Aligoté, muito mais do que a “outra” uva branca da Borgonha

A Aligoté é a segunda uva branca mais cultivada na Borgonha. Numa região em que a supremacia da Chardonnay é inquestionável, tanto no que diz respeito a qualidade dos vinhos, como também em quantidade, chega a ser compreensível as razões para ela ser tratada apenas como “a outra” uva branca. E de nunca ter sido levada muito a sério quando o assunto é a produção de vinhos de qualidade.

Recentemente, porém, um grupo de produtores está chamando a atenção para os vinhos produzidos com essa variedade. É visível o aumento de interesse e o momento favorável da Aligoté no mercado internacional de vinhos.

Borgonha, o berço da Aligoté

A Aligoté

Atualmente há cerca de 2.000 hectares de área plantada da Aligoté na França, sendo que a Borgonha abriga 90% dessa área. E foi lá que a variedade surgiu, no século XVII, a partir do cruzamento da Gouais Blanc com a Pinot Noir.

Na década de 1930, quando o sistema de classificação de vinhos foi aprovado, que incluiu a formalização das AOCs, a Aligoté recebeu o primeiro sinal de reconhecimento ao ser criada a AOC Regional Bourgogne Aligoté, que autorizou o cultivo da variedade em toda a região vinícola da Borgonha.

1997, a criação da Primeira AOC Village exclusiva da Aligoté

Numa iniciativa liderada por Aubert de Villaine, acionista e durante muito tempo o principal gestor da Domaine de la Romanée-Conti e sua esposa Pamela, os vinhos do município de Bouzeron, na Côte Chalonnaise foram promovidos a categoria de AOC Village.  E entre as 44 AOCs Villages da Borgonha, é a única autorizada a produzir vinhos exclusivamente com a uva Aligoté.

Os vinhos produzidos com uva Aligoté

Segundo Anthony Hanson MW, em seu livro Burgundy (Farber & Farber, 1982) “… é um vinho com elevada acidez e, quando comparada a Chardonnay, com menos intensidade aromática, menor expressão de sabores e com textura menos redonda”. Tal definição nos remete claramente a um território bastante distante da elegância e finesse encontrado nos grandes brancos da Borgonha.

Por outro lado, os varietais da Aligoté se destacam pela exuberância aromática e fazem um claro contraponto ao estilo discreto e austero da Chardonnay. Esse estilo distinto, aliado ao preço baixo para os padrões da região, fizeram dos vinhos produzidos com a Aligoté um vinho acessível e com espaço garantido em ocasiões de consumo despretensiosas.

Mas há vinhos e vinhos produzidos com a Aligotés….

Nem toda Aligoté é igual. Uma particularidade dessa variedade é a grande diferença entre os vinhos produzidos com seus dois principais clones, sendo claramente o Dore superior ao Vert. Além disso as melhores uvas são oriundas de solos argilosos com pouco calcáreo e normalmente rasos.

Ocorre que na Borgonha os melhores sites, com solos distintos e exposição solar privilegiada são muito concorridos. Levando em conta o potencial de ganho que o produtor pode obter com Chardonnay e Pinot Noir, é compreensível que a Aligoté ser relegada a áreas menos nobres. E se, aliado ao cultivo em solos menos privilegiados, o rendimento for elevado, o resultado pode ser bastante prejudicado. E essa é a triste realidade de grande parte do volume dessa casta na Borgonha.

Bouzeron, um oásis para a Aligoté na Borgonha

Aligoté pode produzir belos e longevos vinhos quando as condições ideais de produção são a ela oferecidas. A zona de produção de Bouzeron oferece exatamente essas condições. Localizada num vale a oeste das cidades de Chagny e Rully, possui 52 hectares de área cultivada.

Interessante que na zona de produção de Bouzeron produz também ótimos vinhos com Chardonnay. E bons vinhos com Pinot Noir. Porém, apenas os vinhos varietais de Aligoté contam com o privilégio de ostentar a classificação AOC Bouzeron em seus rótulos.

Produtores de destaque

Na edição de julho de 2023 a Decanter Magazine destacou cinco produtores que, segundo a publicação, produzem varietais de Aligotés que merecem ser conhecidos:

Domaine A&P de Villaine

De longe é a grande referência dos vinhos produzidos com a Aligoté. O casal Aubert e Palome Villaine mora na região desde a década de 1970. A atuação do casal foi decisiva para a elevação da zona produtora para AOC Bouzeron em 1997. Atualmente o Domaine é gerido pelo sobrinho de Aubert, Pierre de Benoist e conta com um plantel valiososo de vinhas velhas.

Seus vinhedos possuem a certificação orgânica desde 1986 e cultivados seguindo as práticas biodinâmicas. O vinho é fermentado em grandes botes de madeira depois de passarem por uma pré-fermentação em tanques de aço. Envelhece por volta de 12 meses em barricas em contato com as leveduras. São vinhos que chamam atenção pela sutileza e boa complexidade.

Chantereves

O casal Tomoko Kuriyama e Guillaume Bott se declaram apaixonados pela Aligoté. Após um período de experimentação, produzindo pequenos lotes com uvas adquiridas de terceiros, no melhor estilo de uma “produção de garagem”, iniciaram a produção com um rótulo próprio. Em 2020 iniciaram a aquisição de parcelas de vinhedos na área das Haute-Côtes e passaram a se dedicar integralmente à empreitada.

Adeptos das práticas de viticultura orgânica, as uvas são “gentilmente” prensadas para, em seguida, serem fermentadas em grandes cascos de madeiras tendo sempre a mínima intervenção presente. A revista Decanter descreve seus vinhos como peculiares e capazes de representar o estilo moderno da Aligoté

Jerome Galeyrand

Jerome Galyrand é o fundador de um grupo produtores na Borgonha que se autointitulam Les Aligoteurs, que numa tradução livre poderíamos dizer “A turma do Aligoté”. Baseado em Gevrey-Charbertin, Galeyrand produz vários rótulos com Aligotés oriundos de diferentes terroirs que vão da Côte de Beaune a Côte Chalonnaise, incluindo naturalmente Bouzeron. Adepto da agricultura orgânica, fermenta seus vinhos em grandes barricas de madeira antigas e faz uso restrito de SO2. O estilo de seus vinhos é descrito como limpo e puro e que se beneficiam de um pequeno período de envelhecimento.

Maison Chanzy

Um dos produtores referência em Bouzeron. A área de seus vinhedos representa 25% da AOC. Produz um vinho de estilo clássico e elegante, adotando temperaturas baixas de fermentação e envelhecimento em tanque e grandes barricas de madeira antigo, sempre buscando preservar o fresco e a fruta marcante da Aligoté.

Sylvain Pataille

Produtor referência na AOC Marsannay, Pattaille é também um dos expoentes do grupo Les Aligoteurs. Segundo ele: “A Aligoté é um animal que quer lutar para se manter vivo”. Produz uma série de vinhedos dedicados a essa paixão, tanto em Chenôve, na área fria área norte da Côte de Nuits”, além de Champ Forey em Marsannay e Corcelles, em Bouzeron. A expressão dos vinhos, nos diferentes terroirs, são distintas e servem de base para os apaixonados clamarem a que a Aligoté representa muito mais do que simplesmente “a outra uva branca da Borgonha”

Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML.  É formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS.. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWS e CWS, este último pela Society Wine Educators.

Disclaimer: Os conteúdos publicados nesta coluna são da inteira responsabilidade do seu autor. O WineFun não se responsabiliza por esses conteúdos nem por ações que resultem dos mesmos ou comentários emitidos pelos leitores.

Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

Imagem: Bourgogne Wines

O post Aligoté, muito mais do que a “outra” uva branca da Borgonha apareceu primeiro em Wine Fun.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *