Os vinhos da Toscana dispensam apresentações. E razões não faltam para isso. A região possui 11 DOCGs, 41 DOCs e 6 IGTs . Produz 2,4 milhões de hectolitros ao ano e conta com alguns dos vinhos mais icônicos do mundo, como Sassicaia, Castello di Ama e Casanuova di Neri, dentre tantos outros.
Na coluna desse mês iremos abordar um lado menos conhecido, geralmente ofuscado pelos grandes nomes da região. Sim, há muito mais na Toscana para além de Chianti, Brunello de Montalcino e, naturalmente os Supertoscanos. E também boas opções para quem busca bons vinhos sem “agredir demasiadamente” o bolso.
A Toscana Vinícola
A Toscana tem uma longa tradição na produção de vinhos. O produtor Marchesi Antinori informa que a família produz vinhos desde 1385 quando o seu fundador, Pietro Antinori, ingressou na Arte Fiorentina dei Vinattieri, uma associação local de produtores.
No entanto, na primeira metade do século XX, os vinhedos da região estavam devastados por pragas, agravadas pela crise econômica e social decorrentes das guerras. Não é à toa que é raro, quando não impossível, ouvir falar de um grande vinho da Toscana, seja Brunello, Chianti ou Super Toscano anterior a década de 1960. Havia produção de vinho, mas nada que merece destaque. Talvez os mais conhecidos tenham sido as garrafas de Chianti conhecidas como Fiasco (nome sugestivo), que inundavam as cantinas italianas em São Paulo, especialmente no bairro do Bixiga até a década de 1970.
Até a década de 1950 prevalecia na região a chamada Coltura Promiscua, em que o cultivo das uvas se dava no mesmo local de outras frutas, legumes e grãos. Não era de se esperar grande coisa de vinhos oriundos desse tipo de plantação.
Tudo mudou na década de 1960 com o chamado renascimento do vinho da Toscana capitaneado pela emergência dos Supertoscanos, a sensível melhora de uma parte do Chianti e o aumento de qualidade do Brunello de Montalcino que, ao final do século 20 conquistou o coração do consumidor americano.
Vinho da Toscana – estilos e principais variedades de uvas
As tintas dominam aproximadamente de 80% dos cerca de 58 mil hectares cultivados na Toscana. E entre as tintas, a Sangiovese representa 60% do total, sendo claramente a casta dominante. Chianti e Brunello talvez sejam as mais prestigiadas expressões da Sangiovese.
Entre as brancas, Trebbiano Toscano, Malvasia Bianca Lunga e Vernaccia di San Gimignano podem ser consideradas as principais. A abundância de frutos do mar, aliada a uma tradição gastronômica rica no preparo de pratos a base desses ingredientes, favorece muito o consumo local desse estilo de vinho. Por fim, não podemos deixar de mencionar o famoso vinho doce produzido com uvas passificadas, o Vin Santo, uma antiga tradição em toda a região.
Carmignano DOCG, um longo pedigree
Localizada a apenas 20 km de Florença, na direção oeste, Carmignano foi citada no decreto de 1716 do grão-duque Cosme III de Médici como uma das quatro áreas vinícolas na Toscana. Guardada as devidas proporções, esse decreto funcionava como uma regulamentação similar ao sistema atual de denominação de origem (DOC/G).
O que torna Carmignano único é a tradição de cultivar Cabernet Sauvignon (CS) há mais de 500 anos, supostamente para atender a um pedido de Catarina de Medici, então rainha da França no século XVI. A área compreendia parte de Montalbano, hoje uma subzona da DOC Chianti. Em 1975 as áreas foram separadas, com a constituição da atual DOCG.
Apesar da DOCG exigir um mínimo de 50% Sangiovese e até 20% de CS, o típico vinho da área é um blend de 70-90% Sangiovese e 10-20% CS, complementados por uma pequena fração de Merlot, Canaiolo e Syrah. O vinho deve estagiar, no mínimo, oito meses em barrica e mais 12 meses em garrafas (20 meses no total). A versão Riserva só é lançada após 36 meses de envelhecimento, sendo 12 em barrica.
O resultado é um vinho de coloração mais escura, que preserva a acidez vibrante da Sangiovese, os aromas de cereja, mas com a estrutura poderosa do Cabernet Sauvignon. Praticamente esquecida no século XX, a apelação deve muito o prestígio atual ao produtor Tenuta Capezzana, o grande nome da área. Além de bons vinhos, a visita ao local é deslumbrante e o prédio é muito concorrido para eventos e casamentos. Outro produtor de destaque é a Fatoria Ambra, sendo o Elzana Riserva Carmignano o rótulo de destaque.
Valdarno di Sopra DOC – a primeira apelação 100% orgânica na Itália
Outra área de produção citada no decreto do grão-duque, de 1716. Os vinhos da área passaram por um longo período de esquecimento no século passado e, apenas em 2011 houve a criação da DOC. No início da década passada Valdarno di Sopra foi adotada por um grupo de produtores encantados com a qualidade da fruta produzida por lá.
Vinícolas importantes como Il Borro, Petrolo e Tenuta Sette Ponti produzem rótulos nessa denominação. Apesar de a Sangiovese ser dominante há uma grande gama de variedades internacionais tintas. Na pequena produção de brancos, o destaque são os varietais, com ênfase especial para a Chardonnay.
Vinhos brancos a base de Trebbiano Toscano
Mais de 80% dos vinhos produzidos na Toscana são tintos. Na pequena produção de brancos, vale a pena destacar a Trebbiano Toscano (também conhecida como Ugni Blanc na França). Até 1996 essa variedade era obrigatória no blend do Chianti Classico, o que talvez explique sua popularidade na área. Dentre os produtores de destaque de varietais dessa casta vale citar o Castelo de Brolio Sanbarnaba do produtor Ricasoli, além de Petrolo e Tenuta Sette Ponti.
Cortona, a área do Syrah
Cortona, localizada na porção leste da Toscana na fronteira com a Umbria e próxima de Montalcino, foi uma poderosa e influente cidade etrusca até o século VIII antes de Cristo. Um daqueles vilarejos murados, no topo da montanha encantadores e charmosos onde, definitivamente, vale uma visita.
O foco da produção de vinhos são os tintos. A Syrah domina 50% da área plantada, que também conta com Sangiovese e Merlot. O varietal de Syrah se coloca como um dos melhores da Itália e segue um estilo do Rhone Norte, com uma boa fruta escura, acidez correta e as inconfundíveis notas de pimenta negra. O grande produtor da área é Tenimenti d’Alessandro.
O prazer de encontrar segredos escondidos
No prazeroso mundo do vinho, explorar, pesquisar e experimentar fazem parte do ritual de um enófilo desbravador. Além da possibilidade de encontrar boas surpresas, há também possível benefício de “sangrar” menos o bolso fazendo escolhas que fujam do lugar comum. E os vinhos de Cortona, Carmignano e Valdarno di Sopra certamente se enquadram nesse perfil.
A paixão pelo vinho se manifesta de várias formas. A maioria se contenta em acumular garrafas e desfrutá-las em diferentes ocasiões, desde uma simples refeição em casa até eventos especiais com confrades e conhecedores do assunto. E há um pequeno grupo que vai além e sonha em se tornar um produtor.
Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML. É formador com homologação pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS.. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWS e CWS, este último pela Society Wine Educators.
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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal
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