Na hora de escolher ou analisar um vinho, entender melhor quais foram as condições da safra pode fazer a diferença. Ao contrário de outras bebidas, a grande maioria dos vinhos é elaborada a partir de uvas de uma única safra. Portanto, as condições climáticas do ano em questão afetam de forma significativa a qualidade das uvas e, consequentemente, do vinho.
Mas quais seriam as condições ideais de clima para uma safra excelente? Por outro lado, que tipo de evento climático poderia prejudicar a qualidade das uvas e afetar de forma negativa os vinhos produzidos nesta safra? Podemos analisar esta questão de acordo com dois pontos de vista distintos: quantidade e qualidade.
Em busca da qualidade
Se a questão da quantidade faz uma enorme diferença para o produtor, ela tem um impacto mais limitado para o consumidor, que é quem aprecia e degusta vinhos. Sim, safras maiores ou menores podem afetar o preço dos vinhos, mas seu impacto sobre a qualidade é menos relevante. Deste modo, vale a pena focar mais na questão da qualidade.
E dentre os fatores que podem variar de acordo com a safra, o clima é certamente o mais relevante. Além de fundamental no desenvolvimento das uvas, o clima é imprevisível e praticamente impossível de ser controlado. Algumas medidas paliativas podem ser tomadas para proteger os vinhedos de eventos climáticos extremos, mas, no fundo, é a natureza quem manda.
Assim, identificar e conhecer quais são as variáveis climáticas que impactam na qualidade do vinho é fundamental. E os eventos mais relevantes estão concentrados em um período de cerca de oito meses, desde o inverno até a época da colheita, geralmente no final do verão. Quanto mais próximo da colheita, em geral, maior o impacto direto que estes eventos podem ocasionar.
Inverno e início da primavera
Mesmo antes das folhas e cachos de uvas brotarem nas parreiras, as condições climáticas podem fazer a diferença. Em regiões de regime de chuvas muito concentradas (por exemplo, invernos chuvosos e verões secos), o volume de chuvas no inverno é muito importante. Para evitar que as parreiras corram o risco de sofrer déficit hídrico mais adiante, é importante ter um inverno chuvoso, permitindo que o solo absorva água que as parreiras irão usar no período de seca.
Já na primavera, depois que as primeiras folhas e frutas tenham brotado, as condições de temperatura são fundamentais. Um exemplo de uma safra péssima neste sentido foi a de 2021, sobretudo na França. Fortes geadas afetaram os vinhedos logo após as parreiras terem brotado, com o frio extremo e gelo destruindo uma parte significativa dos brotos. Isso afetou tanto a quantidade (em algumas regiões até 90% da safra foi perdida), como também, embora em menor escala, a qualidade.
Primavera e verão
As condições climáticas da primavera e do verão são decisivas e podem modificar de forma expressiva a qualidade das uvas e, consequentemente, do vinho. De fato, condições de temperatura, exposição ao sol, chuvas e ventos desempenham um papel preponderante sobre os vinhedos. Elas definem como será o abastecimento de água da planta, quais as condições da fotossíntese, o ponto de maturação das uvas e qual será ponto ideal de colheita.
Por exemplo, um ano quente e muito seco possivelmente refletirá em vinhos mais pesados e de menor acidez. Em contraste, muitas chuvas e um clima frio podem resultar em uvas abaixo do seu ponto ideal de maturação, gerando vinhos muito ácidos e desequilibrados, com excesso de aromas vegetais. Condições climáticas desfavoráveis podem resultar também em doenças e pragas nos vinhedos. Usando novamente a safra 2021 na França como exemplo, a umidade resultante das chuvas intensas que castigaram a Europa durante o verão proporcionou o desenvolvimento de doenças nas parreiras, como o míldio.
Uma safra ideal
Com tantas variáveis em jogo, o que seria uma safra ideal? Obviamente, esta definição depende muito também das demais condições do terroir, variando de região para região. Porém, de forma geral, algumas condições são bem-vindas em praticamente todas as melhores áreas vinícolas do mundo.
No inverno e início da primavera um bom regime de chuvas é benéfico, sem eventos extremos, como geadas, ventos excessivos ou chuvas torrenciais. A primavera ideal é ensolarada, porém sem calor escaldante, enquanto o verão pode ser quente, mas sem grandes excessos, com algumas chuvas para fornecer a água necessária para a planta. O ideal é que estas chuvas não sejam muito fortes e bem distribuídas e que não ocorram nos dias que antecedem a colheita.
Obviamente, estas condições, infelizmente, não estão sempre disponíveis. Isso exige do produtor o uso de conhecimentos e técnicas, tanto no cultivo dos vinhedos como na vinificação, que possam minimizar o impacto negativo de fatores climáticos adversos. Ao mesmo tempo, porém, as condições climáticas acabam sendo o fator preponderante por trás das variações de safras, algo que torna os vinhos ainda mais fascinantes.
Impacto nos vinhos
Dependendo da região, o impacto das condições climáticas acaba sendo mais significativo. Enquanto algumas regiões não mostram tanta variabilidade (por exemplo, muitas das áreas de vinhedos irrigados na Argentina e Chile), outras são mais sujeitas ao impacto da natureza. A Borgonha é uma região fortemente afetada por eventos climáticos (qualquer vertical de vinhos da região pode evidenciar isso).
Mas ela está longe de ser a única, até porque o mundo parece cada dia mostrar eventos climáticos extremos, como consequência do aquecimento global. Geadas fora de época, chuvas ou secas extremas, queimadas, ondas de frio polar ou calor excessivo, entre outros, parecem se tornar cada dia mais parte do dia a dia dos produtores. E isso representa um desafio crescente para algumas regiões, como o Jura francês, devastado por enormes quebras de safras nos últimos anos.
Avaliação de safras
Um ponto também a ser observado é como estas safras são avaliadas. Para alguns críticos e produtores, safras quentes e secas podem ser encaradas como ideais, por conta de sua preferência por vinhos mais intensos, encorpados e robustos. Já para outros, esta mesma safra pode ser vista como ruim, já que os vinhos são menos elegantes e frescos. Existe um elemento opinativo envolvido e isso faz parte do contexto atual do vinho.
O que ninguém pode negar, porém, é que as condições climáticas são de vital importância. A imprevisibilidade devida à ação da natureza talvez seja um dos grandes segredos por trás da riqueza e complexidade dos vinhos. Muito da diversidade presente na vinicultura se deve aos fatores climáticos e, bem ou mal, são eles que permitem que desfrutemos de tantas expressões distintas quando escolhemos uma garrafa de vinho para degustar.
Fontes: Entrevistas com diversos produtores, Les œnologues font « Le Point » : qu’est-ce qu’un millésime ?
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