As fronteiras do mundo do vinho são muito extensas. Mesmo quando o foco é direcionado somente à Europa, existem muitos países produtores, com enorme diversidade e muita tradição. Se Itália, França e Espanha dominam o cenário local, respondendo por mais de 81% da produção na União Europeia, não faltam alternativas. Há mais de 20 outros países elaborando vinhos na região.
E um deles é a Bulgária. Atualmente com a nona maior área de vinhedos da União Europeia, este país dos Balcãs tem uma longa tradição na vinicultura e já chegou a ser um dos cinco maiores exportadores de vinho do mundo. Atualmente, divide sua produção entre uvas internacionais e autóctones, com seus vinhos ganhando qualidade e deixando para trás um passado turbulento.
Tradição milenar
A área que atualmente compõe a Bulgária tem uma longa história, com algumas das primeiras aglomerações urbanas do continente europeu. Evidências arqueológicas mostram que a chamada “Cidade dos Pássaros”, datada de 4.800 antes de Cristo, foi uma das primeiras áreas onde houve processamento de ouro no mundo. Neste mesmo sítio arqueológico foram achadas sementes de uvas, porém ainda sem comprovação de elaboração de vinhos.
Não se sabe exatamente quando a vinicultura começou na Bulgária, mas os trácios (habitantes da região na Antiguidade) tinham o vinho no centro de sua cultura. Há menções sobre os vinhos da Trácia já nas obras de Homero e existem escavações arqueológicas que identificaram ânforas e jarros usados para armazenar e servir vinho. Um exemplo é Tesouro de Panagyurishte, datado entre 300 e 400 anos antes de Cristo, que contém cálices de ouro usados para o consumo de vinho.
A vinicultura não somente continuou, mas prosperou após a chegada dos romanos aos Balcãs. Porém, após a queda do Império Romano, começou uma longa fase de declínio. Durante o Primeiro Reino Búlgaro, no século IX, o soberano Chan Krum aprovou uma lei para a extração das vinhas no país, por conta do crescente alcoolismo. Com a invasão e controle da região pelo Império Otomano (1396-1878), a produção sofreu novo impacto, por conta das proibições determinadas pela crença islâmica.
Renascimento e novo cenário
Após a libertação da Bulgária em 1878, a indústria vitivinícola registou um rápido crescimento e, em 1897, a superfície total de vinhas plantadas atingiu 115.000 hectares. Durante esse tempo, a filoxera se espalhou pela Europa, chegando aos vinhedos da Bulgária em 1884. A praga destruiu a maioria das videiras ancestrais do país e pôs fim à sua viticultura tradicional. A renovação das videiras começou somente em 1906 e ganhou força após o fim da Primeira Guerra Mundial.
O desenvolvimento da viticultura búlgara foi rápido nas décadas de 1920 e 1930, com o surgimento das cooperativas. Estas uniões de produtores transformaram a produção de vinho na Bulgária, de pequenas empresas privadas para as bases de uma futura indústria vitivinícola. A maioria dessas cooperativas foi construída com cooperação e know-how austríacos e de outros países da Europa Ocidental. Com este forte impulso, a área de videiras atingiu 200.000 hectares pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
Comunismo e exportação
Após a adoção do comunismo na Bulgária em 1944, a produção de vinho passou a ser um monopólio estatal. Não foram poucas as oportunidades quando videiras foram destruídas devido às campanhas antialcoolismo de Moscou. Foi no período de influência soviética (que só acabou em 1989) que houve a plantação em massa de variedades de uvas internacionais, como Rkatsiteli, Merlot, Cabernet Sauvignon, Chardonnay, Muscat Ottonel e Traminer.
O período comunista trouxe um novo perfil para o vinho búlgaro, gradualmente transformando este país do Balcãs em um dos maiores exportadores mundiais de vinho. Por algumas décadas, o mercado para vinhos búlgaros limitou-se à União Soviética e países da Cortina de Ferro. Na década de 1980, os vinhos búlgaros ganharam espaço em alguns mercados ocidentais, alcançando sucessos no Reino Unido, Japão, Alemanha e outros. Porém, 90% das exportações de vinho ainda tinham a União Soviética como destino.
Com a demanda em alta, em 1985 a Bulgária chegou a ser o quarto maior exportador mundial de vinho em garrafas. Sua produção chegou a cerca de 4,5 milhões de hectolitros ao ano, com foco maior em quantidade do que qualidade. Caso fosse mantido, este volume atualmente garantiria a 12ª posição no ranking mundial de produtores, à frente de países como China, Nova Zelândia e Áustria.
Um novo cenário
As mudanças na União Soviética definiram os rumos da vinicultura búlgara nos anos seguintes. As políticas antialcoolismo adotadas por Mikhail Gorbachev a partir de 1985 e o posterior colapso da União Soviética derrubaram a produção de vinhos na Bulgária. O volume total produzido fechou 1990 em apenas 1,9 milhão de hectolitros.
Desde a democratização da Bulgária (1989) e posterior entrada na União Europeia (2007), o cenário da vinicultura mudou novamente. Em 1991 os vinhedos voltaram para a posse dos herdeiros pré-1944 e as vinícolas foram privatizadas. Isso não impediu, porém, que a Bulgária ainda seja o país da EU com maior área média de vinhedos por produtor (35,3 hectares), bem acima da média de 15 hectares do bloco.
A contração da viticultura, todavia, segue até os dias de hoje. O relatório de 2019 do Ministério da Agricultura reportou uma área total de videiras de 64.400 hectares em 2018, uma queda de 37% frente a 2009. Mais importante, a área de vinhedos utilizados para a produção de vinho caiu para apenas 29.382 hectares (18.055 hectares para variedades tintas e 11.327 ha para brancas). A Bulgária não aparece na última relação dos maiores produtores mundiais de vinho, pois atualmente produz menos de 1 milhão de hectolitros.
Variedades plantadas
Não há estatísticas recentes sobre a área plantada por variedade. Os únicos dados públicos datam de 2013, com uma área total de cerca de 60.000 hectares de vinhedos, mostrando a Merlot como líder, seguida pela Cabernet Sauvignon. Porém, estes números devem ser analisados com cuidado, pois muitos destes vinhedos não estão mais em produção. Além destas duas uvas bordalesas, há também áreas extensas de outras variedades internacionais, como Rkatsiteli, Muscat Ottonel, Chardonnay e Traminer.
Algumas variedades autóctones, porém, também chamam a atenção. Entre as tintas, a Pamid parece ser a mais plantada, porém resulta em vinhos simples e leves, destinados ao consumo rápido. Outras variedades de destaque são Ganza (conhecida como Kadarka em países vizinhos, leve e elegante), Mavrud (com muita tradição e origem de vinhos mais estruturados), Rubin (cruzamento entre Nebbiolo e Syrah) e Melnik. Entre as brancas, apenas a Dimyat se destaca (sobretudo para a produção de destilados), em um contexto dominado pelas uvas internacionais.
Principais regiões
Após a democratização do país, reorganização da atividade vitivinícola e entrada na União Europeia, as áreas vinícolas da Bulgária foram segmentadas em quatro regiões. Atualmente, porém, o país é dividido em apenas duas grandes Indicações Geográficas: a Planície do Danúbio e os Vales da Trácia. Esta divisão, todavia, é criticada de forma contundente, pois não corresponde a regiões homogêneas.
Há sugestões para dividir o país em nove indicações geográficas, melhor refletindo as condições de terroir, parcialmente baseadas na divisão do país em cinco áreas distintas. A Planície do Danúbio corresponde às áreas a noroeste, em uma região de clima continental e foco maior em uvas brancas. As Costas do Mar Negro, com cerca de 30% da produção, também mostram melhores condições para as variedades brancas.
Os Vales da Trácia mantem produção maior em variedades tintas internacionais, com elaboração de vinhos mais encorpados e densos. O Vale das Rosas, para muitos, apresenta o melhor terroir para vinhos de alta qualidade do país. Por fim, o Vale de Struma, próximo da Macedônia e norte da Grécia, é uma das regiões mais quentes da Bulgária, também com predominância de uvas internacionais.
Fontes: Bulgarian Wine – from Antiquity till Modern Times, Nicoletta Dicova; Bulgarian Wine Company; OIV; Jancis Robinson; Wine Folly; World of Food and Drink; Criterion
Mapas: Wine Folly; World of Food and Drink
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