Algumas delas, claro: porque existem tantas – ainda bem
Quando fazemos levantamentos como este, pensado especificamente para marcar o 8 de março, dia da mulher, paramos e pensamos: mas porque tanta polêmica, porque especificar gênero, se há um grande número de mulheres no mundo do vinho?
E elas estão envolvidas em muitas etapas, praticamente em todas.
Durante alguns dias entramos em contato com mulheres de diferentes cidades, regiões e estados do Brasil. Mulheres com sotaques diferentes, com cabelos diferentes, com olhos de cores diferentes, com formações diferentes, com funções diferentes, mas com uma coisa em comum: um sorriso no rosto e o amor ao vinho.
Abaixo algumas palavras de cada uma delas sobre o que fazem, como fazem e porque acham que o vinho que fazem é – ou não – diferente.
Campanha Gaúcha
Gabriela Pötter – vinícola Guatambu
“Acredito que vários atributos das mulheres que trabalham nas vinícolas garantem e engrandecem a qualidade dos vinhos produzidos. A começar pelo olfato que é comprovadamente mais apurado que dos homens, o que auxilia muito no controle de qualidade dos vinhos. A sensibilidade da mulher para perceber novas tendências e demandas também contribui para elaborarmos vinhos diferentes e autênticos. O nosso caráter detalhista sem dúvida resulta em muitos diferenciais no produto, desde o rigoroso controle de qualidade das características físico-químicas e sensoriais dos vinhos, até sua apresentação e embalagem. Por último, acredito que no geral as mulheres apresentam grande empatia e facilidade de comunicação, o que auxilia no sucesso para transmitir as informações e contar a história de cada rótulo”
Mônica e Victoria Zara Mercio – Estância Paraizo
“A transformação do vinhedo em um negócio do vinho surgiu pelas mãos femininas da família: nos anos 2000 a Dona Mônica foi a principal incentivadora do Thomaz na implementação do vinhedo na Estância Paraizo. Em 2018 foi a minha vez de transformar as uvas que eram basicamente vendidas para outras vinícolas em seis rótulos diferentes. A visão feminina foi definitiva em transformar todas as histórias da estância com mais de 230 anos em rótulos que contam histórias, não apenas da família e da propriedade, mas da própria região da Campanha Gaúcha. Acredito que a sensibilidade, aliada à força das mulheres desta região, foi característica fundamental que nos permitiu participar de uma indústria majoritariamente masculina. Atualmente toda a família está envolvida no negócio e esse envolvimento positivo de aliar personalidades diferentes, com conhecimentos diferentes, numa mesma direção buscando crescimento conjunto é uma habilidade feminina. Além disso, a criatividade feminina é um diferencial muito grande no vinho e em todos os negócios. A forma de ver as coisas flexíveis e pela lente da solução acredito que é muito da mulher. Nós trouxemos isso para o negócio da uva e do vinho e atualmente essa forma de gestão está influenciando até a pecuária que é a parte ‘administrada’ pelos homens da família”
Noroeste do Rio Grande do Sul
Viviane Massi Hilgert e Jéssica Hilgert – Casa Tertúlia (Três de Maio)
“Há pelo menos quatro gerações as mulheres da família vêm tomando a frente tanto na viticultura como na produção de subprodutos da uva. Laura Gohlke Massi, a avó paterna de Viviane, já elaborava sucos de uva pasteurizados artesanalmente para a conservação das frutas no período de entressafras. Era um momento de reunir as mulheres da família, com mães e filhas, para colher, separar os grãos e aquecer a bebida em grandes panelas no fogão à lenha, e depois guardar em garrafas no porão da casa. Já Erna Dopke Massi e Hermina Bettcher, mãe e avó de Viviane, costumavam preparar geleias com as uvas que eram plantadas na propriedade. O trabalho de cuidar dos vinhedos também era executado pelas mulheres, que se ocupavam de manter as plantações nos arredores da casa em boas condições.
Do outro lado da família, a avó de Jéssica, Ludwina Wagner Hilgert, participava da elaboração de vinhos com seu pai e seu esposo, Bruno, que foi quem repassou muito do seu conhecimento nessa prática para Viviane. Era comum degustarem algumas taças conversando longamente sobre os sabores, as uvas e os processos empregados até chegar ao produto final. Ao estudar enologia, o que era um conhecimento familiar foi se tornando uma atividade mais técnica e profissional para Viviane, culminando em uma dedicação exclusiva com o surgimento da Casa Tertúlia.
A vinícola aparece como um projeto que, como seu próprio nome indica, busca uma interação entre as pessoas que se reúnem em torno do vinho para ter boas conversas, com encontros agradáveis e únicos. Essa vocação para o cuidado – tanto das pessoas envolvidas como dos processos pelos quais o vinho e o suco precisam passar para se tornarem bebidas de qualidade – é trazida com a memória das mulheres da família, transmitida pelos laços de carinho e afeto de mães, filhas e avós”
Taciana Weber – Vinícola Weber (Crissiumal)
“Eu acho que a mulher é mais atenta aos detalhes, temos mais facilidade em perceber algumas coisas. Somos mais delicadas, sensitivas, e isso tem tudo a ver com o vinho, uma bebida que é arte e emoção. Cada enólogo e enóloga tem suas preferências e particularidades, e me deixa muito feliz ver tantas mulheres se envolvendo com o vinho nas diversas áreas de toda a cadeia produtiva, provando que temos competência, que conseguimos, e que podemos tudo o que quisermos”
Monte Belo
Aline Possamai – Famiglia Possamai
“Trabalho com minha família, que desde muito tempo produz uvas para a venda, mas fui eu que decidi começar a vinificar parte de nossa produção. Hoje cuido, desde a colheita, toda a vinificação, engarrafamento até o desenvolvimento de rótulos, e ainda assessoro a produção de outras duas empresas.
Muitos me perguntam se tive medo, e sim, tive bastante. Mas tive muitas pessoas que me ensinaram e me influenciaram, inclusive mulheres que são inspiração para mim.
Comecei minha trajetória na indústria fazendo cerveja, e não vinho, pois mesmo formada em cursos que me capacitavam, encontrei dificuldades em obter uma colocação na indústria vitivinícola, sempre trabalhava com o público, vendas, mas nunca conseguia entrar no chão de fábrica. Boa parte das vagas que me interessavam exigiam “profissional do sexo masculino”.
Aprendi muito produzindo cerveja, me familiarizei com os equipamentos e processos. Já na Serra Gaúcha, a Vinícola Arbugeri em Caxias do Sul foi a primeira vinícola que abriu as portas para que eu produzisse meu primeiro vinho comercialmente e ainda hoje mantemos parceria em alguns rótulos.
No meu trabalho busco colocar um pouco da minha identidade e da minha essência, gosto de carregar de significado cada nome: cada elaboração precisa expressar uma essência, falar algo, contar uma história, mostrar a que veio. As coisas precisam ter uma razão para existir, se eu fiz um vinho, é porque ele é importante, único, caso contrário não o faço.
Sei que mulheres à frente da produção são uma exceção à regra, mas relato que me sinto plenamente respeitada profissionalmente pelos meus colegas e satisfeita com o que faço, e me motiva saber que também posso estar inspirando outras mulheres na busca de trabalhar no que preferirem, e quem sabe um dia, as mulheres sejam tão numerosas quanto homens em todas as áreas do setor”
Caroline Gonzatti – Seis Mãos
“Ser mulher no mundo do vinho é ir além das camadas aromáticas de uma taça. O olfato mais desenvolvido e apurado é uma rica herança genética da mulher, que nos permite gestar e descobrir novos caminhos para despertar novas sensações”
Serra Gaúcha
Natália Taffarel – Cave Antiga
“Tenho certeza que a visão feminina traz complexidade e características únicas ao produto final. O olhar feminino confere leveza e elegância que, quando aliados à força e exuberância, entram em perfeita sincronia, resultando em produtos de exímia qualidade, harmônicos, assertivos e, principalmente, poéticos”
Bruna Cristofoli – Cristofoli Vinhos de Família
“Acredito que as mulheres agregam uma visão mais sistêmica do negócio e das pessoas, são mais receptivas a ouvir, a colaborar em vez de somente competir, a humanizar os negócios – não poderia falar exatamente no produto final do vinho. As mulheres também são boas em cuidar de detalhes, desde, por exemplo a rotulagem de um vinho, a decoração do Edredom nos Parreirais. Além de tudo isso, as mulheres são muito resilientes e ótimas comunicadoras”
Altos Montes
Grazi Boscato – Caetano Vicentino
“A Vinícola Caetano Vicentino que está no mercado há pouco mais de 6 meses já nasceu com todos os trejeitos femininos de duas mulheres que completam o ciclo da vinha ao vinho. Eu estou envolvida em todos as etapas da elaboração do produto, no vinhedo ainda tenho uma participação pequena, pois, meu pai tem mais experiência e cuida desta parte. A partir da vinificação absolutamente tudo se transforma a partir das minhas escolhas até o vinho estar dentro da garrafa. O feminino é rico, nós mulheres estamos nos dedicando a trabalhar e estudar o vinho, a influência que isso causa nos vinhos são as mais diversas… o vinho carrega a personalidade da mulher que o elabora. A Ana, minha irmã, é muito detalhista com todo o processo de elaboração do vinho, ela influencia com delicadeza os nossos produtos”
Fabiane Veadrigo – Famiglia Veadrigo
“A presença da mulher no mundo do vinho vai ganhando espaço a cada ano, tanto aquelas que atuam à frente de vinícolas, como as que consomem nossos rótulos. As mulheres têm sensibilidade e habilidades próprias que diferenciam os vinhos elaborados por elas, além do cuidado e atenção nos rótulos e embalagens, sempre apresentando produtos elegantes e cheios de personalidade.
No quesito enoturismo, a atenção e carinho feminino encantam os visitantes e fidelizam cada vez mais os consumidores. Muitos paradigmas ainda vamos quebrar, como o de que mulher só toma vinho Rosé ou Moscatel. Vinho de homem, vinho de mulher, para mim cada um consome o que mais gosta, o que mais agrada seu paladar.
Minhas duas formações, como enóloga e como agrônoma, são, em sua maioria, ocupadas por homens, mas acredito que a mulher tenha que se posicionar e conquistar seu espaço. O que acontece, felizmente, cada vez mais”
Região Sul
Paula Guerra Schenato – vinícolas Terra Fiel e Aracuri (RS)
“Acho que o toque da mulher interfere sim no resultado do vinho. A mulher tem uma delicadeza, uma percepção para detalhes que o homem não tem. Isso é da biologia do homem e da mulher, nós temos percepções diferentes. A mulher é muito mais detalhista, o homem é muito mais abrangente na sua visão. E tem também as percepções de olfato e paladar que na mulher podem ser um pouco mais apuradas que nos homens, isso é a ciência que fala. Todas estas características a gente leva para o nosso trabalho, seja no campo, na produção do vinho na vinícola, na apresentação, no trabalho com o cliente, no caso de uma sommelière…Tem diferença sim, não vou dizer que é melhor ou pior, mas é diferente, porque biologicamente somos diferentes. Somos seres diferentes os homens e as mulheres, isso é lógico, é científico, isso com certeza expressamos no que fazemos. O trabalho de elaborar, de apresentar um vinho, de cuidar de um vinhedo, de toda a cadeia, é lógico que isso vai refletir nossa história. Acho que sim, tem uma delicadeza a mais na mulher que é passada no trabalho com o vinho”
Michele Rosso – vinícola Sanber (PR)
“Amo o mundo dos vinhos, nele sou desafiada todos os dias e isso me dá mais força ainda para fazer sempre mais. Ser mulher no mundo dos negócios não é nada fácil, enfrentamos muitas barreiras todos os dias. Agora imagina ser mulher em um mundo bem masculino, que trata com fornecedores (homens), com produtores de uva (homens), com outras vinícolas que podem ser parceiras que também são de homens. Desafiador sim, mas as barreiras estão sendo vencidas.
Acredito que a força feminina no mundo do vinho traz a sensibilidade e a resiliência que só as mulheres têm. E isso pode agregar muito. Além disso, já está mais do que na hora de derrubar rótulos de que mulheres têm cargos e profissões especificas para elas. Homens e mulheres têm características e forças que se complementam muito bem e que podem agregar em qualquer área se souberem se integrar e trabalhar juntos”
Regiões Sudeste | Norte
Jaque Barsi – Artse Vinhos (RJ)
“A Artse é uma empresa fundada e gerida por mulheres. Como sommelière sou apaixonada pela arte de fazer vinho e acredito que todo vinho é uma obra de arte. O nome da nossa marca surgiu daí: Artse. Acredito que a energia feminina é carregada de criatividade e com a Artse procuramos trazer a criatividade na experiência de beber vinho”
Flávia Cavalcanti – vinícolas Refúgio, Bramasole, Bella Quinta e Vale das Colinas (SP e PE)
“Atualmente presto consultoria enológica para alguns projetos em São Paulo e Pernambuco.
Trabalho na área desde 2005 e ao longo dos anos tive oportunidade de passar por diversos setores da cadeia do vinho, tendo me encontrado na produção…por diversas vezes, ouvi que lugar de mulher é no laboratório ou no enoturismo/comercial e isso só me fez querer mais e mais provar que lugar de mulher é onde ela quiser!
Tenho acompanhado a evolução dos vinhos nacionais e desde a época que comecei a trabalhar, vejo que as mulheres estão conseguindo aos poucos mostrar seu trabalho como enólogas, entregando toda sensibilidade em dar atenção aos detalhes…somos sim mais detalhistas, temos os sentidos mais aguçados e isso faz diferença no produto final’
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