No dia 29 de novembro de 2022 o Brasil ganhou a sua primeira denominação de origem de espumantes. Esse será o tema da coluna desse mês. E para tratar desse temos precisamos entender como funciona a legislação do vinho no Brasil, diferenciando uma D.O. – denominação de origem – de uma I.G. – Indicação Geográfica.
Por que existem as classificações dos vinhos
Notadamente nos países europeus, conhecidos de Velho Mundo, o vinho faz parte da trajetória humana há milhares de anos. Ao longo do tempo emergiram classificações para diferenciar vinhos produzidos em regiões distintas. Tais classificações tinham como objetivo comunicar o vinho produzido numa certa área geográfica.
Na Idade Média havia pouco intercâmbio entre as populações de áreas geográficas distintas. E cada comunidade produzia seus vinhos a partir de uvas indígenas, ou autóctones, disponíveis na natureza e usando o savoir faire aprendido ao longo de várias gerações.
O caso da Borgonha
A Borgonha é um exemplo típico desse fenômeno medieval. Viajantes que passavam pela região do vilarejo de Gevrey se encantavam com um vinho local produzido num vinhedo específico conhecido como “os campos do Bertin”, ou Champs du Bertin em francês, que virou Chambertin. Eles não sabiam o nome da uva utilizada, muito menos o processo de produção. Sabiam apenas que o vinho era bom e, sempre que possível, queriam provar novamente o vinho. E um de seus fãs estava ninguém mais que o imperador Napoleão Bonaparte.
A fama do vinhedo era tão grande que em 1847, numa iniciativa oportunista visando compartilhar o prestígio do vinhedo com os outros vinhos produzidos na área, o munícipio de Gevrey decidiu anexar o nome Chambertin, passando a se chamar Gevrey-Chambertin, nome atual e que na década de 1930 se transformou numa AOC. Guardadas as proporções, se fossemos contar a história do Champagne AOC, ou do Chateauneuf-du-Pape AOC, elas seriam parecidas. A ideia foi proteger os vinhos produzidos numa zona específica e seguindo métodos de produção e uvas previamente definidos.
E no Novo Mundo?
No Brasil, assim como em todos os países do chamado Novo Mundo, o desenvolvimento do vinho é recente e as classificações não possuem raízes históricas profundas, tais como observadas nos principais produtores europeus. Na Nova Zelândia, por exemplo, o produtor tem liberdade para “nomear” seu vinho praticamente como quiser. Pode, ou não, colocar o nome da região, assim como o nome da uva.
No Brasil, onde o desenvolvimento da viticultura é ainda mais recente, há uma busca enorme para regular e classificar os vinhos. Como veremos mais adiante, o país já conta com 7 I.G. (Indicações Geográficas), 8 I.P. (Indicação de Procedência) e 2 D.O. (Denominações de Origem). E com exceção da IG Vale do Vinhedos, todas as demais classificações foram aprovadas a partir de 2010.
Enquanto na Nova Zelândia prevalece a liberdade para empreender (não é à toa que o país lidera o ranking do best place to do business), o vinho brasileiro parece seguir a receita de regular e regular. Porém, deixemos essa questão de intervencionismo versus liberalismo de lado e vamos voltar ao vinho.
A classificação do vinho no Brasil
Segundo o INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, “a indicação geográfica é conferida a produtos ou serviços que são característicos do seu local de origem, o que lhes atribui reputação, valor intrínseco e identidade própria, além de distingui-los em relação aos seus similares disponíveis no mercado”. Em tese “comunicam” ao mundo que uma certa região se especializou e tem capacidade de produzir algo diferenciado e de excelência. Deixo aqui uma pergunta ao caro leitor: será que todas as áreas que serão listadas a seguir, de fato, preenchem a esse quesito de diferenciação?
Indicações Geográficas
O Brasil possui 7 I.G. aprovadas:
Vale dos Vinhedos (2001)
Pinto Bandeira (2010)
Altos Montes (2012)
Vales da Uva Goethe (SC)
Monte Belo (2013)
Farroupilha (2015)
Campanha (2020)
Indicação de Procedência
Já a I.P. (Indicação de Procedência) se refere ao nome geográfico de um país, cidade, região ou uma localidade que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto. É necessário apresentar uma série de documentos para utilizar a I.P.
Há 8 I.P. aprovadas no Brasil
Vale dos Vinhedos (2002)
Pinto Bandeira (2010)
Altos Montes (2012)
Vales da Uva Goethe (2012)
Monte Belo (2013)
Farroupilha (2015)
Campanha (2020)
Vale do São Francisco (2022)
Denominação de Origem
Por fim, o Brasil conta com 2 D.O. (por enquanto é sempre bom ressaltar): Vale dos Vinhedos, aprovada em 2012 e Altos de Pinto Bandeira (2022). Uma D.O. teoricamente diz respeito a produtos de qualidade superior aos I.G. ou I.P. , mas isso não se reflete necessariamente na prática.
A D.O. Altos de Pinto Bandeira
Classificação exclusiva para vinhos espumantes produzidos com uma das três uvas autorizadas (combinadas ou não): Pinot Noir, Chardonnay e Riesling Itálico (que não é a mesma Riesling utilizada para produzir os grandes vinhos oriundos do Vale do Reno, como a Alemanha e Alsácia).
A área da nova D.O. está assim dividida entre três municípios: Pinto Bandeira (76,6%), Farroupilha (19%) e Bento Gonçalves (4,4%).
As uvas devem ser cultivadas na região demarcada, em videiras conduzidas pelo método de espaldeira (para fugir das uvas de baixa qualidade produzidas pelo método pergolado) e os espumantes elaborados pelo método tradicional, com tempo superior de 12 meses de envelhecimento em contato com as leveduras na garrafa.
Hoje há poucos produtores que já cumprem esses requisitos: Geisse, Don Giovanni, Aurora e Valmarino são alguns deles. Mas, certamente, a D.O. foi criada para atrair mais produtores e criar desenvolver referência de espumante nacional de qualidade.
Um primeiro passo animador, mas ainda bastante tímido
A importância de definir padrões mínimos de qualidade é indiscutivelmente positiva na direção de criar uma assinatura para os espumantes nacionais de qualidade. Porém, ainda é restrito a uma pequena área e poucos produtores. O desafio da nova D.O. será “entregar” uma qualidade superior e ser reconhecida pelos consumidores. Junto com isso será imprescindível criar uma narrativa para justificar o posicionamento desejado de um produto superior.
Vale lembrar que a tradição gaúcha, iniciada na segunda metade do século 20, era usar as uvas que não conseguiam atingir a maturidade fenólica adequada, assim como as de menor qualidade, para a produção dos espumantes. Não é nenhum absurdo dizer que ainda há um expressivo volume de espumante que ainda é produzido assim. E que há uma grande heterogeneidade na qualidade dos espumantes nacionais.
Há, portanto, grandes desafios pela frente. Mas é animador observar que alguns dos primeiros passos já foram dados.
Renato Nahas é um grande apreciador de vinhos que adora se aprofundar no tema. Concluiu as certificações de Bourgogne Master Level da WSG, e também de Bordeaux ML. É Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS e Spanish Wine Specialist – SWS pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.
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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal
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