 51% dela), enquanto a Gamay aparece como uva secundária. No que diz respeito ao rendimento dos vinhedos, os limites máximos são mais rigorosos do que na Touraine AOC e nas outras indicações geográficas. Para os brancos é de 52 hectolitros por hectare e de 55 hl/ha para tintos e rosés.
Touraine-Chennonceaux
Esta sub-região recebeu autorização para uso da indicação geográfica adicional a partir de 2011, o que a faz, ao lado de Touraine-Oisly, a mais recente dentre as cinco. No total, sua área cobre cerca de 2.500 hectares, dos quais apenas 50 hectares elaboram vinho com as características necessárias. São 27 vilarejos diferentes, com vinhedos plantados em solos com alta proporção de sílex, situados nas duas margens do rio Cher. Cerca de 50 produtores elaboram apenas vinhos brancos (em torno de 80% da produção) e tintos, com volume anual em torno de 5.100 hectolitros (680 mil garrafas/ano)
As regras específicas determinam que os vinhos brancos devem ser elaborados 100% a partir da Sauvignon Blanc. Já os tintos devem ter entre 65% e 80% de Côt, com o restante sendo da variedade secundária Cabernet Franc. Os rendimentos máximos são de 60 hectolitros por hectare para as brancas e 55 hl/ha para as uvas tintas.
Touraine-Mesland
Assim como Touraine-Amboise, a criação dessta indicação geográfica ocorreu em 1955. Ela conta atualmente com cerca de 105 hectares de vinhedos em torno do vilarejo de Mesland, incluindo parte de outras cinco communes. Situada na margem direita do Loire, é uma área onde a Gamay predomina. Isso resulta da decisão de uma condessa da Borgonha de plantar esta variedade em 1838, em sua propriedade no Château de Monteaux.
São cerca de 10 produtores elaborando tintos, rosés e brancos, com uma produção anual em torno de 3.200 hectolitros (425 mil garrafas/ano). Para os brancos (que respondem por cerca de 9% da produção), a Chenin Blanc deve ser majoritária, com a Sauvignon Blanc como acessória. Já os rosés (cerca de 25% da produção) devem ter a Gamay como uva principal, com partes menores de Côt e Cabernet Franc.
Por fim, os tintos, que são responsáveis por dois terços da produção total, devem ser um corte de Gamay, Côt e Cabernet Franc. A uva originária da Borgonha deve ter ao menos 51% da composição. Assim como em Touraine-Chennonceaux, os rendimentos máximos são de 60 hectolitros por hectare para as uvas brancas e 55 hl/ha para as tintas.
Touraine-Oisly
Criada em 2011, esta indicação geográfica tem diversas particularidades em relação às demais. É a única onde os vinhedos não estão distribuídos ao longo de um rio, mas sim em platôs com solos ricos em areia e cascalho. São elaborados somente vinhos brancos (a Sauvignon Blanc é a única variedade permitida), com uma produção anual que atinge 1.600 hectolitros (213 mil garrafas), nas mãos de apenas sete produtores. No total, são 30 hectares de vinhedos, distribuídos em 10 vilarejos.
Apesar de sua aprovação relativamente recente, esta parte da Sologne é uma região onde o plantio da Sauvignon Blanc tem mais de 100 anos. É também uma área onde a identificação de lieux-dits mais diferenciados tem evoluído rapidamente. Isso abre a possibilidade de elaboração de vinhos com regras mais estritas, a exemplo do que ocorre com os Cru Communaux do Muscadet.
Touraine-Azay-le-Rideau
Apesar de ser a indicação geográfica de menor produção, Touraine-Azay-le -Rideau é a mais antiga entre as cinco. Sua aprovação ocorreu em 1953, no mesmo ano quando a denominação Coteax de Touraine passou a ser conhecida como Touraine AOC. Esta área, localizada nas duas margens do Indre, cobre 1.000 hectares (dos quais apenas 60 hectares com vinhedos elegíveis) distribuídos por oito vilarejos. A produção, que inclui somente vinhos brancos e rosés, fica na faixa de 1.200 hectolitros (160 mil garrafas/ano)
Os brancos, que correspondem a 50% da produção, são elaborados exclusivamente a partir da Chenin Blanc, em diversos estilos (secos, semi-secos e doces). Já os rosés contam com a Grolleau como variedade principal (que deve ter pelo menos 50% do corte), enquanto Côt, Gamay e Cabernet Franc) aparecem como variedades secundárias.
Touraine Noble-Joué AOC
Além das cinco sub-regiões da Touraine que podem usar uma indicação geográfica específica, existe nesta área também uma outra denominação de origem, distinta da Touraine AOC e com regulamento próprio. A Touraine Noble-Joué AOC, cuja área fica dentro da Touraine AOC, diretamente ao sul de Tours, inclui cerca de 30 hectares de vinhedos. Eles estão situados entre os rios Cher e Indre e mostram características únicas.
Os vinhedos são plantados com apenas três variedades: Pinot Meunier, Pinot Gris e Pinot Noir. Reza a lenda que o rei Louis XI, que possuía um castelo na área, decidiu pelo plantio destas uvas. E, mesmo apesar da filoxera no século XIX, a tradição foi mantida até hoje. O nome Noble teria vindo destas variedades, consideradas “nobres” na região. Com uma produção média de apenas 1.500 hectolitros (200 mil garrafas/ano) há elaboração apenas de vinhos rosés, onde a Pinot Meunier aparece como majoritária.
Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; The Wine Doctor; Cahier des Charges de L’appellation d’origine Touraine; Loire Valley Wine Economic Report, Vins de Loire; Vin de Touraine
Mapas: Vins du Val de Loire
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