Os “influenciadores” do vinho e o novo normal

A coluna de novembro, assinada pelo Alessandro Tommasi e publicada aqui no site do Winefun, tratou da “delicada” relação entre as importadoras e os chamados “influenciadores” do vinho.

Quem se aventurar a mapear o ecossistema da indústria vinícola não pode ignorar o papel de destaque que os chamados influenciadores desempenham na cadeia que vai da produção ao consumo. Esse será o tema da coluna desse mês.

A diferença de formadores de opinião e influenciadores

Ao consultar o Wikipédia, encontramos a seguinte definição para formador de opinião: “uma pessoa que tem a capacidade de influenciar e modificar a opinião de outras nos campos político, social, moral, cultural, econômico, esportivo, alimentar, etc.”

Dessa forma, os formadores de opinião modificam o pensamento dos usuários a partir de conhecimentos e experiências sobre um tema, ganhando credibilidade no mercado. Os influenciadores fazem o mesmo, mas graças ao alcance e o impacto que eles têm sobre os seus seguidores em seus processos de tomada de decisão.

A diferença pode ser sutil, mas não é. O ponto importante para a discussão que virá a seguir é que o conceito de formador de opinião envolve conhecimento técnico e experiência. Já o influenciador se destaca pela capacidade de ser ouvido e impactado por muita gente. Obviamente, o influenciador do vinho pode, e de fato muitos têm, conhecimento técnico e experiência no tema. Porém, na escala de atributos a capacidade de ser ouvida por muita gente é habilidade mais importante de um influenciador.

O impacto das redes sociais e o novo normal

O isolamento imposto pela pandemia do Covid-19 redefiniu o mercado do vinho no Brasil. Ainda é cedo para “cravar” conclusões definitivas, afinal a série histórica de dados ainda não é longa suficiente para embasar afirmações robustas. Porém, podemos, sim, especular que o isolamento social estimulou muito gente a consumir mais vinho e com mais frequência. Junto com isso, novos consumidores foram atraídos para a “bebida de Baco”.

O isolamento social atuou de duas formas para esse crescimento. Inicialmente porque as refeições passaram a acontecer no lar das pessoas, contribuindo para que vinho fosse incorporado às suas rotinas diárias. Rotina diária, aliás, que foi fortemente alterada restringindo os momentos de lazer e abrindo espaços para “pequenas compensações” nos quais o vinho ocupou lugar de destaque.

Um outro impacto do isolamento social foi a busca por novas formas de lazer. Neste cenário proliferaram os eventos online, afinal as pessoas estavam trancadas em casa. Havia de tudo: música, discussões filosóficas e discussões sobre vinho. E aliás aconteceram muitas, mas muitas, lives, atraindo gente nova para o tema. As redes sociais democratizaram os debates sobre o vinho, viabilizados conversas sem limite de público. Era comum acontecer lives com menos de 10 pessoas, ao mesmo tempo que ocorriam outras com milhares.

E foi aí que proliferaram os perfis nas redes sociais de candidatos a influenciadores de vinho, todos atraídos por um life style que foi capaz de estimular os desejos e aspirações de muitas pessoas.

As importadoras antes da pandemia

A estória é conhecida e não é preciso nos aprofundarmos aqui. Até a abertura comercial, promovida no início da década de 1990, o mercado do vinho era incipiente no Brasil. Eliminadas as barreiras para importação, o mercado brasileiro foi invadido por uma enorme gama de vinhos. E veio de tudo, desde os ícones até os famosos vinhos “de garrafa azul” para literalmente matar a sede dos consumidores nacionais.

Mas compreender as várias nuances do vinho não é simples. São mais de 2.000 variedades de uvas, centenas de regiões produtoras e inúmeros estilos. No início da década de 1990, o consumidor brasileiro estava muito longe de compreender tudo isso.  E aí surgiram os “pioneiros do vinho”, gente que garimpava livros, revistas e referências sobre o tema. Apaixonados pelo assunto, estudavam, viajavam e empreendiam no setor. Surgiram assim as primeiras importadoras, os primeiros jornalistas especializados e instituições voltadas para a educação do vinho.

As importadoras assumiram um papel importante na disseminação do vinho no Brasil e formadores de opinião foram convocados para educar e ampliar a base de consumidores. O vinho “não se vendia sozinho” e precisava ser explicado. Isso obviamente fazia do vinho uma “bebida para poucos”, mas fazia sentido naquela realidade.

Os anos se passaram, o mercado evoluiu. A partir do início da década de 2010 o número de especialistas no tema foi ampliado e cursos de formação ganharam novos adeptos. Mas, de certa forma, as importadoras mantiveram a abordagem comercial tradicional. Surgiram os clubes de vinho, com o consumidor comprando uma assinatura mensal escolhidas pelo distribuidor, proliferaram os comércios eletrônicos e os eventos relacionados ao vinho.

E aí veio a pandemia em 2020

O que acontecia de forma gradual teve que ser acelerado com o início da pandemia. O comércio eletrônico, que ainda se encontrava em fase embrionária em muitas importadoras, teve que ser turbinado. Entre as importadoras e distribuidores havia aqueles que estavam fazendo a lição de casa e se deram bem. E quem estava atrasado perdeu muito espaço.

Mas a mudança fundamental foi a perda de relevância da tradicional abordagem das importadoras. O tradicional formador de opinião, encarregado de explicar o vinho, ganhou uma enorme concorrência. O comércio eletrônico, além da venda, oferece informação de forma acessível ao consumidor. Além disso, as discussões sobre vinho “ganharam as ruas” abrindo espaço para que os influenciadores ocupassem papel de destaque.

Vale dizer que já existiam influenciadores antes da pandemia. Mas na pandemia eles cresceram e se tornaram mais relevantes.

Tentando catalogar os tipos de influenciadores

Devil is in the details. A definição de influenciador abarca uma enorme variedade. A lista que será apresentada a seguir é uma tentativa que não tem a ambição de capturar todas:

O influenciador que é formador de opinião – Se fôssemos usar uma analogia com a biologia, esta categoria estaria no “topo da cadeia alimentar”. Trata-se de alguém com conhecimento e experiência no tema e que foi capaz de atrair uma grande audiência nas redes sociais.
O influenciador sem conteúdo – gente com enorme capacidade de atrair seguidores e engajamento. A abordagem com o público se aproxima ao entretenimento. São verdadeiros encantadores de algoritmos de redes sociais. Conhecem todos os truques (dancinhas, reels, etc) para atrair audiência.
Os influenciadores “chapa branca” – Quem se propõe a emitir opinião de forma pública precisa também tornar público eventuais conflitos de interesse envolvidos, sob pena de ferir princípios éticos básicos. Um educador não pode elogiar um vinho que ele representa numa sala de aula, sem explicitar o seu relacionamento comercial. Da mesma forma, um jornalista não pode ter nenhum relacionamento comercial na indústria e deve informar seus leitores se participa de um evento ou viagem patrocinado. Isso é tão óbvio que nem precisaria ser dito. Mas, infelizmente, é importante dizer sim.
Os influenciadores que buscam “parcerias” – O comportamento aqui pode até parecer singelo. O indivíduo tem outra ocupação, mas tem algum conhecimento sobre vinho e consegue uma boa audiência nas redes sociais. Alguns são tão explícitos que incluem nos seus perfis: “para parcerias enviar mensagens para o e-mail tal”. As tais parcerias dizem respeito a bonificação de garrafas e/ou convites para eventos em troca de publicações positivas.
O influenciador do vinho brasileiro – Esse sempre existiu. Mas depois da pandemia cresceu exponencialmente. Ufanista e xenófobo, defende o vinho nacional, mesmo aqueles com custo-benefício duvidoso, com unhas e dentes. Uma subespécie ainda mais aguerrida são os defensores dos vinhos do Sudeste, ou dupla poda, ou poda de inverno. Mimados e muito bem tratados pelos produtores, essa turma funciona como uma seita.

Nem tudo que reluz é ouro

Na sua coluna de novembro já citada aqui, o Alessandro Tommasi chamou a “enorme coincidência” da avalanche de publicações nas redes sociais após o Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil de 2022. Longe de ser um fenômeno isolado, trata-se apenas de um sinal dos tempos.

O mundo do vinho apenas reflete uma das características marcantes da sociedade atual. Influenciadores estão espalhados por toda parte, basta observar a cena política do Brasil de 2022. Para aqueles que só buscam informações confiáveis, a receita é a de sempre: conhecimento, busca de fontes idôneas, e buscar experiência, como degustações, para aumentar o repertório sobre vinhos.

Enfim, conhecimento e experiência são os melhores antídotos contra as fakenews do mundo do vinho.

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG, é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS, pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

Disclaimer: Os conteúdos publicados nesta coluna são da inteira responsabilidade do seu autor. O WineFun não se responsabiliza por esses conteúdos nem por ações que resultem dos mesmos ou comentários emitidos pelos leitores.

Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

Imagens: arquivo pessoal do autor

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