A Espanha consistentemente ocupa a terceira posição no ranking de maiores produtores mundiais de vinho, mas seu foco não fica somente em quantidade. São quase 100 denominações de origem diferentes com foco em qualidade, localizadas em praticamente todas as áreas do segundo maior país da Europa Ocidental. Delas, porém, apenas duas podem estampar em seus rótulos a expressão Denominación de Origen Calificada: Rioja e Priorato.
Com uma longa tradição na viticultura, o Priorato, porém, só passou a ganhar maior destaque nas adegas dos maiores conhecedores de vinho a partir do final dos anos 1980. A chegada de um grupo de produtores revigorou a região, trazendo novas ideias e até novas variedades, mas mantendo o patrimônio de videiras seculares. O resultado? Vinhos únicos, que merecem atenção especial de quem aprecia grandes tintos.
Longa história
Há relatos que indicam que a viticultura na região teria começado na época romana. Porém, o marco decisivo foi a fundação da Cartoixa de Scala Dei, em 1194, por monges cartuxos, provenientes da Provença. Também chamada de Priorat de Scala Dei (que deu origem ao nome da denominação de origem), este monastério ficou famoso também pela qualidade de seus vinhos.
Esta instituição religiosa atingiu seu auge nos séculos XVI e XVII, mas foi extinta em 1835, com suas terras confiscadas e posteriormente revendidas. Isso trouxe consequências importantes para a vinicultura local. Porém, o evento mais dramático foi a chegada da filoxera à região, que resultou na destruição de muitos vinhedos.
Renascimento
Mesmo com uma área reduzida de vinhedos, em 1954 foi criada a denominação de origem Priorat. Porém, isso não foi suficiente para mudar os rumos da viticultura local. Após um longo período de abandono, com a vinicultura restrita a poucos produtores locais, a região voltou aos holofotes com a chegada de um grupo de visionários. Foi por conta dos esforços de nomes como Josep Pérez, René Barbier, Carles Pastrana, Toni Basté, Fernando Garcia e, posteriormente, Álvaro Palacios, que o Priorat alcançou a reputação que hoje goza a nível mundial.
Os esforços foram recompensados com a decisão do governo da Catalunha de elevar a classificação da denominação de origem para DOQ (Denominació d’Origen Qualificada) Priorat. Posteriormente, em 2009, o governo central espanhol seguiu o mesmo caminho, criando a DOCa (Denominación de Origen Calificada) Priorato.
Localização e topografia
Localizada na porção noroeste da denominação de origem Tarragona, a cerca de 250 quilômetros a oeste de Barcelona, a DOCa Priorat forma uma unidade paisagística compacta e bem definida. Pode ser comparada a um anfiteatro montanhoso, cortado pelo rio Suirana e cercada de montanhas por todos os lados. É delimitada a norte pela Sierra de Montsant, a oeste pelas Crestas del Lloar e La Figuera, a leste pela Sierra del Molló e a sul onde termina a Montaña de Pizarra.
Situada a apenas 25 quilômetros do Mar Mediterrâneo, é uma região de topografia acidentada. Boa parte dos vinhedos é plantada em encostas com altitude média de 450 metros, porém com grande variabilidade (entre 100 e 700 metros). A geografia desta área implica que muitas vinhas são trabalhadas como Costers (palavra catalã que significa encosta íngreme), inclusive em terraços construídos no passado, assim como ocorre em regiões como o Douro e o Etna.
A área da denominação de origem Priorato se distribuiu por doze sub-regiões distintas de produção, sempre definidas pelo seu principal vilarejo. São eles: Bellmunt, Escaladei, Gratallops, El Lloar, La Morera, Poboleda, Porrera, Torroja, La Vilella Alta, La Vilella Baixa, Masos de Falset, Solanes del Molar.
Clima e solo
O relativo isolamento da DOCa Priorat em relação à influência do mar e a proteção oferecida pela Sierra del Montsant aos ventos frios de norte garantem condições climáticas muito peculiares. Chama a atenção a enorme oscilação térmica entre o dia (mais de 35 graus no verão) e a noite (5 graus negativos no inverno), com temperatura média anual entre 14 e 15 graus.
É um região seca, com precipitação média anual entre 400 e 500 litros por metro quadrado. Essas condições climáticas, contando também com a presença de ventos de noroeste, provocam uma rápida evaporação da umidade da superfície, garantindo um clima seco com baixa incidência de doenças fúngicas.
Os solos são pobres e com características distintas de boa parte da Catalunha. Compostos basicamente por uma camada de ardósia (chamada localmente de llicorella), mostram uma estrutura que permite que as raízes das videiras penetrem entre as diferentes folhas laminares que formam a llicorella. Isso garante acesso a água mesmo nas safras mais secas, porém resulta em videiras de baixo rendimento e uvas de alta concentração.
Variedades autorizadas
A DOCa Priorato permite uma grande quantidade de uvas diferentes em seus vinhos, porém privilegia as locais Garnacha e Carignan (chamada de Samsó na região) no caso dos vinhos tintos. Apesar de serem descritas como “uvas recomendadas”, não há proporção mínima delas nos tintos (à exceção daqueles elaborados a partir de vinhedos específicos). As outras uvas tintas autorizadas são Garnacha Peluda, Cabernet Sauvignon, Syrah, Cabernet Franc, Tempranillo (ou Ull de Llebre, em catalão), Merlot, Pinot Noir e Picapoll Tinto.
Já as variedades brancas autorizadas são Garnacha Blanca, Macabeo (chamada de Viura na Rioja), Pedro Ximénez, Chenin Blanc, Moscatel de Alexandria, Moscatel, Xarel-lo (conhecida localmente como Pansal), Picapoll Blanco e Viognier.
Vinhedos e produção
A área total da denominação de origem Priorat supera 17.000 hectares, dos quais apenas 2.164 plantados com videiras, de acordo com dados de 2021. Duas variedades dominam os vinhedos da região: Garnacha (31%) e Carignan (24%), seguidas por um trio de variedades internacionais (Syrah 10%, Cabernet Sauvignon 10% e Merlot 7%). Dentre as uvas brancas, que correspondem a somente 7,5% da área plantada, o destaque fica com a Garnacha Blanca, com 5% do total de vinhedos.
A produção total em 2021 foi de 8.490 hectolitros, o que corresponde a cerca de 1,1 milhão de garrafas. Em termos comparativos, este volume fica bem abaixo de regiões próximas, como Penedés (16,5 milhões) e mesmo Montsant (2 milhões). A única outra DOCa da Espanha, a Rioja, produziu cerca de 350 milhões de garrafas no mesmo período.
Do total comercializado, cerca de 94% eram vinhos tintos, com 5% de vinhos brancos, 0,5% rosados e o restante como licorosos ou espumantes. No total, eram 516 viticultores atuando na denominação de origem, com 114 vinícolas sediadas na região.
Classificações
O Priorato conta com dois sistemas paralelos de classificação de seus vinhos. Em linha com diversas regiões espanholas, os vinhos recebem classificação de acordo com o tempo de estágio em carvalho. De acordo com este critério, as classificações são Joven, Crianza, Reserva e Gran Reserva.
Em 2019, porém, o Conselho Regulador lançou uma classificação alternativa, com base no local de origem das uvas e qualidade dos vinhedos. Inspirada na classificação da Borgonha, é uma pirâmide com cinco níveis hierárquicos distintos, que começa com os vinhos regionais, classificados como DOQ Priorat. A seguir vêm os Vi de Vila, com uvas provenientes de um dos doze munícipios.
O terceiro degrau é composto pelos Vi de Paratge, com origem em uma das mais de 450 áreas assim designadas. Por fim, os dois patamares superiores traçam um paralelo com os Premier Cru e Grand Cru da Borgonha: Vinya Classificada e o topo da pirâmide, Gran Vinya Classificada.
Estilo dos vinhos
Por conta do perfil de solo e clima específico da região, as videiras de boa parte do Priorato tendem a sofrer. Como resultado, os rendimentos de colheita são muito baixos – menos de 1 kg por planta, em média. Isto acaba impactando diretamente as características de seus vinhos, que tendem a mostrar uma personalidade única.
Os vinhos tintos, sobretudo aqueles onde predominam a Garnacha e a Carignan de vinhas velhas, são intensos e concentrados. Mostram olfativo complexo, marcado por aromas de frutas negras maduras, notas florais e de grafite. São vinhos potentes e profundos, que necessitam de longa guarda para atingir sua janela ideal de consumo e mostrar taninos intensos, mas macios. Alguns dos grandes vinhos da região conseguem mostrar enorme amplitude, porém sem muito peso, resultando em tintos de incrível equilíbrio e elegância.
Principais produtores
Até hoje, boa parte dos grandes vinhos do Priorato está intrinsicamente associada ao grupo de produtores que chegou à região na década de 1980 e praticamente “reinventou” a região. Quatro dentre estes nomes se destacam, começando com Alvaro Palacios, que chegou um pouco mais tarde que os demais, mas é responsável pelos clássicos L’Ermita e Finca Dofí.
Não há como falar de vinhos de qualidade do Priorato sem mencionar Clos Mogador (fundada por René Barbier, Mas Martinet (Família Perez, que começou em 1982) e Gran Casa del Siurana/Clos de L’Obac. Outros produtores de destaque são Clos Figueras, Bodegas Mas Alta, Celler Mas Doix, Clos I Terrasses, Combier-Fischer, Ferrer Bobet, Mas Igneus, Portal del Priorat, Terroir al Limit e Mas D’En Gil.
Fontes: Pliego de Condiciones de la Denominación De Origen Calificada Priorat; The Wines of Spain, Julian Jeffs; Guia Peñin de los Vinos de España; Datos de las Denominaciones de Origen Protegidas de Vinos (DOPS) Campaña 2020/2021; Consell Regulator DOQ Priorat; DOQ Priorat: a thousand years of winegrowing
Mapas: Priorat Denominació d’Origen
Imagens: Marc Pascual via Pixabay
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