Vinho rosé combina com luxo?

O mercado do vinho assiste a uma tendência interessante, o lançamento de vinhos rosé posicionados, e precificados, no segmento de luxo. Apesar de ainda não representar um volume significativo, essa é uma novidade numa indústria marcada pela tradição e relativa baixa experimentação.

Ao visitar a região do Languedoc em junho de 2023, tive a oportunidade de conhecer o Clos du Temple, vinícola de propriedade de Gérard Bertrand, que produz apenas um rótulo de um vinho que ambiciona ser simplesmente o melhor – e mais caro – rosé do mundo. Longe de ser uma exceção, essa vinícola faz parte de um movimento global. Confira, a seguir, a degustação de três safras desse vinho.

Os estilos mais conhecidos de rosé

A região francesa da Provence, localizada no sul do país na fronteira com a Itália, é uma das poucas AOCs do país onde o estilo rosé representa a maior parte do volume de vinhos produzidos, chegando a 88% do total.

Provence também é sinônimo de um estilo de rosé caracterizado por uma vinificação marcada por um breve contato do mosto com as cascas, resultando num vinho de baixa intensidade visual e aromas de fruta vermelha fresca e floral, baixa carga tânica, pouco corpo e geralmente com acidez de média para cima.

O estilo do rosé de Provence tem como contraponto um outro, marcado por um tempo maior de contato do mosto com as cascas e que, por conta disso, costuma apresentar maior intensidade de cor, carga tânica relativamente mais elevada e complexidade ligeiramente superior ao anterior. Tavel AOC, localizado no Rhône Sul é o principal representante desse estilo.

Rosé, a categoria de vinhos que mais cresce no mundo

Numa indústria de volumes estáveis, com uma discreta tendência de declínio, o único estilo que mostra crescimento consistente nos últimos 10 anos é o rosé, conforme apontado Rosé Wines World Tracking 2021 a partir de dados coletados pelo IWRS Wine Intelligence.

Fonte: IWRS Wine Intelligence

São vários os motivos do crescimento do rosé e não é objetivo dessa coluna aprofundar em quais seriam as razões desse fenômeno. Mas um ponto é relevante para a presente discussão: a capacidade do rosé atrair novos consumidores para o mundo do vinho e, principalmente, ter boa aceitação em ocasiões de consumo onde o vinho não costuma ter boa penetração.

Tradicionalmente há dois grandes grupos de consumidores de vinho: os apreciadores que conhecem as regiões e marcas e apreciam o ritual do consumo e os consumidores regulares que não se importam muito com o “RG e CPF” do vinho, mas que o consomem principalmente acompanhando as refeições. Guardada as devidas produções, outras bebidas alcoólicas, como cerveja e destilados também tinham seus maiores consumos observados em algumas poucas ocasiões específicas. Em poucas palavras, a segmentação do consumo costumava ser mais clara e definida.

Recentemente, porém, a exigência dos consumidores “bagunçou” essa segmentação. Além de surgirem novas ocasiões de consumo, categorias que possuíam um virtual monopólio em ocasiões específicas de consumo, como por exemplo a cerveja em happy hour, passou a contar com mais competição. O rosé se beneficiou desse movimento, invadindo o terreno de outras bebidas alcoólicas, assim como o de um estilo de vinho específico, o espumante.

Fonte: IWRS Wine Intelligence

O gráfico acima fornece uma outra pista relevante. Três países, França, Alemanha e Estados Unidos, consumem mais da metade de todo rosé produzido no mundo. E a França é sabidamente um caso a parte no que diz respeito ao consumo desse estilo, diferenciando-se totalmente de outros mercados. Chama a atenção que o país que produz Bordeaux, Bourgogne e Champagne, sem contar outros vinhos de prestígio, apresente 1/3 de seu consumo interno baseado no rosé. Será essa uma tendência de consumo que outros mercados seguirão, sinalizando uma continuação da expansão desse estilo nos próximos anos? Os dados aparentemente sugerem isso.

A posicionamento tradicional do rosé e o que vem mudando

Tradicionalmente o rosé é um vinho simples e acessível. Apesar de existir uma classificação de Cru Classé nos vinhos da Provence, ela não é nem um pouco relevante. Alguns produtores chegam até a estampar a classificação em seus rótulos. Mas a imensa maioria dos consumidores, e dos comerciantes, não fazem ideia do que ela significa.

Exemplo de um Cru Classé da Provence. Classificação que nunca foi relevante

Normalmente o rosé não tem potencial de evoluir com a guarda. No caso do estilo da Provence quanto mais jovem for consumido, melhor. Esse fato, conjugado com o relativo baixo preço, faz o giro do rosé ser alto.

Isso aliado ao enorme potencial gastronômico, principalmente em ocasiões específicas como verão e petiscos a base de fruto do mar e salada, fazem dele um “sucesso de público e crítica” no sul da França. Quando comparamos com a realidade do Brasil, é impossível não imaginar o enorme potencial de crescimento por aqui.

Além disso, o rosé tem um potencial de invadir novas ocasiões de consumo, como happy hour e baladas. No caso das baladas, além de conseguir roubar espaço de outras bebidas alcoólicas, também compete com os espumantes, especialmente os rosés. E essa competição com os espumantes rosés, especialmente os mais sofisticados, é um dos fatores para a invasão no segmento de luxo, ao abrir uma oportunidade enorme de aumento do preço praticado pelos produtores.

Vinho Clos du Temple, o mais ambicioso projeto de rosé no mundo

Há anos, quando ainda eram casados, os atores e celebridades Angelina Jolie e Brad Pitt tornaram-se sócio de um projeto de vinho rosé que buscava um posicionamento de marca superior aos seus pares. O vinho em si não tinha nenhum diferencial com relação aos bons rosés da Provence. Mas a garrafa e o rótulo eram diferenciados e o marketing em torno do vinho foi colossal. Clos du Temple tem uma proposta diferente e mais ambiciosa.

Clos du Temple faz parte do grupo de vinícolas controladas por Gérard Bertrand. Bertrand é um ex-jogador de rugby na França, esporte bastante popular. Guardada as devidas proporções, ele é um ídolo por lá, como o Ronaldo Fenômeno é no Brasil. Aposentado do esporte, diferente do Ronaldo que virou acionista e dirigente de clubes de futebol, Bertrand resolveu se dedicar ao mundo do vinho. Suas vinícolas concentram-se majoritariamente no Languedoc, sua terra de origem.

Localizada em sua região de origem, Cabrières, Bertrand concebeu a vinícola com todo o pacote de cultivo orgânico e biodinâmico nos 12 hectares plantados com vinhedos. Adquiriu vinhedos antigos num terreno único e espetacularmente cercado por colinas, como se fosse um Clos (um vinhedo murado).

A paisagem é deslumbrante e o projeto arquitetônico da vinícola, encrustado nas pedras, é impressionante e com várias referências a “templos egípcios”, “energia cósmica”, etc. E na sala de degustação, um piano de cauda ao centro, acolhe os visitantes que normalmente chegam no segundo andar impressionados com tamanha suntuosidade.

E nesse local único é produzido apenas um vinho, um rosé que é propagandeado pela vinícola como o “melhor rosé do mundo”. Na França é vendido por 200 Euros. No Brasil o preço ao consumidor na importadora World Wine é de R$ 3.460,00.

Notas de degustação do Clos du Temple Rosé 2018, 2019 e 2021

O vinho é produzido com um blend de variedades tintas com uma branca:  Cinsault (vinhas velhas de cerca de 70 anos), Grenache Noir, Syrah e Viogner.

A colheita é manual e acontece ao amanhecer, sendo imediatamente levada para a vinícola localizada a menos de 1,5km do vinhedo mais distante.

As parcelas são vinificadas separadamente e apenas a primeira prensagem é utilizada.

Contato com as cascas por 24 horas, numa temperatura controlada entre 8-10°C

O vinho é maturado em barrica nova por seis meses, em contato com as leveduras (parcelas separadas)

O blend das parcelas acontece ao final do processo.

A safra 2018 tinha 14,0% abv, enquanto as 2019 e 2021 14,5% abv.

As três safras degustadas

De baixa intensidade visual, tons de salmão, com uma discreta diferença com a evolução, com a mais antiga, 2018, relativamente mais intensa. Nas três safras destaque para as notas tostadas e o tabaco no final. Foi possível avaliar perfeitamente a evolução da fruta ao longo das safras.

Na boca, é um rosé com mais peso que o padrão da Provence. Chamou a atenção a textura e untuosidade. Taninos são discretos e acidez de moderada para alta. Vinhos com várias camadas de aromas e sabores. No 2018 e 2019 a fruta prevalente foi pêssego verde e no mais jovem, o 2021, o morango maduro se destacou. As três safras se mostraram amplas e surpreendentemente persistentes. Outra assinatura é a nota mineral no final de boca. Apesar do elevado teor alcoólico, o vinho é integrado.

Foi surpreendente a evolução observada ao longo das safras. Um rosé vinificado a “la Provence”, mas com passagem por barrica. E barrica nova! Inegavelmente é um ótimo vinho e que entrega atributos normalmente não observados neste estilo de vinho. Quanto ao posicionamento e ao preço praticado, caberá ao consumidor decidir se foi acertado ou não.

Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML.  É formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS.. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWS e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

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