Grande parte dos vinhos do mundo tem origem em vinhedos localizados entre as latitudes 30 e 50. Áreas mais frias do Hemisfério Norte, próximas do paralelo 50, são vistas como limítrofes, como a Champagne e o Vale de Okanagan, no oeste do Canadá. Já no Hemisfério Sul, a área de Central Otago, próxima do paralelo 45 na Nova Zelândia, é uma das regiões produtoras de vinho em grande escala mais meridionais. Não chega a ser surpresa que uma uva tem presença em todas elas, a Pinot Noir.
E na América do Sul? Curiosamente, apesar de ser o continente mais próximo da Antártica, os limites ao Sul parecem mais tímidos. Falar em vinhos da Patagônia ou sul do Chile nos dá a impressão de vinhos de locais extremos. Porém, apesar de vinhedos isolados, raras áreas de maior produção ficam abaixo do paralelo 40. Como seriam seus Pinot Noir?
Obviamente levando em consideração todas as outras enormes diferenças de terroir, colocamos lado a lado dois Pinot Noir sul-americanos da safra 2021, com faixa de preço similar. De um lado, o Los Parientes da Vinos Baettig , proveniente de Traiquén (Chile), na latitude 38,15. De outro, o Barda das Bodegas Chacra, baseada em Mainqué, na Patagônia argentina, próximo ao paralelo 39. Para ter uma percepção em relação ao Hemisfério Norte, o Vale do Napa, na California, fica na latitude 38,5, enquanto Atenas, na Grécia, fica no paralelo 38.
Los Parientes Pinot Noir 2021, Vinos Baettig 13,5%
Francisco Baettig e Carlos de Carlos lançaram o projeto Viñedo los Suizos em 2003, com vinhedos situados em Traiquén, província de Malleco, a cerca de 600 quilômetros ao sul de Santiago. Este Pinot Noir foi elaborado a partir de vinhedos jovens (2013) e de cultivo sustentável, plantados em solos vulcânicos a 250 metros de altitude. Na vinificação, menos de 10% de cachos inteiros e fermentação com leveduras indígenas. O vinho ficou 10 meses em barricas francesas de 300 litros (10% novas).
Um Pinot Noir que em nada lembrou um terroir extremo. No visual, mostrou coloração rubi de alta concentração, com olfativo intenso e marcado por aromas de frutas vermelhas maduras, goiaba, floral (violeta) e nota de madeira. No palato, boa acidez, corpo médio a alto (para um Pinot Noir, ao menos) e taninos macios. Repetiu as notas de carvalho e fruta madura na boca, com textura sedosa e boa densidade. Longe dos extremos encontrados em Pinot Noir das áreas centrais do Chile, porém também distante de um estilo elegante e sedutor. Importado pela WorldWine, R$ 289,00.
Barda Pinot Noir 2021, Bodegas Chacra 12,5%
O projeto surgiu em 2004 pelas mãos de Piero Incisa della Rocchetta (neto do fundador da italiana Sassicaia) em Rio Negro, na Patagônia argentina. Para elaborar este Pinot Noir, foram usados vinhedos de pé-franco, plantados na década de 2000, com cultivo orgânico e biodinâmico em solos pobres e arenosos. Na vinificação, fermentação com leveduras indígenas em tanques circulares de cimento. O vinho ficou 11 meses entre 50% tanques de cimento e 50% barricas francesas (10% novas). Engarrafado com leve adição de sulfitos e sem filtração.
Mais equilibrado e elegante que o anterior, também não lembrou um vinho de extremos. Estilisticamente, lembrou mais os Pinot Noir da parte norte da ilha sul da Nova Zelândia, mais suculentos e intensos do que exemplares da mesma uva na França. No visual, coloração rubi brilhante e concentração média, com nariz intenso e notas de fruta madura (morango), menta e terra molhada. No gustativo, trouxe boa acidez, corpo médio, taninos redondos e boa presença de fruta fresca, sem grande profundidade. Importado pela Clarets, R$ 269,40.
Conclusões
É muito difícil comparar vinhos com distinções de terroir e estilo de vinificação significativas, apesar da mesma variedade, safra e latitudes semelhantes. De forma geral, porém, foi interessante notar como os vinhos mostaram abundância de fruta e acidez comportada. Além disso, uma certa “Chilenidade” ficou evidente no exemplar deste país. Vale lembrar que os vinhos foram degustados às cegas, em um painel que incluiu também Pinot Noir brasileiros, da mesma safra. Estes sim se mostraram “mais extremos”, vinhos mais leves e de maior acidez, por conta de maior altitude, escolha de clones e estilo de vinificação.
Esta pequena amostra parece dar pistas que a América do Sul ainda está longe de seus limites geográficos para a elaboração de vinhos de qualidade. Este cenário parece mais evidente levando em conta um mundo marcado pelos crescentes efeitos do aquecimento global. Talvez um tema para degustações futuras.
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