Crémant de Bourgogne: conheça melhor os espumantes da Borgonha

Para quem aprecia espumantes, a primeira associação com a França geralmente passa por Champagne. Além do altíssimo padrão de qualidade, é também a região francesa com maior produção de espumantes, com mais de 320 milhões de garrafas vendidas em 2021. Porém, a França é também conhecida pelos seus Crémants.

Assim como o Champagne, os Crémants são elaborados com uso do método tradicional (somente quando nos referimos à Champagne a expressão “método Champenoise” pode ser usada). Portanto, podemos traçar um paralelo entre estes espumantes, embora os Crémants tenham uma produção bem menor do que Champagne. Somando as oito regiões francesas onde o nome Crémant é usado, em 2021 foram vendidas cerca de 90 milhões de garrafas.

Embora a Alsácia ainda seja a região com maior produção de Crémant, uma outra região mais famosa por seus vinhos tranquilos vem ganhando espaço nas últimas décadas: a Borgonha. De fato, os Crémant de Bourgogne são aqueles que registraram maior crescimento desde 2010.

A era dos mousseux

O que pouca gente sabe é que os Crémants (anteriormente chamados de mousseux) precedem os espumantes elaborados na Champagne. Se Dom Pérignon ficou conhecido pelos seus espumantes na década de 1670, há evidências que os monges beneditinos da Abadia de Saint-Hillaire pensaram nisso muito antes. A criação do Blanquette de Limoux data de 1531.

Na Borgonha, porém, a elaboração de espumantes é mais recente. Os Mousseux de Bougogne ganharam maior espaço a partir de 1815, espalhados por três áreas distintas da Borgonha: Rully (na Côte Chalonnaise), Yonne (próximo a Chablis) e o vilarejo de Nuits (na época assim chamado antes da inclusão do nome de seu principal vinhedo).

Durante o período entre 1850 e 1930, os mousseux ficavam entre os vinhos mais apreciados e procurados da Borgonha. Muitos deles, inclusive comandavam preços em linha com os vinhos tranquilos Grand Cru. Foi uma época de ouro para os espumantes da Borgonha, que levou ao enriquecimento dos principais produtores, algo que pode ser notado até hoje na herança arquitetônica deixada em Rully, por exemplo.

Regulação, declínio e retomada

Com a criação das denominações de origem na França na década de 1930, começou uma regulamentação mais estrita da produção de vinhos, inclusive os espumantes. Em 1943 foi aprovada a denominação de origem Bourgogne Mousseux, incluindo espumantes brancos, rosés e tintos. Porém, isso não foi suficiente para impedir uma forte queda no consumo e produção, sobretudo após o final da Segunda Guerra Mundial.

A partir de 1964 a expressão mousseux abandonou muitos rótulos, substituída por Bourgogne Méthode Champenoise. Mas isso durou pouco, por conta da pressão dos produtores de Champagne. Em 1975, foi criada a denominação Crémant de Bourgogne, para vinhos espumantes brancos e rosés, com uma produção na casa de 4 milhões de garrafas. Os tintos, com produção minúscula, seguiram sendo engarrafados como Mousseux de Bourgogne, denominação que existe até hoje.     

Nas últimas décadas o que se viu foi um rápido crescimento da produção e venda de Crémant de Bourgone. Após atingir pouco mais de 10 milhões garrafas vendidas em 2010, os espumantes desta região registraram forte crescimento, chegando a 23 milhões de garrafas em 2021. As vendas foram alavancadas, sobretudo, pelas exportações (cerca de 45% do total) e por supermercados grandes lojas de vinho na França, com 34% do volume vendido.

Produção concentrada

Apesar de contar com cerca de 3.760 viticultores cadastrados, a produção de Crémant de Bourgogne é bastante concentrada. Ao contrário dos vinhos tranquilos da Borgonha, onde existem milhares de vinícolas, cerca de 70% da produção de Crémant de Bourgogne está nas mãos de três nomes. Veuve-Ambal, que mudou sua sede de Rully para Beaune, lidera a produção, seguida por Bailly-Lapierre (de Saint-Bris, no Yonne) e Louis Bouillot, de Nuits Saint-Georges.

Isso não impede, porém, que haja diversos produtores dedicados à elaboração destes espumantes. Em geral, cerca de 500 a 600 produtores da Borgonha também elaboram Crémant, muitos em paralelo com vinhos tranquilos. Há nomes, porém, que focam exclusivamente nos Crémant. Alguns destaques são Louis Picamelot e Vitteaut-Alberti (ambos de Rully), Parrigot & Richard (Savigny-Lès-Beaune) e Bouhélier (Châtillonais).

Área de produção

Por ser uma denominação de origem regional, assim como a Bourgogne AOC, os vinhedos usados para a elaboração de Crémant de Bourgogne estão espalhados por toda a Borgonha. Em 2022 foram declaradas 10.339 parcelas diferentes, para um total de 2.900 hectares plantados. Destes, 650 hectares estavam localizados no departamento de Saône-et-Loire, que inclui a Côte Chalonnaise e o Mâconnais, historicamente associados ao Crémant de Bourgogne.

Na sub-região do Yonne eram 300 hectares, enquanto na Côte d’Or (incluindo o Châtillonnais, que fica logo ao sul de Champagne) eram 550 hectares. Mas onde estão situados os demais 1.400 hectares? Surpreendentemente, esta parcela de 49% dos vinhedos totais fica no departamento do Rhône, correspondendo aos vinhedos do Beaujolais.

Vinhedos e variedades

Embora a elaboração de Crémant de qualidade exija uvas de perfil diferentes (mais acidez, menos aromas e menos corpo) que a utilizadas para a produção de vinhos tranquilos, é comum que ambas venham dos mesmos vinhedos. A exceção fica no caso de produtores com foco em espumantes. De forma geral, porém, os vinhedos mais nobres da Borgonha não são usados para Crémant. E isso faz sentido do ponto de vista financeiro, considerando que o valor médio de uma garrafa de Crémant de Bourgogne na França fica na faixa de € 10,50, excluindo, obviamente, as cuvées especiais. Estas são muitas vezes vendidas acima de € 60 a garrafa.

A regulamentação de variedades que podem ser usadas na elaboração destes espumantes é estrita. São quatro uvas primárias, mas apenas duas são efetivamente usadas: Chardonnay (com 47% do total) e Pinot Noir (28%). Qualquer Crémant de Bourgogne deve ter no mínimo 30% de uma destas duas uvas.

Já as variedades secundárias são Gamay (17%), Aligoté (5%), Sacy e Mélon de Bourgogne. No caso da Gamay, existe uma limitação máxima para sua utilização no blend, fixada em 20%. Nos últimos anos, o que se viu, de forma geral, foi um aumento no uso de Chardonnay, em detrimento de Pinot Noir e Aligoté.

Regras de produção e estilos

Também as regras de elaboração são estritas, embora nem tanto quanto em Champagne. As uvas devem ser colhidas manualmente, com prensagem com cachos inteiros. O rendimento nos vinhedos não pode superar 79 hectolitros por hectare, embora, na prática, fique em torno de 61 hl/ha. Vale lembrar que na Champagne o limite máximo é de 64 hl/ha.

O tempo mínimo de permanência dos vinhos sur lattes é de nove meses (na prática em torno de 15). Em Champagne, o mínimo é de 15 meses. Há também uma diferença significativa no uso dos vinhos de reserva entre as duas regiões. Ao contrário de Champagne, na Borgonha eles são basicamente usados somente para completar safras nas quais a produção foi menor.

Cerca de 82% dos Crémants de Bourgogne são brancos, com os demais 18% elaborados em rosé. No que diz respeito ao teor de açúcar, os Brut são aqueles com açúcar residual entre 8 e 10 gramas por litro, e são responsáveis por grande parte da produção. Os Extra-Brut (4-6 g/l) são cerca de 10% do total e seguem aumentando sua participação, assim como os Zero Dosage. Estas três categorias respondem por 97% a 98% da produção total.  

Aposta na qualidade

Apesar do forte crescimento nas últimas décadas, os Crémant de Bourgogne enfrentam dois grandes desafios. Em primeiro lugar, a competição vinda de outros espumantes de custo menor, como os Prosecco, um enorme sucesso comercial que segue ganhando mercado, inclusive nas taças dos franceses. Além disso, de forma crescente, os vinhedos na Borgonha têm sido direcionados para a elaboração de vinhos tranquilos, até por conta do maior valor por garrafa.

Uma das respostas foi apostar em categorias mais “elitizadas”, com controles mais estritos busca de maior qualidade. A partir da safra 2014, vinhos que cumpriam certas regras, passassem por uma degustação de especialistas e tinham pelo menos 24 meses com suas lias poderiam ser engarrafados como Eminent. Já os Grand Eminent, categoria ainda superior, exigem 36 meses com lias e mais três meses entre dégorgement e comercialização. Atualmente, cerca de 1% dos Crémant pertence a esta categoria.

Fontes: Crémant de Bourgogne: Past, Present and Future, Robin Kick MW, Bourgogne Master-Level Manual, Wine Scholar Guild; Vins de Bourgogne

Imagem: Louis Bouillot

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