Oficialmente, os vinhedos Grand Cru da Alsácia somente foram reconhecidos a partir do final do século XX, com a aprovação da legislação em 1975 e reconhecimento a partir da safra de 1983. No entanto, o conceito de Crus, ou vinhedos de qualidade superior, é muito mais antigo e contou com a contribuição, assim como no caso da Borgonha, de monastérios e ordens religiosas.
A vinicultura vem sendo praticada na Alsácia desde a era romana, mas atingiu um estágio diferenciado a partir da Idade Média. Estima-se que já havia cerca de 100 vilarejos na região com atividades relacionadas à elaboração de vinhos no século XIII, número que se expandiu para 170 no século seguinte. Nesta época, alguns dos melhores vinhedos já estavam mapeados, uma tarefa que levou séculos e culminou com a criação dos Grands Crus que conhecemos hoje.
A denominação de origem
Enquanto na Borgonha a demarcação oficial de muitos de seus vinhedos Grand Cru se deu já na década de 1930, quando da aprovação do sistema de denominações de origem, na Alsácia o processo foi muito mais lento. Mesmo a denominação de origem Alsace AOC, base da escala de classificação de vinhedos da região, foi criada apenas em 1962. Vale lembrar que até o final da Segunda Guerra Mundial a região fazia parte da Alemanha.
Foi somente em 1975 que a denominação de origem Alsace Grand Cru foi criada, inicialmente incluindo 25 lieux-dits. Ela passou a valer a partir de safra de 1983, quando os produtores começaram a estampar a expressão Grand Cru nos rótulos. Desde então, novos vinhedos foram adicionados, sobretudo em 1992, com 25 novos lieux-dits. A última inclusão ocorreu em 2007, quando Kaefferkopf se tornou o 51º vinhedo Grand Cru da Alsácia.
Desde então, porém, ocorreu uma modificação no sistema utilizado. Até 2011 todos os vinhedos Grand Cru faziam parte de uma única denominação de origem “guarda-chuva”, como ocorre até hoje em Chablis. Desde então, porém, cada um deles representa uma denominação de origem distinta, de uma forma similar com o que acontece na Côte d’Or. Curiosamente, no entanto, a regulamentação dos 51 Grands Crus respeita um único Cahier des Charges, publicação que define os principais parâmetros de uma denominação de origem.
Enorme diversidade de terroir
A Alsácia é uma região de enorme diversidade no que diz respeito ao terroir, sobretudo tipo de solo e orientação dos vinhedos. Se na Côte d’Or os solos são basicamente argilo-calcários e os Grands Crus mostram orientação sudeste ou leste, os melhores vinhedos da Alsácia são uma verdadeira colcha de retalhos. Por conta de um longo histórico de fenômenos geológicos, os Grands Crus da Alsácia podem ser segmentados em 10 perfis de solos distintos, algumas vezes mudando dentro do próprio lieu-dit.
Quase 40% dos cerca de 1.730 hectares de área demarcada dos Grands Crus correspondem a solos que combinam argila, margas e calcário, em diferentes proporções. Já solos com base granítica respondem por cerca de 20%, enquanto o arenito também tem presença significativa. Há vinhedos de solos aluviais, vulcânicos, ardósia e gneiss. Em poucas palavras, uma diversidade geológica praticamente única entre as principais regiões produtoras de vinhos da França.
Os vinhedos Grand Cru estão localizados nas encostas da cadeia de Vosges, em altitudes variando entre 200 a 400 metros. Enquanto alguns se situam em maiores altitudes nas montanhas de Vosges (com solos predominantemente de granito e arenito, ou mesmo ardósia), outros ficam nas colinas logo abaixo, com uma enorme diversidade de solos. Em termos de orientação, há predominância de vinhedos voltados para o sul, mas existem diversos exemplos de outras orientações.
Diversidade de uvas
Por muito tempo as quatro uvas brancas consideradas nobres na região (Riesling, Gewürztraminer, Pinot Gris e Moscatel) eram as únicas permitidas para monovarietais classificados como Grand Cru. Até 2023, apenas a Sylvaner podia ser usada, porém somente no Grand Cru Zotzenberg. No entanto, isso mudou, com a permissão para o uso da Pinot Noir nos Grands Crus Hengst e Kirchberg de Barr.
Embora não existam estatísticas detalhadas sobre a distribuição de uvas plantadas nos Grands Crus, estimativas colocam a Riesling e a Gewürtztrainer como as principais, com parcelas próximas a 40% do total, para cada uma delas. A Pinot Gris aparece em um distante terceiro lugar, seguida por Moscatel Branco e Pinot Noir.
Produção e rendimento
A área plantada nos 51 Grands Crus atingia cerca de 729 hectares em 2021, cerca de 4,7% do total das denominações de origem da Alsácia, que na época atingia 15.550 hectares. Em termos de produção, a participação dos Grands Crus ficava na faixa de 4% do total produzido na região, refletindo retornos mais baixos por hectare.
Enquanto os rendimentos máximos na Alsace AOC variavam de acordo com a uvas (80 hectolitros por hectare para Gewürtztrainer e Pinot Gris, 90 hl/ha para Riesling e Moscatel Branco), na Crémant d’Alsace AOC o máximo era de 80 hl/ha. Já para os Grands Crus, o máximo é de 55 hectolitros por hectares, em linha com o utilizado para uvas brancas nos vinhedos Premier Cru da Borgonha.
Uso facultativo
A criação de denominação de origem Grand Cru, porém, despertou diversas discordâncias. Alguns produtores optaram por não utilizar esta classificação em seus rótulos, pois a consideram vaga e pouco precisa. Vale lembrar que o uso do termo Grand Cru ou mesmo dos vinhedos de onde provêm as uvas não é obrigatório.
Por exemplo, a Domaine Trimbach, sediada em Ribeauvillé, manteve os nomes de seus vinhos, sem mencionar sua origem. Os vinhedos do Clos Ste-Hune, que dão origem a um dos melhores Rieslings do mundo, ficam dentro do Grand Cru Rosacker, o que não é mencionado. O mesmo ocorre com a Cuvée Frédéric-Emile, elaborada com uvas do Grand Cru Geisberg e do Grand Cru Osterberg.
O mesmo ocorre com a Domaine Hugel, que produz a cuvée Jubilée a partir de seus vinhedos de Riesling no Grand Cru Schoenenbourg e de Gewürztraminer e Pinot Gris do Grand Cru Sporen. Já Leon Beyer elabora seu Gewürztraminer Cuvée des Comtes d´Eguisheim usando uvas do Grand Crus Eichberg, enquanto o Riesling Cuvée Particulière vem do Grand Cru Pfersigberg.
Grands Crus em excesso?
A atitude destes e outras produtores refletem críticas em relação à regulamentação dos Grands Crus. Estas discordâncias podem ser agrupadas em três grupos principais. Em primeiro lugar, existe a percepção de que alguns deles nunca deveriam ter obtido esta condição. Quando os Grands Crus foram selecionados, aparentemente havia uma certa tendência para que todos os principais vilarejos (ou communes, como são chamados na França) deveriam ter ao menos um Grand Cru.
Não são poucos os que afirmam que Grands Crus como Praelatenberg, Ollwiller e Saering simplesmente não estão no nível de Furstentum, Schoenenbourg ou Hengst. E esta crítica em relação à quantidade parece justificada. A título de comparação, na Borgonha existem apenas 33 Grands Crus.
Tamanho e classificação intermediária
Uma segunda crítica bastante relevante é a de que boa parte dos Grands Crus são grandes demais. A delimitação dos Grands Crus sempre foi uma questão sensível, por conta dos conflitos de interesse entre os proprietários de parcelas nestes vinhedos. Por exemplo, o vinhedo Sporen original tinha três hectares de área, enquanto o atual Grand Cru Sporen chega a 22 hectares. Em outros casos, por conta de seu tamanho, Grands Crus como Steingrubler (23 hectares) e Pfersigberg (75 ha) são bastante heterogêneos no que diz respeito ao terroir.
Por fim, uma crítica muito comum é a de que o sistema criado deveria ter incluído três níveis de classificação, como na Borgonha: Village, Premier Cru e Grand Cru. Isso permitira ser mais estrito na concessão inicial, com certa flexibilidade com o passar do tempo, refletindo a qualidade efetiva dos vinhedos.
Quais são os vinhedos?
Apesar de todas as controvérsias, não há dúvida que a criação das denominações de origem Grand Cru representou um importante passo para o melhor mapeamento dos melhores vinhedos da Alsácia. Ainda mais porque tem também a flexibilidade para reportar a distinção do estilo de vinificação usado na elaboração dos vinhos.
Ao contrário de outras regiões produtoras, sobretudo no Loire, onde o estilo de vinificação afeta a definição da denominação de origem, isso não ocorre na Alsácia. Por exemplo, caso os vinhos destes vinhedos sejam produzidos com uvas de colheita tardia, o produtor pode incluir o termo Vendanges Tardives, sem que perca o direito de usar o termo Grand Cru. O mesmo ocorre quando há uso de uvas botritizadas, nos Sélection de Grains Nobles.
A tabela abaixo lista os 51 Grands Crus da Alsácia em ordem alfabética, incluindo também sua área regulamentada e em qual(is) commune(s) estão situados.
Nome do Grand CruÁrea (hectares)CommunesAltenberg de Bergbieten29,07BergbietenAltenberg de Bergheim35,06BergheimAltenberg de Wolxheim31,20WolxheimBrand57,95TurckheimBruderthal18,40MolsheimEichberg57,62EguisheimEngelberg14,80Dahlenheim & ScharrachbergheimFlorimont21,00Ingersheim & KatzenthalFrankstein56,20Dambach-la-VilleFroehn14,60ZellenbergFurstentun30,50Kientzheim & SigolsheimGeisberg 8,53RibeauvilléGloeckelberg23,40Rodern & Saint-HippolyteGoldert45,35GueberschwihrHatschbourg47,36Hattstatt & VoegtlinshoffenHengst53,02WintzenheimKaefferkopf71,65AmmerschwihrKanzlerberg 3,23BergheimKastelberg 5,82AndlauKessler28,53GuebwillerKirchberg de Barr40,63BarrKirchberg de Ribeauvillé11,40RibeauvilléKitterlé25,79GuebwillerMambourg61,85SigolsheimMandelberg20,00Mittelwihr & BeblenheimMarckrain53,35Bennwihr & SigolsheimMoenchberg11,83Andlau & EichhoffenMuenchberg17,70NolthaltenOllwiller35,86WuenheimOsterberg24,60RibeauvilléPfersigberg74,55Eguisheim & WettolsheimPfingstberg28,15OrschwihrPraelatenberg18,70KintzheimRangen22,13Thann & Vieux-ThannRosacker26,18HunawihrSaering26,75GuebwillerSchlossberg80,28KientzheimSchoenenbourg53,40RiquewihrSommerberg28,36Katzenthal & NiedermorschwihrSonnenglanz32,80BeblenheimSpiegel18,26Guebwiller & BergholtzSporen23,70RiquewihrSteinert34,90PfaffenheimSteingrubler22,94WettolsheimSteinklotz40,60MarlenheimVorbourg73,61Rouffach & WesthaltenWiebelsberg12,52AndlauWineck-Schlossberg27,49Katzenthal & AmmerschwihrWinzenberg19,20BlienschwillerZinnkoepflé71,00Westhalten & SoultzmattZotzenberg36,45Mittelbergheim
Fontes: Vins D’Alsace, Atlas Mundial do Vinho, Hugh Johnson; Alsace WineNet
Mapa: Wine Scholar Guild
Imagens: ©ZVARDON – Conseil Vins Alsace; ©HECHT-ConseilVinsAlsace
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