É natural associarmos os vinhos do Rhône aos tintos. Afinal, apenas 9% da produção em 2020 foi composta por brancos, menor inclusive do que Rosé, conforme divulgado pela associação que reúne os produtores locais.
Os brancos do Rhône, no entanto, caracterizam-se por uma tipicidade única, capazes de harmonizar com comida num território em que poucos brancos conseguem desempenhar um bom papel. Na coluna desse mês vamos tratar dos grandes brancos do Rhône, aqueles oriundos das apelações posicionadas teoricamente no topo de qualidade, as chamadas AOC Cru do Rhône.
As uvas brancas do Rhône
Uma característica marcante dos brancos do Rhône é a ausência total das chamadas “castas internacionais”, como por exemplo a Chardonnay e Sauvignon Blanc, com o consequente predomínio de variedades autóctones do Sul da França. O leitor mais atento pode estar se perguntando: “mas se a Chardonnay e a Sauvignon Blanc são francesas, por que as tratar como internacionais?” Essa é uma longa história e tem a ver com as “sutilezas” francesas, que trata como internacional toda área de cultivo fora da região de origem da Chardonnay (Bourgogne) e Sauvignon Blanc (Loire e Bordeaux).
São autorizadas 12 variedades para os vinhos brancos do Rhône.
A Viogner geralmente produz vinhos com acidez moderada para baixa, bom corpo e aromas florais (jasmim) e frutados (geralmente pêssego). Sua melhor expressão se dá na AOC Condrieu, no Rhône Norte. É uma variedade de difícil cultivo e muito sensível ao míldio, uma doença fúngica que afeta os vinhedos. Não é muito disseminada fora do Rhône, apesar de recentemente algumas regiões produtoras terem sido bem-sucedidas no seu cultivo.
A Marsanne é uma variedade bastante disseminada no Sul da França, especialmente no Languedoc. Produz vinhos com acidez média, encorpados e e com aromas de frutas secas, pera, melão, flores e especiarias. São vinhos que envelhecem divinamente bem e a AOC Hermitage produz os mais emblemáticos vinhos com essa casta, misturados com a Roussanne.
Uma só região, mas duas áreas muito distintas
Próximas e pertencentes a mesma região administrativa, a parcela sul e norte do Rhône são bastante distintas em termos de características naturais e em termos de vinificação, como por exemplo a escolha das variedades de uvas utilizadas.
Em comum, as duas áreas são banhadas pelo Rio Rhône. Mas enquanto no Norte os vinhedos encontram-se em encostas banhadas pelo rio, no Sul a topografia é variada, com predomínio das áreas planas.
No Norte é permitido apenas o cultivo de uma uva tinta, a Syrah. Aliás essa variedade surgiu nessa área que produz os mais emblemáticos vinhos dessa casta, em apelações icônicas como Hermitage, Côte Rotie e Cornas. Interessante notar que o Norte responde apenas por 5% do volume total produzido no Rhône. No Norte a produção de brancos é minúscula. Mas sempre marcada pela elevada qualidade.
Já o Sul concentra o grande volume produzido na região, respondendo por cerca de 95% do total. São autorizadas 15 variedades para a elaboração de tintos, sendo que o trio Grenache, Syrah e Mourvèdre, blend que é também conhecido como “GSM” domina a paisagem. Châteauneuf-du-Pape é a principal AOC de tintos. Já para a elaboração dos brancos, o trio Roussanne, Marsanne e Viogner, dominantes no norte, ganham a companhia da Clairette, Grenache Blanc e Bourbolenc.
A classificação dos vinhos do Rhône
Antes de listarmos as principais apelações de brancos, vale um esclarecimento sobre a classificação dos vinhos na região. As AOCs do Rhône estão segmentadas em três grupos de AOC:
Côte du Rhône, uma apelação regional em que os vinhos podem ser produzidos com uvas oriundas de qualquer zona de produção da região, ou de algumas zonas de produção específica. Em 2020 a soma do Côte du Rhône e Côte du Rhône Village representou 59% do volume da região.
Apelações satélites localizadas em áreas que não constavam no decreto real do século XIX que delimitou os vinhos produzidos nas encostas do Rio Rhône e que foram incorporadas mais recentementes. Em 2020 foi responsável por 24% do volume da região e contempla AOCs como Ventoux, Luberon, Costières de Nîmes e Grignan-les-Adhémar, dentre outras.
Por fim temos os Cru do Rhône. Composta por 16 AOC (7 no Norte e 9 no Sul) e 15% do volume total da região, os Cru do Rhône são “teoricamente” os melhores vinhos produzidos na região e serão objetos dos comentários a seguir.
O brancos do Rhône Norte
Apesar do baixo volume, o Norte produz algum dos melhores brancos da França (e, portanto, do mundo). Duas AOC se destacam: Hermitage e Condrieu.
AOC Hermitage: além de produzir tintos de qualidade excepcional, Hermitage também produz brancos de destaque. Cerca de 25% da AOC é dedicada aos brancos. Marsanne é a uva protagonista, seja como a variedade exclusiva ou dominando o blend com a Roussanne e raramente outras uvas, como a Grenache Blanc. Produz grandes vinhos, longevos e complexos. O estilo do vinho varia de acordo com a posição do vinhedo na encosta. Mas basicamente são vinhos de acidez moderada, encorpados, untuosos e com várias camadas de aromas, como frutas de caroço (pera, pêssego), melão, floral, especiarias e notas salinas. Os melhores exemplares são elaborados pelos grandes produtores da região, como Jean-Louis Chave (com rótulos de diferentes terroirs), Marc Sourel e Chapoutier.
AOC Crozes-Hermitage, que apesar do nome parecido e de estar muito próxima da AOC Hermitage, produz brancos claramente inferiores ao seu vizinho. A diferença de solo, que é menos granítico, gera um estilo menos estruturado e mais fresco, quando comparado aos Hermitages. E a diferença de preço é significativa.
O cultivo da Viogner na AOC Condrieu é muitas vezes comparado com a Nebbiolo no Piemonte. Ambas são tratadas como uvas temperamentais, que dificilmente conseguem boas expressões fora de seu lugar de origem. Vinhos aromáticos, untuosos e complexos, demandam um bom tempo de guarda para mostrar o seu melhor. Um bom, mas caríssimo, Condrieu disponível no Brasil é o Maison Les Alexandrins que é importado pela Mistral.
A AOC Château-Grillet é considerada uma aberração. Com apenas dois hectares de área cultivada e monopole do produtor que empresta seu nome à apelação, é uma extensão de Condrieu.
AOC Saint-Joseph é uma AOC bastante interessante. Como pode ser observado no mapa, é a apelação com maior extensão do Rhône Norte. A qualidade varia bastante, mas o patamar de preços costuma ser mais interessante. Uma apelação a ser explorada.
Os Brancos do Rhône Sul
Quatro Cru do Rhône Sul produzem brancos: Cairanne, Châteauneuf-du-Pape, Vacqueyras e Lirac.
A AOC Cairanne foi criada em 2016. Numa área de solo diverso, os brancos ficam no meio do caminho entre a generosidade e opulência com elegância. Distribuído no Brasil pela Importadora De la Croix, o Haut Costias do Domaine Oratoire Saint Martin representa bem a apelação.
A AOC Châteauneuf-du-Pape (CdP) é uma apelação enorme. Os melhores são capazes de combinar frescor com a untuosidade e se colocam no topo do ranking na região. O Beaucastel, importado pelo Mistral, é um belo representante da apelação. O Maison Brotte Les Hauttes de Barville, distribuído pela Grand Cru é também uma boa opção a um preço inferior.
A AOC Vacqueyras do ponto de vista do estilo se assemelha aos CdP. Tendem a alinhar a untuosidade e corpo elevado com frescor. São raros de encontrar no Brasil.
A AOC Lirac também navega no estilo próximo a CdP. 10% da área da apelação é dedicada aos brancos. O Domaine des Carbiniers (indisponível no Brasil) é um bom representante da AOC.
O diferencial dos brancos do Rhône
As características descritas, especialmente das grandes apelações, como Condrieu, Hermitage e Châteauneuf-du-Pape, notadamente a estrutura, acidez moderada e complexidade acarretam características especiais a esses vinhos.
Uma delas é que, ao contrário da maioria dos brancos, é recomendado decantá-los com antecedência, para extrair os benefícios que o vinho pode entregar.
Além disso, são vinhos com elevado potencial gastronômico, com estilos de comidas em que a maioria dos brancos não vão tão bem. Por exemplo comidas asiáticas e pratos da cozinha brasileira do Nordeste, como o ”baião de dois”. São dois exemplos de pratos consistentes e que demandam vinhos com corpo e estrutura, características geralmente associadas com tintos, mas que são parte do estilo dos brancos do Rhône.
Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML. É formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS.. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWS e CWS, este último pela Society Wine Educators.
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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal
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