Nobreza, transformação e alta qualidade: conheça a história do Barolo

Barolo é um nome que desperta fortes emoções em que gosta de vinhos de alta qualidade. É na região em torno deste vilarejo do Piemonte, hoje uma das mais valorizadas denominações de origem da Itália, que tem origem alguns dos melhores e mais longevos vinhos tintos do mundo. Elaborados com a variedade Nebbiolo, estes vinhos fazem jus à expressão “Rei dos Vinhos e Vinho dos Reis”.

Porém, considerando a longa história desta região, o conceito que conhecemos atualmente dos vinhos do Barolo é relativamente recente. Foi somente no século XIX que os vinhos secos tintos passaram a simbolizar a região de Langhe (onde fica Barolo), embora a Nebbiolo já tivesse uma presença de destaque nesta área. Vale a pena embarcar em uma curta viagem para conhecer melhor a história do Barolo.  

Vinhos desde a antiguidade

Há evidências de ocupação humana na região do Barolo desde o quinto século antes de Cristo, sobretudo populações que migraram da costa da Ligúria, onde já havia assentamentos gregos. Dado que nas regiões costeiras a viticultura já existia por conta dos gregos, é provável que nos séculos seguintes também na área de Langhe a elaboração de vinhos tenha começado.

As primeiras evidências, porém, datam da época romana. Alba, fundada no primeiro século antes de Cristo como Alba Pompeia, foi mencionada na obra de Plinio, o Velho. Este renomado autor citou a qualidade dos solos de Alba para as videiras. Além disso, a lápide do túmulo de um morador de Pollenzo (também na região de Lanche) da mesma época traz referência a sua profissão: mercador de vinhos.

Com a queda do Império Romano e subsequentes invasões de povos bárbaros (de onde deriva o nome Barbaresco), a área perdeu população e relevância econômica, ao menos até o ano de 1250. Foi quando a família Falletti adquiriu o vilarejo de Barolo e diversas outras áreas na região de Alba. Posteriormente esta família ganhou um título de nobreza que acabou sendo imortalizada no futuro: Marchesi di Barolo.

Transformação

Mas o vinho dominante na região de Barolo era muito diferente do atual. A região era conhecida pelos seus vinhos doces, muitos dos quais espumantes.  Em 1787, o futuro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, deu um importante relato ao visitar Turim. O vinho de Barolo, segundo seu diário de viagem, era “doce, como o aveludado Madeira, adstringente no paladar como Bordeaux e festivo como Champagne”.

Foi somente na primeira metade do século XIX que o Barolo que conhecemos hoje começou a ganhar vida. Mas existe uma grande controvérsia como isso ocorreu. De um lado, há uma narrativa que liga diretamente a família Falletti, que, com a ajuda de um enólogo francês, teria transformado a região. Porém, evidências mais recentes mostram uma história distinta, onde o papel de um militar italiano foi fundamental.

O marquês e o francês

Em 1807 Carlo Tancredi Falletti, o Marquês de Barolo, se casou com a francesa Juliette Colbert de Maulévrier. Por conta das extensas propriedades dos Falletti na região, este evento é visto como decisivo na mudança dos vinhos do Barolo. A Marquesa de Barolo, agora assumindo seu nome italiano – Giulia Falletti – teria sido a responsável por trazer para a região, na década de 1840, um amigo, o enólogo francês Louis Oudart.

O francês teria importado para a região diversas técnicas de vinificação comuns em seu país natal, sendo o pioneiro na elaboração de vinhos tintos secos. Por conta disso, em poucas décadas o Barolo se tornaria uma referência não somente para os nobres italianos, mas também de toda a Europa. Uma versão ligeiramente distinta desta história coloca o nome de Camillo Cavour, futuro primeiro-ministro da Itália unificada, como peça central na vinda de Oudart para o Piemonte, onde atuaria de forma mais intensa nos vinhedos dos Falletti.

O general italiano e a nobreza

Porém, uma análise mais criteriosa dos documentos da época coloca em xeque a trajetória descrita acima. A partir de 2004 foram identificadas evidências que colocam o general italiano Paolo Francesco Staglieno no papel principal da criação do Barolo moderno.  Staglieno foi o autor da obra Istruzione intorno al miglior modo di fare e consevare i vini in Piemonte em 1835 e isso teria levado Cavour a procurá-lo. Camilo Cavour contratou Staglieno para cuidar de sua propriedade com vinhedos (Grinzane Cavour) a partir de 1836, onde implantaria seus métodos de cultivo e produção.

Staglieno trabalhava também para a Casa di Savoia, de onde viriam os reis da Itália unificada. Na época, Carlo Alberto di Savoia (pai do futuro rei Vittorio Emanuele) contou com o especialista italiano para mudar os métodos de produção de sua propriedade no Piemonte. Com base nestas informações, Scaglieno passou a ser visto como o pai do Barolo moderno. Oudart, um negociante de vinhos, teria vindo anos depois para o Piemonte, após os trabalhos de Scaglieno para Cavour e os Savoia.

Uma biografia mais recente de Oudart parece dar apoio a esta versão. Na verdade, Oudart teria procurado Cavour com o objetivo de trabalhar na Granzane Cavour, não o contrário. Cavour teria contratado o francês não para mudar os vinhos feitos a partir da Nebbiolo, mas sim para um projeto com uvas francesas e, também, para a produção de espumantes. Curiosamente, a autora desta biografia, Anna Riccardi Candiani, não achou qualquer documento que mostrasse que Oudert e Giulia Falletti tivessem qualquer conexão entre eles.

A rainha do Barolo

Se os vinhos do Barolo como conhecemos atualmente surgiram na primeira metade do século XIX, a relação da região com a Nebbiolo é muito mais antiga. A primeira referência desta uva na região data de 1266, com outros registros em 1287. Apesar disso, ainda não existe comprovação científica de que esta variedade, a verdadeira rainha do Barolo, tenha surgido nesta área.

Porém, é no Piemonte que a Nebbiolo se sente em casa. Dos cerca de 6.000 hectares plantados com esta uva no mundo, cerca de 4.500 se situam nesta região italiana. E suas melhores expressões até hoje são em duas áreas próximas a Alba: Barolo e Barbaresco.

Consolidação e regulação

A relação de Barolo com a nobreza italiana foi apenas o ponto de partida para seu reconhecimento. A propriedade dos Falletti deu origem a um dos mais tradicionais produtores da região, Marchesi di Barolo. Já a casa real de Savoia perpetuou a Fontanafredda, anteriormente propriedade de caça, que teve boa parte de sua área convertida para vinhedos. Outras vinícolas surgiram nos anos seguintes, muitas delas existentes até hoje, como G.B. Burlotto, Pio Cesare, Oddero e Giacomo Ascheri.

Uma importante obra, datada de 1879, listou os principais vinhedos da região. De autoria de Lorenzo Fantini, é o primeiro documento ainda existente a descrever os vinhedos do Barolo. Em 1881 a cidade de Alba ganhou sua primeira escola de enologia e os vinhos da região ganharam um impulso ainda maior. Porém, a chegada da filoxera trouxe problemas sérios, inclusive com a explosão da falsificação de vinhos. Para combater estas práticas, em 1908 foi criada uma associação de produtores locais, com a delimitação de áreas em 1926. Em 1934 foi fundado o Consorzio di Tutela, ponto de partida para a denominação de origem Barolo.

Crescimento e fama

Embora já existissem referências mais antigas sobre vinhedos específicos (há menção de um vinho Cannubi de 1752) foi somente na década de 1960 que começou a prática de vinificação comercial de vinhedos específicos. Este conceito ganhou ainda mais importância após a criação das Menzioni Geografiche Aggiuntive em 2010.

Já com uma excelente reputação ao redor do planeta, o Barolo vivenciou uma forte expansão nas últimas décadas. Se em 1967 a área plantada era de 644 hectares, em 2103 ela chegou a 1,984 hectares. Proporcionalmente, a produção passou de 4,45 milhões de garrafas/ ano para 12,9 milhões no mesmo intervalo de tempo. Mesmo apesar dos conflitos internos entre produtores para a definição do estilo mais adequado (as chamadas Guerras do Barolo da década de 1970-80), esta denominação de origem firmou sua posição como a origem de alguns dos vinhos mais desejados do mundo.

Fontes: Barolo and Barbaresco: The King and Queen of Italian wine, Kerin o’Keefe; The History of Barolo, Tom Hyland, seminário via Wine Scholar Guild; Marchesi di Barolo;

Imagem: Massimo Candela via Pixabay

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