O universo de variedades autóctones italianas parece quase infinito, com mais de 500 uvas diferentes usadas na elaboração de vinhos. Embora grande parte destas variedades tenha um perfil mais restrito a uma região em especial, há também aquelas com presença em diversas áreas da península. E uma delas é a Garganega, uva principal da denominação de origem Soave, no Vêneto, mas também cultivada em outras áreas, como a Sicília.
A distribuição dos vinhedos de Garganega na Itália, porém, não era plenamente conhecida até poucos anos. Foi através da análise de DNA que houve a comprovação de que a Garganega e a Grecanico Dorato, muito popular na Sicília, são, na verdade, a mesma uva. E esta constatação contribuiu ainda mais para aumentar o mistério em relação às suas origens.
Origens incertas
A primeira menção história à Garganega data do início do século XIV (entre 1305 e 1309), na obra Ruralia commoda de Piero de Crescenzi, um escritor e jurista formando pela Universidade de Bolonha. Não se sabe, porém, como esta uva chegou à região da Emilia-Romagna, onde Crescenzi conduziu seus estudos. Teria vindo do sul da Itália, região no passado colonizada pelos gregos? Ou do norte, área que acolheu muitas uvas originárias dos Balcãs trazidas na época do Império Romano?
A hipótese de que teria vindo da Grécia por muito tempo foi a mais aceita, ao menos quando se falava da siciliana Grecanico. O seu nome parece indicar uma origem grega, lembrando que a tradução da palavra “grego” em italiano é greco. Porém, análises genéticas não mostraram qualquer relação dela com variedades gregas contemporâneas, de forma que o mistério continua.
O que a análise de DNA conseguiu confirmar é que existe parentesco genético entre a Garganega e outras uvas italianas. Está comprovado cientificamente que a Garganega é um dos ascendentes da Catarratto, uva branca mais plantada na Sicília. Além disso, já se sabe que esta uva ancestral tem parentesco direto (ascendente ou descendente, ainda não definido) com a Trebbiano Toscano, variedade branca mais popular da Itália.
Características
A Garganega é uma variedade facilmente reconhecível pelos seus cachos grandes e folhas de menor dimensão, com grãos redondos, de tamanho médio e cascas mais finas. As uvas apresentam coloração amarelo dourado, e ganham intensidade de cor com a proximidade da colheita, justificando o seu nome Grecanico Dorato. Esta variedade mostra alta produtividade e boa resistência a diversas doenças.
É uma uva de colheita tardia, geralmente entre final de setembro e outubro no Vêneto, sem grande intensidade aromática, mas com boa acidez natural. A Garganega se adapta muito bem aos solos mais ricos e/ou vulcânicos, como os basaltos do Soave e os solos vulcânicos do Etna. Porém, também resulta em vinhos de qualidade em solos com maior concentração de calcário.
Vinhos
A Garganega é usada sobretudo para vinhos secos, tanto monovarietais como cortes. Todavia, no Vêneto dá origem a vinhos doces apassitados, como Recioto e Vin Santo di Gambellara. Quando vinificada em seco, os vinhos elaborados a partir da Garganega mostram coloração amarela com reflexos verdeais, que evoluem, com o passar do tempo, para uma coloração mais dourada que outras uvas.
No olfativo, são vinhos com presença de aromas de frutas brancas (sobretudo pêssego e maçã), melão, abacaxi, flores brancas e notas cítricas. Na boca, são vinhos de acidez média a alta, com corpo e profundidade médias, com bom frescor e ligeiras notas de amêndoa no retrogosto. Apesar de serem indicados para consumo mais rápido, nas mãos de produtores de qualidade mostram ótimo potencial de evolução.
Área plantada
Segundo dados da OIV, a área plantada de Garganega ao redor do mundo, em 2015, era de 13.427 hectares, totalmente concentrada na Itália. Estes dados ainda consideravam Grecanico e Garganega como uvas distintas, com a primeira mostrando 3.725 hectares de vinhedos e a segunda 9.702 hectares.
Na Sicília, é uma variedade historicamente concentrada nas províncias de Trapani e Agrigento, mas também com presença de longa data no Etna. É utilizada para elaboração de vinhos DOC nas denominações de origem Contea di Sclafani Bianco, Contessa Entellina, Delia Nivolelli, Menfi, Santa Margherita di Belice, Erice, Sambuca di Sicilia, Sciacca, Alcamo Bianco, assim como Sicilia DOC e diversos vinhos IGT (Indicazione Geografica Tipica).
Já no Vêneto, além da Soave DOC, tem presença importante nas denominações Colli Euganei, Garda, Vincenza, Gambellara e Monti Lessini, entre outras. Há também vinhedos de pequeno porte em várias regiões italianas, sobretudo ao longo da costa do Mar Adriático, e outros países, como Espanha, França, Croácia e Austrália.
Nomes alternativos
Por conta da diversidade de regiões produtoras, a variedade recebe uma grande quantidade de outros nomes, além dos mais populares Garganega e Grecanico. Boa parte deles são usados na Itália, como Bianchetto, Decanico, Dorana di Venetia, D’Oro, Garganega Bianca, Garganega Comune, Garganega di Gambellara, Garganega Gentile, Garganega Grossa, Garganega Piramidale, Garganega Veronese, Gargania, Garganica, Grecanico, Grecanico Bianco, Grecanico Dorato, Grecenicu Biancu, Lizzara, Oro, Ostesa, Ostesona e Recanicu.
Porém, ela também aparece em outros países europeus, como Croácia (Garganega Bijela) e Espanha, onde é chamada de Malvasía de Manresa, com cultivo concentrado na Catalunha.
Fontes: Foundation Plants Services Grapes, UC Davis; Distribution of the World´s Grapevine Varieties, OIV; Consorzio Tutela Soave; SlowFood; Catalogo Nazionale delle Varietá de Vite; ‘Sangiovese’ and ‘Garganega’ are two key varieties of the Italian grapevine assortment evolution, Crespan at al; Parentage Atlas of Italian Grapevine Varieties as Inferred From SNP Genotyping, D’Onofrio et al; Quatro Calici
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