A região de Anjou, no Vale do Loire, é conhecida por sua enorme diversidade em termos de estilos de vinhos. As uvas tintas predominam, especialmente a Cabernet Franc. Porém, nesta região marcada pela pluralidade também de solos (há o Anjou Noir e o Anjou Blanc), além de vinhos tintos há produção significativa de espumantes (secos, semi-secos), brancos (secos e doces) e, especialmente, rosés (secos e semi-secos).
Neste verdadeiro quebra-cabeças de uvas e estilos, três denominações de origem se destacam pelo seu foco em vinhos tintos: Anjou AOC (que tem também uma indicação adicional), Anjou-Villages e Anjou-Villages Brissac. Vale a pena descobrir cada uma delas. Antes disso, porém, é importante conhecer mais de perto sua história, para entender como uma região tradicionalmente dominada por uvas brancas registrou tamanha migração para variedades tintas.
O domínio das uvas brancas
Os vinhedos de Anjou historicamente focavam em variedades brancas, usadas para elaborar, sobretudo, vinhos doces. Durante a Idade Média, a região era conhecida por seus vinhos brancos, fama que cresceu ainda mais com a presença de mercadores holandeses a partir do século XVI. Por décadas, os vinhos doces de áreas como Layon e Saumur ganharam importantes mercados, sobretudo no norte da Europa. As uvas brancas dominavam 70% dos vinhedos de Anjou, embora pareça provável que tintas, como a Cabernet Franc, tivessem alguma presença ao menos desde o século XV.
Por conta das guerras religiosas e consolidação do poder real na França, porém, o papel das exportações diminuiu. Todavia, os vinhedos seguiram dominados por uvas brancas. O impacto da menor demanda externa foi, em parte, contornado após a chegada de Jean-Baptiste Ackerman à região. Este négociant belga introduziu os espumantes de método tradicional na região na década de 1830. Foi também nesta época que foram registrados os primeiros vinhedos de Gamay na área.
Outro nome importante foi o de Pierre Constant Guillory. Apostando no potencial das uvas tintas na região, ele plantou diversos vinhedos e doou uma enorme quantidade de mudas de Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon a viticultores locais nas décadas entre 1840 e 1860. A região de Anjou começava a mudar, mas a grande transformação viria de forma inesperada, poucos anos depois.
Uvas tintas ganham espaço
A chegada da filoxera, em 1883, levou a uma enorme transformação nos vinhedos de Anjou. Dos 45 mil hectares de videiras existentes em 1881, apenas 10 mil seguiam produtivos em 1893. A retomada da área plantada foi lenta e só ganhou maior ritmo na primeira década do século XX. No entanto, o perfil mudou completamente. Por conta da maior demanda por vinhos rosés e tintos, os últimos chamados na época de rouget, a Chenin Blanc perdeu espaço para as variedades tintas.
Esta tendência se intensificou nas últimas décadas, com a Cabernet Franc respondendo por cerca de 41% da área de vinhedos, bem acima dos 24% da Chenin Blanc. A também tinta Grolleau Noir ocupa 9% da área, seguida pela Cabernet Sauvignon, com 5%. Deste modo, em pouco mais de cem anos, as variedades tintas passaram a dominar a região de Anjou.
Vinhos tintos resistem, mas em segundo plano
Ter vinhedos majoritariamente plantados com uvas tintas, porém, não garantiu a primazia dos vinhos tintos. Quem ocupa o maior espaço, ao menos em termos de volume produzido, são os vinhos rosés. Através de denominações de origem como Cabernet d’Anjou, Rosé de Anjou e a denominação regional Rosé de Loire, os vinhos rosé respondem por grande parte da produção.
Mas os vinhos tintos também têm seu espaço. E vale começar a denominação da região com maior produção de tintos, a Anjou AOC. Ela, porém, permite também a elaboração de vinhos brancos (geralmente engarrafados como Anjou Blanc) e espumantes (Anjou Mousseux). Pode ser considerada, desta forma, uma denominação guarda-chuva, com diferentes regras para diferentes estilos de vinhos. O foco aqui, porém, fica na Anjou Rouge.
Anjou Rouge e Anjou Gamay
Criada em 1936, a denominação de origem Anjou Rouge se estende por 153 vilarejos, em uma área que coincide com Anjou Blanc, Anjou Mousseux, Rosé d’Anjou e Cabernet d’Anjou. A extensão de vinhedos da Anjou Rouge AOC é de 945 hectares, com uma produção de vinhos tintos de 34.425 hectolitros em 2019, o que corresponde a cerca de 4,5 milhões de garrafas ao ano.
As variedades principais são a Cabernet Franc e a Cabernet Sauvignon, embora a primeira predomine. São também aceitas, como uvas secundárias, a Pineau d’Aunis e a Grolleau Noir. A participação mínima da Cabernet Franc e/ou Cabernet Sauvignon é de 70%, enquanto a Grolleau é limitada a 10% do corte. O rendimento máximo permitido é de 60 hectolitros por hectare.
Dentro da Anjou Rouge, no entanto, existe uma indicação adicional. Neste caso, não é uma indicação geográfica, mas de uva. A Anjou Gamay foi também criada em 1936 e sua área é menor (cerca de 74 hectares), já que inclui apenas os vinhedos em solos ígneos e metamórficos do Anjou Noir. Os vinhos são 100% Gamay, muitos dos quais elaborados usando maceração semi-carbônica. Seus dados de produção são consolidados dentro da Anjou Rouge AOC.
Anjou Villages AOC
Aprovada em 1991, a Anjou-Villages cobria em 2019 uma área de cerca de 132 hectares de vinhedos, distribuídos por 46 vilarejos. No entanto, ao contrário do que acontece em outras regiões, o nome do vilarejo não pode aparecer nos rótulos dos vinhos. A produção total foi de 4.880 hectolitros, equivalente a 650 mil garrafas em 2019.
De forma geral, pode-se dizer que esta denominação, que fica inteiramente dentro da área demarcada da Anjou AOC, concentra alguns dos melhores vinhedos para uvas tintas da região. Somente a Cabernet Franc e a Cabernet Sauvignon são permitidas, em qualquer combinação entre elas. O rendimento máximo é menor do que no caso da Anjou Rouge, limitado a 55 hectolitros por hectare.
Anjou Villages Brissac AOC
A terceira denominação de origem de vinhos tintos em Anjou é também a mais nova, sendo criada em 1998. Sua área demarcada coincide com aquela da denominação de origem Coteaux de l’Aubance (que foca somente em vinhos brancos doces), espalhada por 10 vilarejos. Eram 74 hectares de videiras em 2019, com produção de 2.152 hectolitros, que corresponde a 286 mil garrafas ao ano.
Estes dez vilarejos faziam parte da Anjou-Villages entre 1991 e 1998, mas obtiveram autonomia como denominação independente desde então. Como houve completa dissociação da denominação Anjou-Villages, caso um produtor de Bressac desclassifique seu vinho, deverá engarrafá-lo como Anjou Rouge AOC. As variedades e limitações de corte são as mesmas da Anjou-Villages, porém o rendimento máximo é ainda menor, limitado a 50 hectolitros por hectare.
Vinhos e produtores
O estilo dos vinhos destas denominações de origem varia, dependendo da composição de uvas utilizada. Os mais procurados costumam ser os monovarietais ou cortes com alta proporção de Cabernet Franc, que mostram algumas das características típicas desta uva. Porém, estilisticamente, são bastante diversos daqueles de solos calcários, como Saumur, Bourgueil ou Chinon. Geralmente mostram aromas de frutas negras, com notas de grafite, florais, especiarias e mesmo alcaçuz, com boa acidez, taninos mais presentes (muitas vezes excessivos), certa rusticidade, maior teor alcóolico e mais corpo e potência.
São vinhos relativamente complicados para os produtores, por conta das características dos solos de xisto, que afetam a evolução fenólica das uvas tintas. No entanto, o padrão de qualidade melhorou muito nos últimos anos (sobretudo em Anjou-Villages e Brissac), por conta do aquecimento global e, também, dos esforços de diversos produtores. Dentre eles, vale a pena destacar Château Pierre-Bise, Domaine Ogereau, Domaine de la Bergerie, Domaine des Forges, Domaine de Bablut, Clos de l’Elu, Domaine Mosse e Domaine de Montgillet (especialmente pelo seu Anjou Gamay).
Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; Vins du Val de Loire; Anjou Rouge; The Wine Doctor; Cahier des Charges des appellation d’origine Anjou; Loire Valley Wine Economic Report, Interloire
Mapas: Vins du Val de Loire; Fédération Viticole Anjou-Saumur
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