Alguém já me disse que radicalismo não se discute, se evita. E isso funciona também no mundo do vinho. Conversando com um amigo outro dia, veio à tona o assunto do radicalismo no vinho, de como algumas pessoas simplesmente não conseguem entender que, sim, existem opiniões diferentes. No caso em questão, o foco não estava nos consumidores, mas nos importadores de vinhos. Se acho irritantes os argumentos unidimensionais dos bebedores de vinhos “xiitas”, o que dizer de profissionais do ramo?
A resposta de meu sereno amigo foi simples: é a turma dos “dois desvios padrões”. Ao falar isso, se referiu à curva de densidade da distribuição normal (vide figura abaixo). Trazendo este conceito para o mundo do vinho, na maioria das vezes as opiniões são ponderadas (no centro da curva), mas vão gradualmente se radicalizando nas duas pontas. São as tais “caudas” da distribuição normal. É pouca gente, mas eles existem. E fazem um barulho…
Vendendo o peixe
Voltando à posição dos importadores em questão. De um lado, um deles me procurou para saber se eu havia gostado de um vinho que ele traz ao Brasil e que degustei em um evento recente. Buscando ser educado, mas objetivo, disse que o vinho não havia me agradado. Minha percepção é que parecia ter acidez adicionada e excesso de sufitos, estava “pesado” e sem vibração. A réplica do importador, visualmente incomodado, foi “mas você só gosta de vinhos naturais”? Minha tréplica foi: “não, gosto de vinhos autênticos e bem-feitos”.
Curiosamente, poucos dias antes havia passado por uma situação “saia justa” com outro importador, da cauda oposta. Ao comentar sobre um vinho por ele importado, deixei claro que notei um excesso de acidez volátil. Sua primeira reação foi de espanto, mas ele buscou ser objetivo neste momento. Foi checar a ficha técnica e realmente constatou o problema, a volátill estava lá em cima. Porém, insistiu que ela estava abaixo do máximo permitido por lei. Boing! Só imagino o que seria a discussão dele com o importador anterior, que diria que 200 gramas de SO2 por litro está dentro dos limites.
Entendo que os importadores de vinho têm paixão pelo que fazem, pelos produtores que representam. Além disso, buscam vender seu peixe, comercialmente é difícil aceitar que, às vezes, o produto pode não corresponder às expectativas. Mas isso não dá o direito de brigar com a realidade e assumir posições radicais.
Muito barulho
Mesmo sendo somente as “caudas” da distribuição normal (ou seja, uma minoria), são estas pessoas que, muitas vezes acabam fazendo muito barulho e apimentando demais a discussão. E antes fosse isso somente no mundo do vinho, reflita sobre o que é hoje discutir política no Brasil, um verdadeiro show de horrores de opiniões extremas e mal-educadas.
Caudas “destruidoras”, porém, não são novidade. Você conhece o Godzilla, aquele lagarto gigante dos filmes japoneses das décadas de 1950 e 1960? Seus filmes, com diversas adaptações para o cinema (inclusive em Hollywood) eram imperdíveis. Não pela qualidade, mas pelo amadorismo. Contando com os parcos recursos tecnológicos da época, a maior diversão eram as cenas em cidades, onde o monstro, em longas batalhas contra o herói de plantão, derrubava prédios (maquetes muuuito mal-feitas) somente com um golpe de seu rabo. Felizmente, porém, era apenas ficção, ao contrário do mundo dos vinhos, onde as caudas causam estragos reais.
Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!
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Foto: Arquivo pessoal
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