Muita gente ainda associa os vinhos italianos aos tintos, sobretudo por conta do sucesso de denominações de origem como Barolo, Brunello di Montalcino, Chianti Classico ou Barbaresco, que tem seu foco em uvas tintas. Porém, desde o início da década de 2010 a Itália produz mais vinhos brancos que tintos, tendência que segue se acentuando nos últimos anos.
Duas variedades simbolizam este movimento, até por conta de seu enorme volume de produção: Pinot Grigio e Glera, uva utilizada para a elaboração do Prosecco. Porém, há uma terceira variedade branca, neste caso autóctone, com enorme crescimento de sua área plantada na Itália: a Grillo. Ao contrário das demais, porém, a presença desta uva associada à Sicília era mais modesta, com poucos hectares de vinhedos até 2000. Além disso, a Grillo tem um foco distinto: qualidade, ao invés de somente quantidade.
Origem desmentida
Por muito tempo, a origem da Grillo parecia ter endereço certo. O trabalho do barão Antonio Mendola, um conhecido ampelógrafo sediado na Sicília, se destacou na segunda metade do século XIX. Ele teria sido responsável por diversos cruzamentos entre variedades locais, inclusive mencionando a presença de uma uva diferente em seus vinhedos, que ele chamou de Grillo.
Em 1884, Mendola recebeu das autoridades italianas a tarefa de elaborar um inventário das variedades presentes nas várias províncias sicilianas. Chamou a atenção o fato dele mencionar a presença da Grillo na província de Trapani, mas não na de Agrigento, onde teria realizado seus cruzamentos entre variedades locais.
O próximo e definitivo capítulo foi escrito mais de 120 anos depois. Através da análise de DNA, foi comprovado que a Grillo resulta do cruzamento entre a Catarratto e a Moscatel de Alexandria. Porém, nas amostras de videiras enviadas pelo próprio Barão Mendola ao famoso viveiro de Montpellier, não há presença de Catarratto. Deste modo, ele não teria “criado” a Grillo, que é, desta forma, resultado de um cruzamento natural, ocorrido anteriormente.
História recente
Não sendo resultado do trabalho de Antonio Mendola, qual seria a origem da Grillo? Há muita discussão se ela surgiu na Sicília ou na Apúlia, com pesquisas recentes mostrando maior probabilidade da segunda alternativa. Apesar disso, é na Sicilia que ela encontra presença mais marcante. No século XX, chegou a ser a variedade mais plantada em torno de Marsala, no oeste da Sicília.
Porém, ela perdeu espaço rapidamente para uvas com maior rendimento, refletindo o foco de grande parte dos produtores em quantidade, aos invés de qualidade. Felizmente, porém, isso mudou. A Grillo está vivendo um renascimento nas últimas duas décadas, com um impressionente ritmo de crescimento de sua área plantada. Estimativas colocavam a área de vinhedos de Grillo em apenas 1.800 hectares em 2000, o que na época correspondia a cerca de 3,5% dos vinhedos de Catarratto.
Dez anos depois, a área de de vinhedos superava 6.000 hectares, com as últimas estimativas indicando quase 6.600 hectares. Este patamar a coloca agora, em termos de área plantada na Itália, acima de uvas tradicionais como Nebbiolo e Dolcetto. Seus vinhedos correspondem atualmente a pouco mais de 30% daqueles plantados com Cararratto.
Foco em qualidade
Os motivos para esta rápida expansão? Existe a percepção de que a Grillo consegue dar origens a vinhos brancos frescos e de alta gama, mesmo nas condições meteorológicas escaldantes do sul da Itália. Um dos pioneiros na sua utilização foi Marco De Bartoli, que revolucionou o vinho em Marsala a partir da década de 1980, colocando a Grillo em destaque. Seu trabalho com esta variedade encontra outros adeptos da região, como Nino Barraco, que a partir da década de 2000 adotou a Grillo como uma de suas principais uvas brancas.
Nos últimos anos a Grillo ganhou ainda mais espaço, com produtores de outras regiões da Sicilia, como Arianna Occhipinti, adotando essa uva. Occhipinti, baseada em Vittoria, na parte centro-sul da Siclia, atualmente elabora seu melhor vinho branco com esta variedade. A Grillo, portanto, ganhou espaço não somente em torno de Marsala, mas também em outras áreas da Sicilia. E agora começa a ganhar o mundo, até por sua capacidade de adaptação em locais com altas temperaturas e solos pobres.
Características e vinhos
A Grillo é uma variedade vigorosa, com produtividade média e grande resistência à seca e temperaturas extremas. Os De Bartoli, quando indagados sobre a adaptabilidade desta uva às condições locais, deixaram claro que ela sobrevive onde uvas não autóctones (mencionaram a Chardonnay como comparativo) jamais poderiam prosperar. Seus cachos são cônicos, alados e de média compacidade, com grãos pequenos e de casca grossa. A casca mostra ligeira transparência e coloração amarelo esverdeada, que assume tons avermelhados na fase final de amadurecimento.
A Grillo apresenta resistência adequada ao míldio, porém particularmente frágil ao oídio, com maturação média a tardia. Apresenta altos teores naturais de açúcar, mas pH baixo, o que acaba resultando em vinhos de acidez elevada. Ela tem dois biótipos principais, um com cachos mais compactos (A) e outro mais aerados (B).
Em geral, os vinhos elaborados a partir de Grillo são de coloração amarelo palha e brilhante. Trazem aromas cítricos e de frutas brancas, integrados com as notas de flores silvestres e flor de laranjeira. No paladar, o vinho mostra alta acidez e frescor, com boa estrutura e retrogosto levemente salgado e mineral. Quando vinificada como monovarietal, a Grillo pode dar origem a vinhos de grande profundidade e com potencial de longevidade, superior a todos os brancos sicilianos, exceto os do Etna.
Área plantada e nomes alternativos
Segundo dados da OIV, a área plantada da Grillo ao redor do mundo, em 2015, era de 6.576 hectares, totalmente concentrados na Itália. Mesmo em seu país de origem, ela ainda está bastante concentrada, sendo aceita em poucas denominações de origem, como Alcamo, Delia Nivolelli, Erice, Mamertino, Marsala, Menfi, Monreale, Salapartua e Sicilia.
Por conta de sua concentração geográfica, é uma variedade que apresenta poucos nomes alternativos. O mais usado é Reddu. Outros nomes usados são Rossese Bianco (existe um parentesco genético com a Rossese, uva tinta popular na Ligúria), Ariddu e Volpicello.
Fontes: Foundation Plants Services Grapes, UC Davis; Distribution of the World´s Grapevine Varieties, OIV; Catalogo Nazionale delle Varietà di Vite; Wine in Sicily; Gambero Rosso; Quatro Calici; Unione Italiana Vini; Cronache di Gusto
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