Se Champagne é a região mais reconhecida pela produção de espumantes na França, está longe de ser a única. Além de diversas denominações de origem locais, há também oito regiões que produzem Crémants, espumantes elaborados também de acordo com o método tradicional. Dentre elas, a de maior produção é a Alsácia, que deve à denominação de origem Crémant d’Alsace cerca de 25% de sua produção total de vinhos.
São mais 500 produtores locais, que pertencem ao Syndicat Producteurs du Crémant d’Alsace e elaboram anualmente mais de 33 milhões de garrafas. Para tal, fazem uso das principais variedades cultivadas localmente, em especial a Pinot Blanc. Porém, abrem espaço não somente para variedades francesas, mas também para a alemã Riesling, com importante presença na região. Aliás, a influência alemã na vinicultura não se restringe à Riesling, como veremos a seguir.
Uma ruptura importante
Embora a elaboração de espumantes tenha um longo histórico, foi na Champagne que o método tradicional passou a fazer a diferença a partir do século XVII. No século seguinte, houve uma onda de investimentos de famílias alemãs na região, dando origem a nomes até hoje familiares para quem aprecia espumantes: Krug, Deutz, Heidsieck, Moët e Roederer são exemplos. Este movimento, porém, não teria implicações futuras apenas para a região de Champagne.
A Alsácia, como consequência da guerra Franco-Prussiana, acabou passando para o controle da Prússia em 1870. Embora já existisse elaboração de espumantes na região, a passagem para o controle alemão acabou alterando drasticamente a dinâmica do vinho na Alsácia. Já que os alemães gostavam tanto de espumantes (tendo a Champagne como principal fornecedor), por que não produzir esses vinhos diretamente na Alsácia?
Elaboração de espumantes na Alsácia
Um personagem chave neste processo foi o de Julien Dopf. Com apenas 18 anos, visitou a Exposição Universal de Paris com seu pai, em 1900 e ficou fascinado com uma demonstração da nova técnica de desgorgement feita por viticultores de Champanhe. De volta a Riquewihr, desenvolveu e comercializou o Champagne Dopff, feito na Alsácia. Os mostos eram comprados em Champanhe e “importados” para a Alsácia (então parte da Alemanha) para vinificação.
Na mesma época, mais precisamente em 1904, a Alsácia viu o surgimento de um novo produtor de espumantes, em Haguenau. A localização foi provavelmente decidida pela facilidade de transporte: a importação, por trem, de mosto de Champagne e o envio de garrafas de Sekt (como os alemães chamam seus espumantes) para a Alemanha. O novo estabelecimento era uma subsidiária da casa de Champanhe de origem alemã Deutz & Geldermann, fundada em Ay em 1838.
A Deutz & Geldermann estava crescendo, porém havia um obstáculo: o aumento da tributação nas importações de Champagne. A alternativa escolhida foi, além de comprar mostos da Champagne, como feito por Julien Dopf, usar também vinhos locais. Começava uma nova fase da vinicultura na Alsácia, onde os espumantes teriam papel de grande importância.
De volta à França
Isso, porém, viria a mudar. Após a Primeira Guerra Mundial, a Alsácia tornou-se novamente francesa e as estruturas de produção de Sekt, localizadas em Haguenau, encontraram-se subitamente na França. Com isso, surgiu a necessidade de pagar taxas aduaneiras para vender o vinho na Alemanha. Por conta desta questão tributária, em 1925 a estrutura foi transferida para Breisach-am-Rhein, do outro lado da fronteira.
Curiosamente, a volta da Alsácia à França não beneficiou os produtores “franceses” da Alsácia. Os viticultores locais eram pequenos demais para concorrer com outras regiões francesas. Além disso, especificamente no caso dos espumantes, os produtores tiveram que abdicar do uso do termo “Champagne“, restrito somente aos produtores da tradicional região francesa. Porém, mesmo dentro deste cenário, a Domaine Dopff continuou a produzir espumantes de qualidade, agora chamados de Vin Mousseux, utilizando o método tradicional.
Além da família Dopff, havia outros produtores de espumantes na Alsácia. Em Eguisheim, a cooperativa (que se tornaria Wolfberger) se dedicou à produção destes vinhos, seguida por outros nomes, como Sparr e a cooperativa de Westhalten. Na Alsácia, no início da década de 1970, estas quatro casas produziam um total de cerca de 500 mil garrafas de espumantes. Mas havia uma questão: a denominação de origem Vins d’Alsace, criada em 1962, não regulamentava a produção de espumantes. Assim, o consumidor não tinha como diferenciar entre os espumantes de qualidade, elaborados pelo método tradicional, daqueles produzidos seguindo outros métodos.
A denominação de origem
À medida que a produção aumentava, crescia a necessidade de criar uma denominação de origem específica. Em 1974, os quatro principais produtores de espumante da Alsácia (duas cooperativas, Eguisheim e Westhalten (hoje Bestheim), e dois négociants, Dopff au Moulin e Sparr) uniram forças para atingir este objetivo. Para ajudar, já existiam precedentes em outras regiões francesas. Tanto Crémant de Loire como de Bourgogne obtiveram suas denominações de origem em 17 de outubro de 1975.
A iniciativa dos alsacianos alcançou seus objetivos em 24 de agosto de 1976, quando Jacques Chirac, primeiro-ministro francês, assinou o decreto que criou a denominação de origem Crémant d’Alsace. Começava mais um novo capítulo da história do vinho espumante na Alsácia.
Produção e uvas permitidas
A denominação de origem Crémant d’Alsace engloba atualmente cerca de 3.700 hectares de vinhedos, espalhados por 119 communes diferentes. São mais de 3.200 viticultores, com cerca de 530 vinícolas. Em 2022, a produção total superou 252 mil hectolitros, o que corresponde a aproximadamente 33 milhões de garrafas. A título de comparação, este volume foi cerca de 50% superior ao elaborado como Crémant de Bourgogne ou Crémant de Loire.
Em geral, os Crémants d’Alsace brancos são cortes entre diversas variedades populares na Alsácia, como Pinot Blanc, Riesling, Pinot Gris, Chardonnay, Auxerrois e Pinot Noir. Porém, eles podem também ser monovarietais, como os Blanc de Blanc a partir da Pinot Blanc. Já os rosés (e mais raramente os Blanc de Noirs) tem como base somente a Pinot Noir.
As regras da denominação de origem permitem apenas colheita manual das uvas, com rendimentos limitados a 70 hectolitros por hectare. Também a quantidade de mosto sofre restrições, com um máximo de 100 quilos para cada 150 quilos de uvas. Os espumantes são sempre elaborados de acordo com o método tradicional, com um tempo mínimo de permanência sur lattes de nove meses.
Terroir, vinhos e produtores
Assim como no caso de outras denominações de origem da Alsácia, existe uma enorme diversidade de solos nos vinhedos. Predominam os solos de xisto e granito, embora haja presença também de trechos com solos calcários ou aluviais. Em relação às condições climáticas, é uma região de invernos frios, porém de pouca chuva e verões secos, por conta da proteção resultante do maciço de Vosges.
A maior parte da produção se concentra em espumantes não safrados, embora alguns produtores elaborem vinhos de safras específicas ou mesmo de vinhedos únicos. Deste modo, também na hora de escolher um Crémant d’Alsace, vale a pena olhar de perto os produtores e os métodos adotados. As melhores vinícolas elaboram vinhos de muita tensão e profundidade, alguns mantidos até 48 meses com suas lias.
Nem todos os melhores produtores de vinhos tranquilos da Alsácia se dedicam também aos Crémant, mas alguns deles se destacam também neste segmento. Exemplos são Barmès-Buecher, Valentin Zusslin, Émile Beyer, Vincent Fleith, Domaine Pfister, Véronique et Thomas Muré, Dirler-Cadé, Charles Frey, Jean-Baptiste Adam e Bott-Geyl. Já entre aqueles que mostram foco maior nos espumantes, destaque para Jean-Claude Buecher.
Fonte: Vins D’Alsace; Fédération Nationale des Producteurs et Élaborateurs de Crémant; Crémant d’Alsace, 40 Ans d’Appellation et 140 Ans de Fête; Decanter; La Revue du Vin de France
Imagem: ©CreationsEtoile-ConseilVinsAlsace
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