A Borgonha é uma das regiões produtoras de vinho onde as variações de safra, ao menos até alguns anos atrás, eram significativas. Deste modo, analisar de perto as condições da safra pode fazer uma enorme diferença na hora de escolher vinhos da região. Por conta do aquecimento global, esta variabilidade diminuiu, com verões mais quentes e secos garantindo uvas de alta qualidade e colheitas cada vez mais precoces.
Porém, em alguns sentidos, a safra 2023 talvez tenha sido um pouco distinta das anteriores, sobretudo da sequência iniciada em 2018. Por conta de um verão com condições meteorológicas mais instáveis e, sobretudo, mais umidade, os vinhos de 2023 podem surpreender. Vale a pena entender melhor como foi a safra e conhecer a opinião de um dos maiores especialistas de vinho da Borgonha sobre o que esperar dos vinhos.
Inverno e primavera
A safra de 2022 foi muito precoce, com a colheita concluída em setembro. Assim, de outubro em diante, podemos considerar as condições como determinantes para a safra seguinte. A última semana de outubro foi muito quente, mas as temperaturas caíram nos meses seguintes. O inverno, sem excessos de temperatura, foi muito seco.
A primeira semana de abril foi fria, com risco de geada, concentrada em Chablis. Depois da seca dos meses anteriores, abril e maio viram muita umidade e frio, algo não visto nos últimos três anos na Borgonha. Estas condições resultaram em problemas de míldio, porém longe da severidade vista em Bordeaux e outras regiões da Europa. Oídio também se fez presente, sobretudo para as uvas brancas. No geral, porém nada muito fora dos padrões históricos.
Verão em duas fases
A primeira metade do verão foi relativamente úmida, com ventos do oeste atingindo os vinhedos da Borgonha após muitos anos de ausência. O tempo se mostrou bastante instável entre junho e julho, com trovoadas alternadas, picos de temperatura de até 36°C e alta umidade. Este tipo de volatilidade se mostrou propício a doenças fúngicas, e os viticultores permaneceram vigilantes durante todo o verão. Houve algum prejuízo com tempestades, sobretudo no Mâconnais. Porém, como ocorreram antes da poda verde, não trouxe problemas.
O começo de agosto foi relativamente frio, mas as temperaturas subiram rapidamente ao longo do mês, inclusive criando alguns problemas com insolação nas uvas. Pelas estimativas iniciais, a colheita era prevista em meados de setembro, cerca de 100 dias depois da floração. Porém, o tempo mudou. Uma onda de calor se abateu sobre a região a partir da metade de agosto, indo até setembro. As temperaturas subiram bastante, resultando na antecipação da colheita.
Colheita e resumo da safra
A colheita da Chardonnay na Côte d’Or começou em 28 de agosto, com produtores como Jean-Marc Roulot, Leflaive, Comtes Lafond, Arnaud Ente, Vincent Dancer e Etienne Sauzet assumindo a dianteira, como já tradicional para alguns deles. Cerca de 10 dias depois, um segundo grupo decidiu colher, o que pode levar a dois estilos diferentes nos brancos de 2023. Já a colheita da Pinot Noir começou em torno de 6 a 7 de setembro para o primeiro grupo, dez dias depois para o segundo grupo. Este padrão de “grupos” contraria 2022, quando a colheita foi muito mais gradual.
As temperaturas em todo este período chegaram a superar 35°C durante o dia, condição que durou até o final da primeira semana de setembro. Em função das altas temperaturas, alguns viticultores preferiram colher à noite. Por conta das suas características, esta safra novamente de grande volume, parece ter sido mais favorável para as uvas brancas.
Em função da umidade na primavera e forte calor antes da colheita, a Pinot Noir, por conta de suas cascas mais finas, acabou tendo maior variação em termos de qualidade. No entanto, considerando a grande quantidade colhida (houve exemplos de cachos de 400 gramas, contra o normal de 200 gramas), houve boa margem para uma seleção criteriosa. Já as características da safra 2023 se mostraram ideais para a Chardonnay, com excelentes condições sanitárias.
Perspectiva para os vinhos
A safra 2023 na Borgonha deve resultar em brancos de acidez mais baixa e menor potencial de guarda. Por conta disso, Jasper Morris, possivelmente o mais lido crítico de vinhos da Borgonha, acredita que a decisão de antecipar a colheita, por parte de alguns produtores, fez todo o sentido. Com isso, eles podem evitar teores de álcool mais elevados, sem abrir mão de uma boa composição aromática e de sabores. Por conta desta combinação, ele se mostra otimista com os Chardonnay, que, na sua opinião, lembram aqueles da safra 1992.
Para os vinhos tintos, Morris adota uma posição um pouco mais cautelosa. As condições gerais da Pinot Noir parecem inferiores a 2022. Porém, por conta dos altos volumes, a seleção das uvas deve gerar vinhos de qualidade equivalente. Por outro lado, em termos de estilo (menos álcool, fruta menos madura, menor concentração, uma safra menos “solar”), os tintos podem encontrar um paralelo com aqueles de 2017.
Fontes: Vins de Bourgogne; Jasper Morris Inside Burgundy; conversas com produtores
Imagem: Arquivo pessoal
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