Vamos falar de Beaujolais?

Os vinhos de Beaujolais são normalmente associados com as espalhafatosas ações promocionais que acontecem anualmente na terceira quinta-feira de novembro em todo mundo. Nesse dia é lançado o Beaujolais Noveau.  Mas a região vai muito além desse estilo particular. E ainda bem. Este será o tema da coluna do mês.

Beaujolais, uma região ou sub-região vinícola da Borgonha?

É comum encontrarmos referências, especialmente em livros mais antigos, de Beaujolais como a “quinta” sub-região da Borgonha. As outras seriam Chablis, Côte d’Or (subdividida em Côte de Beaune e Côtes de Nuits), Côte Chalonnaise e Mâconnais.

E essas referências são baseadas em fatos históricos. Até a Revolução Francesa, Beaujolais era parte da província da Borgonha, assim como seus vinhos. Apesar de ainda existirem referências de Beaujolais como sub-região borgonhesa, as principais instituições internacionais como o WSET, WSG, GuildSomm e Society Wine of Educators, assim como no Brasil a ABS – Associação Brasileira de Sommelier – tratam Beaujolais como uma região vinícola independente. E isso faz todo sentido.

Beaujolais e seu terroir

Em poucas palavras, o terroir pode ser entendido como a interação entre o homem e a natureza que resulta na produção de um estilo de vinho com tipicidade única. E neste contexto, a natureza imprimiu a Beaujolais (e de certa forma ao Rhône Norte) algumas características que a tornam uma espécie de transição entre o centro-norte da França e o sul.

E Beaujolais é realmente diferente de seus vizinhos. Começando pelo clima que é semi-continental. Além disso, sua geologia e solos são diferentes dos observados na Borgonha, ao norte, além das região localizadas ao do Sul, como o Rhône, Provence e Languedoc.

A parte norte da região é constituída por um solo de origem granítica, criado há 300 milhões de anos. Tempos depois esse granito foi empurrado para a superfície. Isso aconteceu há cerca de 33 milhões de anos atrás, tendo sido acompanhado de calor e pressão os quais metamorfosearam a lava e as cinzas resultando numa rocha folhada, o famoso xisto, que aparece na superfície junto com o granito. Já o Sul é completamente diferente. São solos antigos, mas não tão antigos quanto o granito e xisto do norte, tendo predominância de argila e calcário.

Isso tudo tem uma importância fundamental para entender os vinhos da região. A uva Gamay se expressa de forma completamente diferente nestes dois tipos de solo. E isso explica, em parte, a enorme variação no estilo dos vinhos de Beaujolais, como veremos a seguir.

A variedade de uva Gamay

Responsável por 98% da área plantada em Beaujolais, a Gamay, também conhecida como Gamay Noir à Jus Blanc é onipresente nos tintos e rosés. E o detalhe interessante é a origem dessa casta: a Borgonha. Os monges viticultores definiram o estilo do tinto da Borgonha como um vinho varietal produzido com a Pinot Noir.  E os religiosos, em conjunto com a nobreza proprietária dos grandes vinhedos, tentaram sem sucesso expulsar a Gamay de solos borgonheses.

Ocorre que, por ser uma uva vigorosa e de alto rendimento quando comparada com a “geniosa e problemática” Pinot Noir, ela sempre foi preferida pelos pequenos agricultores que priorizavam quantidade. Ainda hoje, Gamay representa 2% da área plantada da Borgonha.

Nas encostas graníticas de Beaujolais, assim como em parte do Mâconnais, produz vinhos aromáticos, delicados e muito agradáveis. Já nos solos ricos em argila e calcário (sul de Beaujolais e na Borgonha) produz vinhos mais rústicos. Isso explica por que não é possível falar de um único estilo de Beaujolais.

Le Beaujolais Nouveau est arrivé!

No início do século 20 os frequentadores dos cafés e bistrôs de Lyon cultivavam, e adoravam, o hábito de consumir o Beaujolais recém engarrafado e produzidos com uvas colhidas há poucas semanas. Beber o primeiro vinho da safra, o primeiro a ser colocado no mercado não é uma exclusividade do Beaujolais. Porém, a uva Gamay é particularmente adequada para esse tipo de consumo, pelo seu frutado delicado e seu baixo teor de taninos.

Na década de 1950 os parisienses aderiram fortemente essa tradição de Lyon, que logo se espalhou pelo mundo. A coincidência da data de lançamento, com o feriado de Thanksgivings nos Estados Unidos, emplacou o Beaujolais Nouveau no maior mercado consumidor de vinhos do mundo, dada a feliz harmonização do vinho com o prato da celebração, o peru assado e acompanhado de farofa de frutas.

Assim, na terceira quinta-feira de novembro, restaurantes do mundo todo “festejam” o Beaujolais Nouveau, um vinho que deve ser entendido neste contexto. Uma bebida simples e divertida, para ser consumida o mais breve possível. O enorme sucesso comercial e o peso desse estilo na região (cerca de 30% do volume e ainda mais representativo na exportação) imprimiu na mente de muitos consumidores a falsa impressão de que esse seria o único estilo da região.

Denominações de Beaujolais

Há 96 vilarejos que podem produzir Beaujolais e doze Apelações de Origem Controladas.

Beaujolais AOC corresponde a vinhos produzidos com uvas provenientes de qualquer um dos 96 vilarejos da área. Deve ser entendido como uma apelação regional, com vinhos mais simples e heterogêneos. O Beaujolais Nouveau se enquadra nessa categoria.

Beaujolais Villages AOC foi criada em 1950 e deve ser entendida como uma categoria intermediária entre a regional e os Crus. 38 vilarejos podem fornecer uvas para AOC Village e o produtor pode misturá-las conforme sua conveniência.

Já os Crus de Beaujolais são dez AOC, correspondente a 10 vilarejos, ou zonas de produção, cujos vinhos devem ser elaborados apenas com uvas cultivadas na área delimitada. A figura abaixo, extraída da edição de março de 2015 da Decanter Magazine, apresenta a área dessas dez apelações, todas elas localizadas na parte norte da região.

Os Crus de Beaujolais tendem a entregar a bela fruta da Gamay, porém com mais estrutura. São vinhos mais trabalhados e refletem a estrutura dos seus terroirs. Costumam ter mais potencial de evolução com a guarda e serem elaborados com um percentual maior de vinhas velhas e nos solos de origem granítica. Além disso a vinificação é mais cuidadosa, com contato mais longo com as cascas na fermentação e uso parcimonioso de madeira. São os vinhos mais complexos da região.

Beaujolais, uma região vinícola em ascensão

Há uma notória evolução nos vinhos da região, capitaneada pelos Crus do Beaujolais. Uma série de safras recentes, incluindo a excepcional 2009, reforçam o diferencial das vinhas velhas nos melhores terrenos e que são potencializadas por uma elite de produtores de qualidade.

Região relativamente pouco badalada, tem potencial de oferecer vinhos com relação de preço e qualidade interessantes. Vale sim muito a pena prestar atenção em Beaujolais.

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG, é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS, pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

Imagem: Decanter Magazine

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