O mundo do vinho não está imune às cansativas e repetitivas estratégias de marketing, que buscam vender algo não pelo que representa, mas pela sua aparência. Um exemplo é a lista World´s Best Vineyards, que poderia ser traduzida como os “Melhores Vinhedos do Mundo”. Divulgada anualmente, ela seleciona 100 vinícolas (uai, não eram vinhedos?) que se destacam pela suas “experiências” ou beleza (uai, não eram os melhores?).
Comparar o título desta lista com o que ela realmente premia já mostra uma enorme inconsistência. Melhores vinhedos não são, com quase toda a certeza, os mais bonitos. É só pensar no mítico vinhedo de Romanée Conti, em Vosne-Romanée, na Borgonha. Origem do vinho mais disputado no mundo, esta parcela de terra de 1,8 hectare não entra na lista, provavelmente por parecer “insípida”, pois só tem videiras, um muro e uma antiga cruz de pedra no seu cenário.
Já que está claro que esta lista não tem nada a ver com qualidade de vinhedos (ou de vinhos), ela pode ser encarada como a lista das vinícolas mais bonitas do mundo, certo? Ou seria aquelas que oferecem a melhor experiência de enoturismo? Esta é uma pergunta relevante, até por conta do papel que o enoturismo tem ganhado nos últimos anos.
Eno ou turismo?
Confesso que me cansa um pouco a associação forçada entre enoturismo e qualidade do vinho. Vamos analisar isso da ótica do turismo, ou mesmo da perspectiva mais ampla de “experiência”. Quando me hospedo em um hotel, o visual tem um enorme impacto. Embora existam outros fatores envolvidos (localização, qualidade do serviço, etc), realmente a beleza acaba sendo um ponto importante.
Olhando para a lista mencionada anteriormente, não me surpreende a inclusão do incrível projeto arquitetônico de Frank Gehry para o hotel na propriedade da Marqués de Riscal no segundo lugar. Ir a um hotel é 100% presencial e a beleza do local conta muito.
E quando falamos de um restaurante? Embora não seja 100% presencial (sim, existe o delivery), o visual faz a diferença. Na minha humilde opinião, porém, tanto a qualidade da refeição como do serviço tem um papel muito mais relevante. O lugar pode ser maravilhoso, mas se a comida ou o serviço não forem bons, possivelmente sairei insatisfeito.
E no caso do vinho? Qual a proporção dos vinhos que bebemos que são consumidos em vinícolas? Em geral, muito pouco, a não ser que você seja um profissional da área que visite vinícolas constantemente ou um enoturista entusiasmado, que programa suas férias com ênfase em regiões vinícolas. De qualquer forma, mesmo sendo enoturimo uma experiência fascinante, ele não deve ser confundido com qualidade de vinho. Eno é eno, turismo é turismo.
A ênfase no enoturismo
Não há dúvida que o maior papel das mídias sociais está associado com o fenômeno do enoturismo. Pense no caso brasileiro, onde diversas regiões (mesmo sem qualquer tradição ou condições naturais para elaborar vinhos de alta qualidade) tem investido pesado no enoturismo. De um lado, tudo a favor. O Brasil é um país com baixíssimo consumo per capita de vinho e buscar atrair turistas para o mundo do vinho é uma excelente ideia.
De outro, porém, vem o lado oculto da coisa, onde as fronteiras entre o “eno“ e o “turismo” são pouco nítidas. Infelizmente, não faltam blogueiros, “pseudo” críticos de vinhos ou mesmo pessoas famosas neste meio que confundem as coisas. A custo de convites para “experiências” 100% patrocinadas pelas vinícolas, derramam posts enfatizando não somente a beleza das vinícolas ou vinhedos, mas também a alta qualidade (?) dos vinhos. E tudo isso, na maioria das vezes, sem qualquer menção (o tal disclaimer) que a visita foi “na faixa”.
Gato por lebre?
Felizmente existem profissionais sérios, que sabem distinguir o “eno“ do “turismo”, publicando conteúdos onde não existe viés sobre a qualidade dos vinhos degustados, mesmo que sejam parte de uma experiência mais ampla (e financiada por quem tem interesse que exista viés). Aliás, enoturismo, na minha visão, combina mais com o caderno de turismo do que com aquele onde a ênfase é na avaliação de vinhos.
Porém, olhando para as mídias sociais, viés é uma palavra que já parece 100% associada a muitos destes “produtores de conteúdo”. E o maior prejudicado é o seguidor, que vai acabar comprando gato por lebre. O motivo? Estratégias de marketing que buscam vender algo não pelo que representa, mas pela sua aparência.
Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!
Disclaimer: Os conteúdos publicados nesta coluna são da inteira responsabilidade do seu autor. O WineFun não se responsabiliza por esses conteúdos nem por ações que resultem dos mesmos ou comentários emitidos pelos leitores.
Foto da capa: Arquivo pessoal
O post Marketing agressivo, listinhas de melhores e enoturimo: quais os limites? apareceu primeiro em Wine Fun.