Montlouis-sur-Loire tem uma longa associação com Vouvray, denominação de origem vizinha e que fica na outra margem do Loire. Elas não dividem somente boa parte de sua história, mas também a preferência pela Chenin Blanc, uva que domina seus vinhedos. Nos últimos anos, porém, elas passaram a seguir caminhos distintos, ao menos no que diz respeito ao estilo de vinificação e cultivo de seus vinhedos.
Historicamente dando origem a vinhos mais leves e menos estruturados que aqueles de Vouvray, Montlouis-sur-Loire buscou um posicionamento estratégico diferente em dois sentidos. Atualmente é uma das denominações de origem da França com maior proporção de vinhedos orgânicos e biodinâmicos (mais de 45%), incluindo a proibição de uso de herbicidas químicos. Além disso, explora a sua vocação para elaboração de espumantes com foco no uso do método ancestral, ao invés do método tradicional que domina boa parte do Loire.
Gritos de independência
Por vários séculos, muito antes da criação formal das denominações de origem, os vinhos de Montlouis eram engarrafados como Vouvray (brancos) ou Touraine (tintos). Esta situação veio a mudar somente depois do forte impacto da filoxera sobre a região da Touraine, com a criação do Syndicat Agricole et Viticole de Montlouis, em dezembro de 1891. Vale lembrar que antes da filoxera os vinhedos eram predominantemente plantados com uvas tintas, como Côt (como a Malbec é chamada na região), Gamay e Cabernet Franc, além da Chenin Blanc.
Foi durante a década de 1930, quando a Chenin Blanc já dominava quase inteiramente os vinhedos, que os produtores da região buscaram maior espaço. Eles rejeitaram o pedido para anexar seus vinhedos à denominação de origem Vouvray. Os viticultores das communes de Lussault-sur-Loire, Montlouis-sur-Loire e SaintMartin-le-Beau iniciaram então um processo de reconhecimento como denominação própria e independente. Em dezembro de 1938 nascia a denominação Montlouis, que alteraria seu nome para Montlouis-sur-Loire em 2002.
Mais recentemente, em 2014, Montlouis-sur-Loire decidiu deixar a Interloire, órgão colegiado responsável pela promoção e marketing dos vinhos de boa parte das denominações de origem do Loire. Fica claro, portanto, que os vinicultores de Montlouis mostram disposição e coragem de buscar seus objetivos de forma independente, algo fundamental em uma região com tantas denominações de origem como o Loire.
A denominação de origem e seu terroir
Montlouis-sur-Loire fica na margem esquerda do Loire diretamente ao sul de Vouvray, a cerca de 240 quilômetros a sudoeste de Paris. Além da influência direta do maior rio da França, esta denominação de origem sofre impacto também do rio Cher. Ela forma uma espécie de triângulo, como pode ser visto no mapa abaixo. Assim, os vinhedos de Montlouis-sur-Loire se beneficiam de uma situação geográfica particular, delimitada por limites naturais. São eles: o vale do Loire a norte, o vale do Cher a sul e o maciço florestal de Amboise a leste.
É uma área continental, porém que sofre significativa influência oceânica, com climas menos severos que as regiões ao seu leste. O impacto, porém, depende da posição das suas colinas, pois é uma área de topografia complexa. Ela mostra, na média, altitudes mais baixas que Volnay, com solos relativamente similares.
Em Montlouis-sur-Loire, porém, há maior concentração de solos arenosos e aluviais, chamados localmente de Les Sables. Por conta da orientação de suas colinas, há também menor exposição solar do que em Vouvray. Isso ajuda a explicar as diferentes características de seus vinhos.
Área cultivada, produção e estilo de vinificação
Em 2019, Montlouis-sur-Loire contava com uma área total de 1.200 hectares, dos quais apenas 450 deles plantados com vinhedos. A título de comparação, isso é pouco mais de 20% da área de vinhedos de Vouvray. Porém, ela é mais que cinco vezes maior que Jasniéres, outra área da Touraine onde a Chenin Blanc reina absoluta. A proximidade com a área urbana de Tours é uma questão delicada. Mais de 200 hectares de vinhedos já foram perdidos, por conta do desenvolvimento urbano da antiga capital da França.
A produção total média entre 2015-19 foi de 15.048 hectolitros, o que corresponde a aproximadamente 2 milhões de garrafas. Com cerca de 50 vinicultores, a única uva permitida é a Chenin Blanc, porém com uma peculiaridade. Excluindo as denominações de origem que produzem exclusivamente espumantes, é em Montlouis-sur-Loire que os espumantes atingem a maior proporção no Loire. Eles representam dois terços da produção.
Montlouis-sur-Loire é uma das poucas denominações de origem na França a permitir em suas regras a produção de espumantes de acordo com o método ancestral, onde ocorre apenas uma fermentação. Chamados localmente de Pétillant Originel, são, no fundo, equivalentes aos Pétillants Naturel, ou Pét-Nats, que tanto fazem sucesso atualmente.
Vinhos tranquilos e espumantes
De forma geral, os vinhos tranquilos de Montlouis-sur-Loire são considerados mais leves e verticais do que aqueles elaborados em Vouvray. Para tal, pesam as diferenças de solos (há menor presença de Perruches, os solos argilo-calcários com alta proporção de sílica) e existe uma proporção mais baixa de vinhedos de orientação sul, com menor exposição solar e, consequentemente, diferente perfil de maturação das uvas.
Assim como em outras denominações de origem da região de Touraine, os vinhos tranquilos se dividem em quatro categorias, de acordo com a quantidade de açúcar residual. A maioria da produção é de vinhos Sec, leves e com muita tensão. Porém, os produtores da região elaboram também brancos Demi-sec, Moelleux e Doux et Liquoreux.
No caso dos vinhos espumantes, prevalecem os Pétillants Originels. Além da diferença em termos de método de produção, o tempo mínimo de permanência sur lattes é de nove meses, contra 12 meses em Volnay. O resultado é a produção de espumantes, em geral, mais frescos e frutados, com menor teor alcoólico, porém com menor potencial de evolução. Vale lembrar que também há espumantes feitos com o método tradicional, porém em menor proporção.
Produtores de destaque
Montlouis-sur-Loire é umas regiões mais dinâmicas do Loire. Ela traz uma combinação perfeita entre, de um lado, produtores com muita tradição e longa presença na região com, de outro, uma nova geração de vinhateiros. No primeiro grupo, os principais destaques ficam com François Chidaine e Domaine de la Taille Aux Loups, sem esquecer também de Domaine Deletang e Château De Pintray.
Já o grupo de jovens produtores (o que ajuda a explicar a alta proporção de vinhedos orgânicos e biodinâmicos na área), tem vários nomes de destaque. Entre eles, vale muito a pena conhecer os vinhos de La Grange Tiphaine e Le Rocher Des Violettes (ambos já importados para o Brasil), além de Frantz Saumon, Lise et Bertrand Jousset e Ludovic Chanson.
Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; The Wine Doctor; Cahier des Charges de L’appellation d’origine Montlouis-sur-Loire; Loire Valley Wine Economic Report, Decanter; Loire Valley Wine Tour; Vins Montoluis-sur-Loire; Dossier de Presse AOC Montlouis-sur-Loire; Cartographie et caractérisation des terroirs viticoles Vignoble de Montlouis-sur-Loire
Imagem: Christophe BARBAULT via Pixabay
Mapas: Vins Montoluis-sur-Loire
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