Uma denominação relativamente recente, Marsannay tem algumas peculiaridades que a diferenciam da grande maioria das denominações de origem da Borgonha. É aquela mais ao norte da Côte d’Or, com muitos de seus vinhedos ameaçadas pela expansão da área urbana de Dijon. Por conta de sua trajetória recente, seus vinhos ainda mostram um ótimo custo-benefício, sobretudo levando em conta que faz parte da Côte de Nuits.
É uma denominação de origem também singular em termos de estilo de vinhos. É a única da Borgonha que permite a elaboração de vinhos tintos, brancos e rosés. Esta decisão, tomada em 2017, refletiu a fusão entre duas denominações distintas, que dividiam os vinhedos da região. Mas, apesar de tantas alterações recentes, é sempre importante destacar que Marsannay é uma área de longa tradição na vinicultura, com uma rica história.
Tradição e declínio
Os vinhedos de Marsannay por muito tempo fizeram parte da chamada Côte de Dijon, por conta de sua proximidade com a maior cidade da Borgonha. A viticultura nesta área começou ainda na era galo-romana e sua primeira menção data de 530 DC, na obra História dos Francos, do bispo e historiador Grégoire de Tours. O autor, descrevendo a cidade de Dijon, citou que “no lado ocidental há montanhas muito férteis, cobertas de videiras, que fornecem aos habitantes vinhos tão nobres que eles desprezam o vinho de Ascalon”.
A existência de vinhedos especificamente em Marsannay é comprovada desde o século VII, sobretudo como resultado da atuação das ordens religiosas. Vinhedos foram doados à Abadia de Bèze, em 658, à igreja de Saint-Etienne, em Dijon, em 882, e ao priorado de Epoisses (o famoso Clos des Portes) em 1189.
Seus vinhedos e vinhos gozavam de alta reputação durante a Idade Média. E este status se manteve nos séculos seguintes. Em 1648, os vinhos de Marsannay atingiam preços mais altos do que aqueles de Gevrey-Chambertin. Gradualmente, porém, a qualidade dos vinhos da região passou por um declínio, com o aumento das áreas cultivadas de outras variedades. No século XIX era a Gamay, e não a Pinot Noir ou a Chardonnay, a uva dominante em Marsannay. A chegada da filoxera somente deteriorou mais este quadro.
Vinhos rosés, recuperação e denominação de origem
A primeira etapa da recuperação da vinicultura em Marsannay começou em 1919, quando Joseph Claire-Daü lançou seus vinhos rosés, elaborados a partir da Pinot Noir. Gradualmente a área plantada com esta variedade aumentou, levando à criação da denominação de origem Marsannay Rosé, em 1965. Em paralelo, os vinhos tintos e brancos eram vendidos como vinhos regionais (Bourgogne Marsannay).
Em 1970, Marsannay solicitou a inclusão de seus tintos na denominação de origem Côte de Nuits-Villages. Porém, seu pedido foi barrado por produtores de outros vilarejos, sobretudo aqueles da vizinha Fixin e de Corgoloin. Foi somente em 1987 que Marsannay atingiu o status de denominação Village para seus brancos e tintos, com a criação da AOC Marsannay, ainda separada daquela focada na elaboração de rosés.
A união delas ocorreu em 2017, de forma que atualmente existe apenas uma denominação de origem, a única da Borgonha que permite a elaboração de brancos, tintos e rosés. Nos últimos anos houve uma série de alterações na área de vinhedos, entre elas a inclusão, em 2019, do vinhedo de La Châpitre, anteriormente classificado como Bourgogne La Châpitre.
Localização e terroir
A denominação de origem Marsannay se estende por três communes diferentes: Marsannay-la-Côte, Couchey e Chenôve. No total, a área demarcadada atinge cerca de 380 hectares, com aproximadamente 226 hectares de vinhedos. Chenôve é praticamente um subúrbio de Dijon, enquanto Marsannay-la-Côte concentra a maioria dos vinhedos, deixando um papel secundário para Couchey.
Além dos tradicionais solos argilo-calcários presentes em boa parte da Côte d’Or, Marsannay tem algumas peculiaridades em termos de solos. Há uma maior presença de solos aluviais, resultantes do fluxo do rio Ouche, concentrados nas partes média e alta das encostas e que dão origem, principalmente, a vinhos tintos. Também por conta dos depósitos do Ouche, as partes mais baixas concentram solos mais arenosos, mais adequados para vinhos rosé. A altitude dos vinhedos varia entre 255 e 390 metros acima do nível do mar.
Área plantada e produção
A área de vinhedos em 2018 atingia 226,6 hectares, com aqueles dedicados à produção de vinhos tintos compondo a grande maioria (185 hectares, ou 81% do total). Para os vinhos brancos restavam 42 hectares (18%) e para os rosés apenas 17 hectares (8%). A título de comparação, a área plantada era ligeiramente superior àquela de Volnay e mais que o dobro da vizinha Fixin.
Em termos de volume, a produção atingiu 9.500 hectolitros na média entre 2014 e 2019, o que correspondia a cerca de 1,2 milhão de garrafas. Os vinhos tintos respondiam por 75% da produção total, seguidos pelos brancos (118%) e rosés (7%). Esta produção correspondia a aproximadamente 14,5% do volume da Côte de Nuits.
Vinhedos
Atualmente, todos os vinhedos de Marsannay recebem classificação Village, mas há anos existe uma solicitação formal para elevação de alguns para a categoria Premier Cru. No total, são 14 climats nesta condição: Champs Perdrix, Le Clos, Aux Genelières, Au Champ Salomon, Les Favières, Le Clos de Jeu, Les Grasses Têtes, Le Boivin, La Charme aux Prêtres, Les Longeroies, Clos du Roy, Saint Jacques, En Chezots (ou Les Échezots) e En la Montagne.
Dentre os principais destaques, vale a pena mencionar Longeroies (talvez o maior favorito para promoção, localizado em Marsannay-la-Côte), Clos du Roy (que, como o nome indica, foi propriedade dos reis da França, situado em Chenôve) e Champs Perdrix (que dá origem a tintos leves e elegantes, localizado em Couchey).
Vinhos
Apesar de sua história no século passado estar intimamente associada com os vinhos rosé, são os tintos que mais chamam a atenção, tanto pela qualidade como custo-benefício. Tendo a Pinot Noir como variedade principal (Chardonnay, Pinot Blanc e Pinot Gris podem compor até 10% do corte, o que raramente ocorre), são vinhos de coloração intensa, olfativo com frutas vermelhas e negras e boa estrutura no palato.
Os brancos, em geral, tendem a ser menos expressivos, com exceção das principais cuvées dos melhores produtores locais. Por fim, os rosés (quase sempre monovarietais de Pinot Noir) mostram muito mais personalidade. São vinhos mais encorpados e intensos que o “padrão” internacional de rosés. Ao contrário de muitos vinhos deste estilo, não tem como objetivo apenas o consumo imediato, tendem a ganhar com pelo menos um ano em garrafa.
Principais produtores
Um nome que chama a atenção em Marsannay é o de Bruno Clair, gestor da vinícola de mesmo nome e neto de Joseph Claire-Daü. Jasper Morris, um dos mais renomados especialistas em vinhos da Borgonha, o coloca entre os mais talentosos produtores de toda esta região francesa. E faz uma interessante provocação: qual seria sua reputação fora da França se ele estivesse sediado em Gevrey-Chambertin?
Entre os produtores de destaque baseados em Marsannay, podemos citar também Sylvain Pataille, talvez o grande nome da nova geração local. Outras vinícolas de renome são Domaine Charles Audoin, Domaine Bart, Domaine Coillot, Domaine Coillotte, Domaine Derey, Château de Marsannay e Domaine Jean Fournier.
Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris; Cahier des Charges de L’Appellation d’Origine Contrôlée Marsannay; ODG Marsannay
Mapa: Vins de Bourgogne
Imagens: Arquivo pessoal
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