Talvez nenhuma região vinícola do mundo tenha tanta diversidade de uvas como o Vale do Loire. De uma certa forma, isso não chega a ser surpreendente, pois esta região está longe de ser homogênea. Com mais de 1.000 quilômetros de extensão, o Loire corta áreas com diferenças significativas de clima, solos, latitude e altitude, isso sem falar em história e tradições distintas. Assim, não parece exagerado dizer que o Loire é, na verdade, um conglomerado de regiões, ao invés de uma área uniforme.
São cerca de 25 variedades distintas permitidas em ao menos uma de suas mais de 50 denominações de origem. Parte delas, mesmo aquelas autóctones da região, ganharam projeção internacional e são conhecidas pelos apreciadores de bons vinhos. Muitas destas variedades, porém, ainda são relativamente obscuras, mas certamente merecem ser conhecidas mais de perto. É o que veremos a seguir.
As oito grandes
Mesmo com tanta diversidade, boa parte dos vinhedos do Vale do Loire é plantada com um grupo mais restrito de uvas. Oito variedades são responsáveis por 87% da área plantada com videiras nas margens do Loire, grande parte delas bastante familiares. A Cabernet Franc lidera, com cerca de 25% das videiras, seguida por Sauvignon Blanc (15,7%) e Chenin Blanc (14,9%).
A primeira uva raramente presente fora do Loire é a Melon de Bourgogne. Mesmo sendo originária da Borgonha, esta variedade branca conquistou o Pays Nantais e hoje responde por quase 14% dos vinhedos do Loire. A seguir vem Gamay (7%), Chardonnay (4,5%) e Pinot Noir (3,4%). O grupo das oito grandes fecha com a uva autóctone Grolleau, uma tinta que responde por 3,2% dos vinhedos e dá origem a vinhos de alta acidez e muita presença de frutas vermelhas.
As outras uvas
As demais uvas presentes no Loire podem ser divididas em três grupos: brancas, tintas e “cinzas” (ou Gris), que é como os franceses chamam as variedades de peles rosadas. Este grupo “intermediário” em geral dá origem a vinhos brancos, mas também, quando sujeitos a tempo em contato com suas cascas, a vinhos rosados. Vamos começar pelas uvas brancas, seguindo depois para as “cinzas” e fechando com as tintas.
Folle Blanche
Esta variedade é originária da região de Charente, onde por muito tempo foi a uva principal usada para elaboração de destilados, como Cognac e Armagnac. Foi por conta destas características que a Folle Blanche ganhou espaço nos vinhedos do Pays Nantais, já a partir do século XVI. Mercadores holandeses foram os responsáveis pela sua introdução, com o objetivo de elaborar destilados.
Chamada de Gros Plant no Pays Nantais, dá origem a vinhos leves e de alta acidez, onde predominam aromas cítricos e de maçã verde. É a uva principal da denominação de origem Gros Plant du Pays Nantais, na qual os vinhos devem ter ao menos 70% dela. Sua área plantada na França fica pouco abaixo de 1.000 hectares, fortemente concentrada no Pays Nantais. É também uma das uvas aprovadas na Val de Loire IGP.
Colombard
Assim como a Folle Blanche, possivelmente surgiu na área de Charente, com uso principalmente na elaboração de destilados. Análises de DNA mostraram que ela resulta do cruzamento entre Gouais Blanc e Chenin Blanc. No Loire, é uma das duas variedades secundárias que podem ser usadas nos vinhos da denominação Gros Plant du Pays Nantais, com um limite máximo de 10% do corte. Atualmente tem mais de 11.000 hectares plantados na França, tendo ganhado espaço também em vinhedos da África do Sul.
Montils
Possivelmente uma descendente da Gouais Blanc, repete o script da Colombard em termos de origem e uso nos vinhos da denominação Gros Plant du Pays Nantais. Foi quase extinta na década de 1980, mas atualmente conta com cerca de 200 hectares de vinhedos na França.
Menu Pineau
Também conhecida como Orbois ou Arbois, esta variedade é, provavelmente, também descendente da Gouais Blanc. Parece ser originária do Vale do Loire, mais particularmente da Touraine ou da região de Loir-et-Cher. Ela recebeu o seu nome para diferenciá-la da Chenin Blanc, chamada também de Gros Pineau no Loire.
Historicamente esta uva era utilizada em blends com a Chenin Blanc, com o objetivo de suavizar a acidez as vezes excessiva da última. Atualmente há cerca de 150 hectares plantados na França, concentrados na região de Touraine. É uma uva secundária nas denominações de Touraine, Cheverny, Vouvray (com até 5% do corte) e Valençay, além de ser uma das uvas aprovadas na Val de Loire IGP.
Romorantin
Esta variedade seria originária do centro da França e, com base em estudos genéticos publicados, seria o resultado do cruzamento entre Pinot Teinturier e Gouais Blanc. Gera vinhos de alta acidez, tensão e aromas cítricos, encontrando na denominação de origem Cour-Cheverny sua casa. É a única uva permitida nesta AOC, refletindo sua presença na área. Infelizmente, porém, a Romorantin conta com pouco menos de 70 hectares plantados na França, concentrados quase que inteiramente na região de Touraine.
Chasselas
Esta uva possivelmente originária da Suíça e cujo nome reflete um vilarejo situado na Borgonha tem, a exemplo da Romorantin, uma denominação de origem exclusiva. Pouilly-sur-Loire divide a mesma área de Pouilly-Fumé, porém, ao invés da Sauvignon Blanc, tem a Chasselas como única uva. Ao contrário da Romorantin, porém, seu cultivo está espalhado por várias áreas da França. São cerca de 1.000 hectares de vinhedos, dos quais apenas 30 hectares em Pouilly-sur-Loire.
Sacy
Uva secundária na denominação de origem Saint-Pourçain (pode ter até 40% em cortes brancos), onde é chamada de Tressalier. Com cerca de 70 hectares plantados na França, é também uma das uvas aprovadas nos brancos da Val de Loire IGP.
Grolleau Gris
Abrindo o grupo de uvas “cinzas”, a Grolleau Gris é uma mutação de cor da Grolleau Noir, com grãos de coloração rosada, que dá origem a vinhos com características florais intensas. É usada, sobretudo, na elaboração de espumantes e vinhos rosés, quase sempre como parte do blend. Conta com cerca de 450 hectares de vinhedos plantados no Vale do Loire, boa parte dos 530 cultivados em toda a França.
É uma das variedades secundárias nos espumantes das denominações de origem Anjou Mousseux, Cremant de Loire, Saumur Mousseux, Touraine Mousseux e nos rosés de Rosé d’Anjou, Rosé de Loire e Val de Loire IGP. É também opcional nos cortes rosés da região de Brem, na denominação Fiefs Vendéens.
Pinot Gris
Conhecida em parte do vale do Loire como Malvoisie, é uma mutação de cor da Pinot Noir. Com mais de 3.000 hectares plantados na França, tem presença em quase todo o país. No Loire é a uva primária na denominação de origem de Coteaux d’Ancenis, produzindo vinhos semi-doces de coloração rosada. É também parte do blend aprovado nos rosés da denominação de origem Touraine Noble-Joué e opcional nos brancos nas denominações Orléans, Châteaumeillant e Reuilly.
Sauvignon Gris
Assim como a Pinot Gris, seu cultivo vem crescendo de forma acelerada na França, já superando 1.000 hectares. No Loire, é uma variedade secundária nas denominações de origem Haut-Poitou, Quincy, Cheverny e Valençais (rosés e tintos).
Pineau d’Aunis
Esta variedade tinta conta com cerca de 450 hectares plantados na França e tem na região do Loire, sobretudo na área do vale do Loir, sua casa. É a uva primária nos tintos da denominação de origem Coteaux de Vendômois, onde seu uso é como monovarietal nos tintos e deve ser ao menos maioria nos rosés. É primária também na denominação Coteaux du Loir, onde deve ser a uva majoritária tanto para tintos como rosés.
A Pineau d’Aunis é uma das variedades secundárias nos espumantes das denominações de origem Anjou Mousseux, Cremant de Loire, Saumur Mousseux, Touraine Mousseux e nos rosés de Rosé d’Anjou, Rosé de Loire, Valençay e Val du Loire IGP. O mesmo ocorre para os tintos de Anjou Rouge, Saumur Rouge, Saumur Champigny e Val du Loire IGP.
Négrette
É uma variedade tinta que dá origem a vinhos com coloração intensa e muito aromáticos, geralmente consumidos jovens. A Negrette é possivelmente originária do sudoeste da França e conta com mais de 1.000 hectares de vinhedos, concentrados sobretudo entre Albi e Toulose. Porém, tem presença também no Loire, mais especificamente nas cinco sub-regiões da Fiefs Vendéens. Deve compor ao menos 10% do blend tinto e é opcional nos rosés das mesmas áreas. É também uma das uvas aprovadas nos rosés e tintos da Val de Loire IGP.
Pinot Meunier
Muito conhecida com uma das três variedades principais na região de Champagne, é uma das uvas com grande área de cultivo na França, superando 12.000 hectares de vinhedos. Sua presença no Loire, porém, é mais tímida. É a uva primária dos tintos e rosés da denominação Orléans, onde deve ser a uva majoritária. Vale lembrar que Orléans fica a apenas 170 quilômetros de Bar-Sur-Seine, um dos principais vilarejos da Côte des Bar, no sul da denominação de origem Champagne. Esta uva é também parte do blend aprovado nos rosés da denominação de origem Touraine Noble-Joué.
Côt
Também conhecida como Malbec, é a uva primária na denominação de origem Touraine Rouge, onde deve ter ao menos 50% do corte. É também variedade secundária nos rosés de Rosé d’Anjou e Cheverny, nos tintos e rosés de Coteaux du Loir e uma das uvas aprovadas nos rosés e tintos da Val de Loire IGP.
Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; Vins du Val de Loire; Plantgrape
Imagem: Christopher Winkler via Pixabay
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