Uma das características principais de um vinho é a acidez. E a origem dela é um conjunto de diversos ácidos, a maioria deles presentes nas próprias uvas. Estes ácidos não somente ajudam a tornar o vinho fresco, mas também contribuem para a sua preservação. Mantidos constantes outros fatores, vinhos com acidez mais alta costumam envelhecer melhor do que aqueles com baixa acidez.
Mais quais são estes ácidos? Qual a quantidade deles encontrada nos vinhos? Como o terroir ou métodos de produção afetam esta quantidade? Como eles se transformam nas uvas ao longo do tempo e durante o processo de vinificação? Estas são apenas algumas perguntas que vale a pena responder, permitindo que você entenda melhor o que está por trás dos vinhos que aprecia.
Um quadro geral
Os ácidos respondem por uma pequena parcela da composição do vinho, mas fazem toda a diferença. Sabemos que água e o álcool correspondem a mais de 98% do vinho, deixando pouco espaço para todos os demais componentes. No caso dos ácidos, sua participação no vinho é de apenas 0,55% a 0,85% do total, com medição de formas distintas.
Um dos indicadores de acidez é o pH, porém ele tem foco principal na intensidade dos ácidos, não na sua quantidade. Uma medida mais difundida para falar em quantidade é a de acidez total, mas ela é de difícil mensuração, até porque são diversos ácidos combinados. Por conta disso, o conceito mais comum é o de acidez titutável (AT, ou titratable acidity, em inglês). No caso do vinho, geralmente acaba sendo expresso em gramas de ácido por 100 mililitros de vinho.
Grande parte dos ácidos presentes no vinho recebe a classificação de ácido fixo, pois não são voláteis e são quase inodoros. A maioria dos ácidos fixos tem origem na uva e seguem no vinho. No entanto, há exceções. Algumas bactérias podem produzir ácido acético no vinho, que é diferente dos outros ácidos. O ácido acético recebe a classificação de ácido volátil porque evapora facilmente, além de ter um odor distinto. Quem conhece um defeito chamado acidez volátil sabe bem o que é isso.
Um pouco de química
Para quem quiser saber um pouco mais da química envolvida, siga aqui. Ou, caso contrário, pule para o próximo bloco. Em contato com a água, algumas moléculas ácidas ionizam-se enquanto outras permanecem inalteradas. Cada molécula de ácido ionizado se divide em duas partes separadas. Uma parte é um átomo de hidrogênio (menos o elétron), e a outra parte é o restante da molécula de ácido.
Ambas as partes têm carga elétrica, e ambas são chamadas de íons. Uma carga elétrica positiva é transportada pelo íon hidrogênio, e uma carga negativa pelo íon ácido. O restante das moléculas ácidas (que se mantiveram inalteradas) permanece na solução de água. O número de íons de hidrogênio produzidos, porém, pode ser grande ou pequeno. Quando muitas moléculas de ácido ionizam, o ácido recebe a classificação de ácido forte. Caso contrário, quando apenas algumas moléculas de ácido ionizam, ele se torna um ácido fraco. Mas, vale relembrar, é o pH que mede a intensidade, não a AT.
Principais ácidos do vinho
Apenas alguns ácidos recebem a classificação de “forte” na natureza. Todos os ácidos orgânicos encontrados no vinho são ácidos fracos, porém alguns mais fortes do que outros. O ácido tartárico é classificado como fraco, pois cerca de uma em cada 900 moléculas ioniza-se na água, com as outras 899 moléculas inalteradas. Já o ácido málico é ainda mais fraco, já que apenas uma em cada 2.500 moléculas ioniza na água.
Assim, o ácido tartárico é cerca de 2,7 vezes mais forte do que o ácido málico, pois produz 2,7 vezes mais íons de hidrogênio do que uma quantidade equivalente de ácido málico. Estes dois ácidos merecem atenção especial, pois são os mais comuns no vinho, como mostra a tabela abaixo.
Tipo de ácidoQuantidade (gramas/litro)Tartárico1 to 5Málico1 to 4Succínico0,4 to 1Láctico0,1 to 0,4Cítrico0,04 to 0,7Acético0,05 to 0,5
Por ser o ácido principal e de maior força que os demais, o ácido tartárico acaba servindo de referência. As medidas de AT, que somam a quantidade de todos os ácidos, são calculadas (através de conversões) como se todos os diferentes ácidos do vinho fossem ácido tartárico. Dito isso, vale a pena conhecer em detalhes cada um dos ácidos do vinho.
Ácido tartárico
O ácido tartárico é simbólico para o vinho, por vários motivos. Para começar, poucas frutas, além das uvas, contêm quantidades significativas de ácido tartárico. Por conta disso, arqueólogos buscam exatamente por ele quando analisam evidências de vinho em recipientes antigos, sobretudo ânforas. Além disso, cerca de metade a dois terços do teor de ácido das uvas maduras é ácido tartárico, relembrando que ele é o mais forte dos ácidos das uvas.
Ele é responsável por boa parte do sabor do vinho, e contribui tanto para a estabilidade biológica quanto para a longevidade do vinho. Ao contrário de outros, a quantidade de ácido tartárico nas uvas permanece praticamente constante durante todo seu período de maturação. No entanto, a situação no vinho é diferente, pois a quantidade de ácido tartárico costuma diminuir lentamente.
Tanto o potássio quanto o cálcio combinam-se com o ácido tartárico e formam compostos de bitartarato de potássio e tartarato de cálcio. Em seguida, cristais desses dois materiais precipitam para fora do vinho durante a fermentação. Estes tartaratos podem continuar a precipitar-se durante muito tempo. Assim, o vinho envelhecido geralmente contém cerca de dois terços do ácido tartárico originalmente presente nas uvas, devido à precipitação de tartarato.
Ácido málico
O ácido málico está presente em muitos tipos de frutas, sendo responsável, por exemplo, pelo sabor azedo das maçãs verdes. O ácido málico é um ácido biologicamente frágil, e facilmente sofre metabolismo pela ação de tipos diferentes de bactérias. Ao contrário do ácido tartárico, o teor de ácido málico das uvas diminui ao longo do processo de maturação, e as uvas cultivadas em climas quentes geralmente contêm menos ácido málico.
Já uvas cultivadas em regiões frias, de forma geral, contêm mais ácido, o que pode resultar em vinhos excessivamente azedos. Durante a fermentação alcoólica, um pouco de ácido málico sofre metabolismo, e o teor de ácido málico cai cerca de 15%. Mas é a fermentação malolática que faz a diferença. Quando o vinho passa por fermentação maloláctica, bactérias convertem boa parte do ácido málico em ácido lático.
O ácido málico, porém, não é biologicamente estável, exigindo cuidado quando da elaboração dos vinhos. Quando é deliberadamente mantido para melhorar o equilíbrio ácido do vinho, podem ser necessárias medidas especiais para evitar que uma nova fermentação maloláctica ocorra após o vinho ser engarrafado.
Ácido cítrico
Apenas pequenas quantidades de ácido cítrico estão presentes nas uvas. Somente 5% do ácido total nas uvas é cítrico. Como o málico, porém, o ácido cítrico sofre fácil conversão por conta da ação de microrganismos. Por exemplo, o ácido cítrico pode converter-se em ácido láctico, algo sem impacto dramático no vinho. Porém, alguns tipos de bactérias podem transformar ácido cítrico em acético, e isso pode ser preocupante. Quantidades excessivas de ácido acético nunca são desejáveis no vinho, de forma que a conversão de ácido cítrico em acético pode ser um problema sério.
Ácido succínico
O ácido succínico resulta da ação das leveduras, e pequenas quantidades deste ácido surgem durante a fermentação. A produção de ácido succínico se interrompe, porém, quando a fermentação alcoólica está completa. O sabor do ácido succínico é uma mistura complexa de sabores: azedo, salgado e amargo. Ele é responsável pelas características especiais de sabor que todas as bebidas fermentadas têm em comum. Uma vez formado, o ácido succínico é muito estável, e raramente sobre impacto de ação bacteriana.
Ácido láctico
O ácido láctico, como o nome indica, é o principal ácido encontrado no leite. As uvas, por sua vez, contêm muito pouco ácido láctico. Todos os vinhos, porém, contêm algum ácido láctico, e alguns vinhos podem conter quantidades significativas, por conta de processos utilizados durante a vinificação. O ácido láctico no vinho pode se formar de três maneiras diferentes.
Uma pequena quantidade se forma a partir de açúcares, por conta da ação de leveduras durante a fermentação alcoólica. Já a fermentação maloláctica gera grandes quantidades de ácido láctico, em função da conversão de ácido málico por bactérias . Por fim, tanto o ácido láctico como o acético podem ser produzidos por bactérias lácticas a partir dos açúcares, glicerol e até do ácido tartárico do vinho.
Ácido acético
Todos os ácidos discutidos acima são ácidos fixos, que, por não evaporar facilmente, ganham este nome. Além disso, vale lembrar que os ácidos fixos não têm odores significativos. O ácido acético, por outro lado, é totalmente diferente. Por conta de sua alta pressão de vapor, é volátil (evapora muito facilmente) e tem um odor característico.
Assim como no caso do ácido láctico, as uvas contêm muito pouco ácido acético, mas ele pode surgir de várias formas durante o processo de vinificação. Pequenas quantidades de ácido acético se formam pela ação das leveduras durante a fermentação alcoólica. Uma quantidade maior aparece durante a fermentação maloláctica, e ainda maior quando bactérias convertem o ácido cítrico.
Já em fermentações interrompidas, as bactérias lácticas frequentemente convertem açúcar residual em ácido acético. O maior problema, porém, vem da ação das bactérias do vinagre, as acetobactérias. Elas convertem o álcool etílico do vinho em ácido acético e, na presença de ar, as acetobactérias podem produzir grandes quantidades de ácido acético.
Fontes: I Taste Red, Jamie Goode; The Taste of Wine: Acid, Sweetness, and Tannin, Guildsom; A Detailed Explanation of Acids Used in Wine Making, “The Home Winemakers Manual”,Lum Eisenman.
Imagem: Gerada via IA com Magic Media da Canva
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