Frappato: conheça uma das pérolas da viticultura da Sicília

Com uma longa história na viticultura, a Sicília é uma das mais ricas regiões italianas em termos de diversidade de uvas. Não bastasse a grande quantidade de variedades autóctones, a maior ilha do Mediterrâneo foi palco de invasões de inúmeros povos, muitos deles trazendo consigo novas uvas. Desde os gregos antigos até a explosão de variedades internacionais no final do século XX, o resultado final foi um enorme patrimônio vitivinícola, um dos mais diversificados do mundo.

Tanta diversidade, porém, não significa que a Sicília tenha perdido a conexão com suas uvas ancestrais. E uma variedade autóctone da região e até hoje praticamente restrita aos seus domínios é a Frappato, uva tinta conhecida por sua elegância e taninos sedosos. Com longa presença na Sicília, é popular sobretudo no sudeste da ilha, mais especificamente nas províncias de Ragusa e Siracusa.

Histórico e origem

Embora existam autores que apontem o cultivo da Frappato na Sicília desde que a época quando região era parte da Magna Grécia, não existe qualquer evidência científica que comprove estas afirmações. Porém, a presença de Frappato na Sicília está registrada desde o século XVIII, com documentos de 1735 e 1812 fazendo referência a ela, exatamente nas províncias onde é atualmente mais cultivada, Ragusa e Siracusa.

Suas origens, porém, seguem incertas, mas o mais provável é que realmente seja originária desta parte da Sicília. Por muito tempo, especulou-se que ela tivesse relação com diversas variedades locais. Porém, evidências definitivas surgiram somente após o advento de técnicas de análise de seu material genético. Foi provado que a Frappato resulta do cruzamento natural entre a Sangiovese e uma segunda variedade, ainda sem identificação. Isso a coloca como meia-irmã da também siciliana Nerello Mascalese, outra descendente direta da Sangiovese.

Características  

A Frappato é uma casta muito bem adaptada a climas secos e quentes, porém com rendimentos baixos. Isso ajuda a explicar o baixo cultivo fora de sua provável área de origem. Seus cachos são compactos, de tamanho médio e formato piramidal, com grãos elípticos, de coloração negro-azulada e casca média a grossa. Por conta da compactação de seus cachos, é particularmente suscetível a doenças fúngicas, como míldio e oídio.

É uma variedade de floração precoce (a primeira a florescer na região de Vittoria), o que a torna mais sensível a quaisquer eventos climáticos na primavera, cada vez mais frequentes. Ela amadurece tarde, com a colheita geralmente ocorrendo no final de setembro ou mesmo início de outubro (quando plantada em solos mais pobres, com maior proporção de calcário e areia).

Existem pelo menos dois biótipos conhecidos de Frappato, que diferem significativamente tanto em termos de brotamento e maturação, quanto em termos de características organolépticas. O biótipo A, mais tardio, distingue-se por cachos em formato mais piramidal e espaçados. Já o biótipo B, de colheita mais precoce, se distingue pela forma característica do cacho, quase em gancho.

Vinhos

A Frappato é uma uva que dá origem a vinhos elegantes, com coloração rubi de média a baixa concentração. O olfativo costuma trazer aromas intensos de frutas vermelhas (especialmente morango e framboesa), além de notas florais. Na boca, são vinhos frescos e de boa acidez, com taninos finos e corpo médio. Na comparação com a outra uva tinta mais presente na região, a Nero d’Avola, são vinhos mais finos e macios.

Algumas características se distinguem mais, dependendo do biótipo. O biótipo A é mais rico em benzenóides, compostos de onde derivam notas florais de rosa, violeta e lavanda, aromas de morango e canela. O biótipo B, por sua vez, tem aromas mais intensos, com notas de frutas mais escuras (cereja). São comuns também toques florais de gerânio, além de notas picantes e balsâmicas.

Apesar de uma estrutura de taninos distinta, há quem compare os vinhos da Frappato com aqueles elaborados com a Gamay, sobretudo na região de Beaujolais. Vale lembrar que alguns produtores também adotam o método de maceração semi-carbônica com a Frappato, obtendo ótimos resultados.  

Nomes alternativos e área plantada

Por conta de sua concentração em uma área relativamente pequena, a Frappato tem poucos nomes alternativos. No passado, era conhecida oficialmente como Frappato di Vittoria, mas seu nome mudou por conta da denominação de origem de mesmo nome, algo similar ao que ocorreu com a Glera na região de Prosecco. É também conhecida pelo seu nome em dialeto siciliano, Frappatu.

Estimativas colocam sua área plantada em torno de 752 hectares, concentrada quase que inteiramente na Sicília. Embora tradicionalmente ligada ao território de Vittoria, mais de 46% do Frappato da Sicília provem da província de Trapani. Ragusa segue com 34%, seguida por Agrigento com 11,5%. Ao contrário de diversas variedades autóctones sicilianas, a área plantada se manteve relativamente estável nas últimas décadas (eram 733 hectares em 1970).

Denominações de origem e produtores de destaque

A Frappato é uma das duas uvas permitidas na única denominação de origem classificada como DOCG da Sicília, a Cerasuolo di Vittoria. Ela deve compor entre 30% e 50% do blend, com o restante ficando com a Nero d’Avola. Entre as DOCs sicilianas, a Frapatto é permitida em Alcamo, Erice, Eloro, Menfi, Sicilia e Vittoria (que concentra boa parte dos monovarietais desta uva). Há também vinhos engarrafados nas IGTs Avola, Salina, Camarro, Valle Belice e Terre Siciliane.

Para quem deseja conhecer o potencial da Frappato, dois produtores se destacam: Azienda Agrícola COS e Arianna Occhipinti. No caso deste último, todos os seus vinhos de Contrada são monovarietais desta uva. Isso permite, além de conhecer a Frappato, traçar uma interessante comparação entre os diversos terroirs da região de Vittoria.

Fontes: Distribution of the World´s Grapevine Varieties, OIV; Catalogo Nazionale delle Varietà di Vite; Gambero Rosso; Quatro Calici; High-throughput 18K SNP array to assess genetic variability of the main grapevine cultivars from Sicily, Mercati et al; Microsatellite analyses for evaluation of genetic diversity among Sicilian grapevine cultivars, Carimi et al; Sangiovese and Its Offspring in Southern Italy, Gasparo et al; Cantine Barbera; entrevistas com produtores

Imagem: Mandrarossa

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