O mapa da viticultura da Itália mudou nas últimas décadas. Nos últimos 40 anos, a área plantada de vinhedos vem caindo de forma significativa em grande parte do país, refletindo dois fatores principais. De um lado, políticas de redução de área plantadas impostas pela União Europeia e, de outro, novos hábitos de consumo, com forte queda do consumo per capita de vinho. O resultado? Entre 1982 e 2021, a superfície de vinhedos caiu de 1.142 mil para 636 mil hectares, uma contração de quase 45%.
Porém, uma análise dos dados a nível regional mostra uma equação mais complexa. Dentre todas as regiões italianas, somente três conseguiram ampliar suas áreas de vinhedos no mesmo período. Foram as três regiões do Nordeste da Itália: Vêneto, Friuli-Venezia Giulia e Trentino Alto-Ádige. Elas conseguiram conter a tempestadeao apostar em dois conceitos: Prosecco e Pinot Grigio.
Com cerca de 750 milhões de garrafas vendidas em 2021, Prosecco certamente representa o maior sucesso comercial da vinicultura italiana neste século. Porém, estes espumantes produzidos a partir da uva Glera tem como parceiros de sucesso os vinhos elaborados a partir da Pinot Grigio. Com quase 300 milhões de garrafas comercializadas em 2021 e com muita força também dos mercados externos, Pinot Grigio se tornou, da mesma forma, sinônimo de lucros e novos vinhedos.
Explosão na área plantada
A expansão da área de vinhedos do Triveneto (área que combina as três regiões do Nordeste italiano) reflete o explosivo crescimento das parcelas plantadas com Glera e Pinot Grigio nas últimas décadas. Em 2000 os vinhedos de Pinot Grigio na Itália somavam 6.668 hectares, o que a colocava em quinto lugar entre as uvas brancas, representando apenas 10% da área plantada da líder Trebbiano. Sua parcela dos vinhedos totais era de pouco menos que 1%.
Em 2015, o quadro já havia mudado completamente. Com 24.500 hectares, a Pinot Grigio superou a Chardonnay (20 mil hectares) e reduziu significativamente a diferença em relação às líderes Trebbiano e Catarratto, que experimentaram forte contração da área plantada. A parcela da Pinot Grigio nos vinhedos totais italianos, consequentemente, cresceu para quase 4%. E a tendência continuou, com quase 31 mil hectares de vinhedos em 2018.
Revolução de estilo
O crescimento da área de vinhedos reflete o enorme sucesso comercial dos vinhos elaborados com a Pinot Grigio. Se no passado esta uva era mais associada a vinhos com leve maceração, chamados Ramato, uma vinícola mudou esta percepção. Na década de 1950, o conde Gaetano Marzotto, da vinícola Santa Margherita adotou uma abordagem diferente de vinificação. Ele passou a fermentar a Pinot Grigio sem suas cascas, para criar um vinho claro e brilhante. Introduzido ao mercado italiano em 1951, este vinho mais fresco e frutado rapidamente ganhou uma legião de fãs.
Chegou ao mercado norte-americano na década de 1970 e, em 1979, foi escolhido como o melhor vinho branco italiano em uma degustação às cegas. Isso ajudou a mudar os hábitos de consumo de vinhos brancos nos Estados Unidos. Atualmente, a Pinot Grigio é a segunda uva branca mais consumida pelos norte-americanos, somente atrás da Chardonnay. E, embora os vinhedos desta variedade tenham crescido também por lá (os Estados Unidos têm hoje a segunda maior área plantada desta variedade no mundo), a Pinot Grigio italiana ainda reina absoluta.
Sucesso e nova denominação de origem
Com a significativa demanda do mercado externo, a produção italiana de Pinot Grigio cresceu rapidamente. Em 2021, o volume produzido atingiu 2,4 milhões de hectolitros (cerca de 298 milhões de garrafas), dos quais 1,8 milhão (77%) com denominação de origem ou indicação geográfica. Para ter uma ideia deste volume, neste mesmo ano a produção total de vinhos da Áustria (na época 17ª maior produtor do mundo) foi de 2,5 milhões de hectolitros
O enorme sucesso comercial da Pinot Grigio ajudou a mudar a viticultura no Triveneto. Em 2017 foi criada uma denominação de origem específica, a Pinot Grigio delle Venezia DOC. Ela cobre a totalidade das regiões do Vêneto e do Friuli-Venezia Giulia, mais a província de Trento, que faz parte da região Trentino-Alto Adige. Em termos de volume de produção, é a segunda maior denominação de origem da Itália, somente abaixo da Prosecco DOC. A título de ilustração, ela produz quase quatro vezes mais que a Chianti DOC.
Os vinhos elaborados a partir da Pinot Grigio ocupam o primeiro lugar entre os vinhos brancos tranquilos mais exportados pela Itália. Vale lembrar que o principal foco segue no mercado externo, que absorve cerca de 95% das vendas. Os principais destinos são Estados Unidos (com cerca de 42% das exportações) e Reino Unido (27%).
Perspectivas e riscos
Após o crescimento explosivo nas últimas décadas, quais as perspectivas para a Pinot Grigio na Itália? Dois fatores importantes devem ser levados em consideração. Em primeiro lugar, existe uma dependência muito grande em relação aos mercados externos. Como o mundo do vinho vive de ciclos e modismos, isso pode representar um risco para os produtores italianos de Pinot Grigio.
Outro ponto importante é o encarecimento das terras no Triveneto. Por conta da forte demanda nos últimos anos, o custo do hectare de vinhedos no Vêneto fica entre os mais altos, em termos regionais, da Itália. Isso representa um obstáculo importante para futuros aumentos da área plantada, podendo colocar em xeque a expansão da Pinot Grigio na região.
Fontes: DelleVenezie DOC; Il Correire Vinico; Il Pinot Grigio è tra i vitigni più coltivati in Italia; The story of an Italian success: 60 years of Pinot Grigio of Santa Margherita, WineNews; What is Ramato Wine?: Changing the Way You Drink Pinot Grigio; Scheda di settore vino, ISMEA; Why Pinot Grigio Has Been Unstoppable for More Than 50 Years; Pinot Grigio italiano: un “fenomeno” cui brindare, Winecouture; Il Pinot Grigio italiano cresce nel mondo, e migliora il suo posizionamento. Soprattutto in Usa e Uk, WineNews
Imagem: DelleVenezie DOC
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