O vinho tem uma história milenar e vem desempenhando um papel importante no desenvolvimento da humanidade. Mas de onde vem esta relação muito próxima entre pessoas e o líquido elaborado através da fermentação de uvas? Por que escolher a uva como planta, já que não faltam outras opções na natureza?
Se hoje o vinho é visto muito mais como um objeto de desejo, uma forma líquida de prazer, durante milênios este não foi o seu único papel. Por muitos séculos, o vinho, além de trazer prazer ao seu consumidor, também teve duas funções adicionais: servir como alimento e como remédio. De fato, até o século XIX, o vinho ainda era base da dieta alimentar de uma parcela relevante da população e um dos principais remédios, usado para diversas terapias.
Fonte de prazer
O álcool é certamente uma das drogas mais populares do mundo. Ele tem propriedades que alteram nossa forma de pensar, sobretudo pela liberação de endorfinas e encefalinas, substâncias que reduzem a percepção de dor e que produzem sensação de euforia. E antes da descoberta e popularização do processo de destilação, que permite a elaboração de bebidas com maior teor alcóolico, o vinho era a forma mais fácil e eficiente de produzir uma bebida alcóolica que impactasse de forma significativa nosso cérebro.
Embora muito se discuta sobre o papel de outras drogas psicotrópicas na Antiguidade, como coca ou peyote na Américas, ou haxixe no Velho Mundo, o vinho teve um papel central. É muito difícil discordar de que o vinho tenha sido, ao longo de séculos, a principal droga da humanidade. Porém, como mencionado anteriormente, seu papel ia muito mais além.
Remédio de múltiplas funções
Em seu livro Ancient Wine, o arqueólogo Patrick McGovern, chamado por muitos como o “Indiana Jones” do vinho, pela sua enorme contribuição na busca das origens da vinicultura, foi categórico. “Vinho foi o principal agente medicinal durante as épocas antigas, medieval e no início da era moderna, até o século XIX”. Teria sido somente a partir de então que outros compostos curativos, que foram isolados e purificados, ou mesmo sintetizados, começaram a tomar seu papel.
O vinho teria sido ingrediente mais usado na cura de doenças em civilizações antigas como no Egito, Mesopotâmia e Síria. Além disso, pessoas que bebiam bebidas alcóolicas (sobretudo o vinho) possivelmente tinham uma expectativa de vida maior do que aqueles que consumiam somente água. Contribuía para isso o conjunto de propriedades antissépticas e antioxidantes do vinho. Além disso, por conta de seu relativamente alto teor alcóolico, o vinho era usado como meio para a ingestão de outros remédios.
Por exemplo, no Egito antigo, os testículos de jumentos eram transformados em pó e adicionados ao vinho para curar epilepsia. No Talmud judaico, há menções do uso de vinho quente e uma espécie de açafrão selvagem para tratar a impotência. E não faltam outros exemplos, desde o uso de vinhos com ervas para reduzir a dor de estômago na área do atual Líbano, até vinho com arruda para cuidar de feridas e picadas na Roma Antiga.
Alimento funcional
Até por conta de suas propriedades mencionadas acima, o vinho também desempenhava um papel adicional: servia como alimento. Em regiões produtoras de vinho, ele passou a ser usado como alimento funcional, como parte integrante da dieta do dia a dia. O processo de fermentação faz o valor nutricional da uva aumentar, transformando o vinho em uma importante fonte de açúcares e outros componentes, principalmente para as camadas menos favorecidas da população.
Quem ainda não escutou as histórias de camponeses em países como Itália, França, Portugal ou Espanha, nas quais o vinho fazia parte da dieta diária, dividindo espaço com pão, hortaliças, frutas e carnes? Se o conceito de vinho como alimento possa parecer até bizarro atualmente, no passado o vinho era um dos “segredos” por trás da capacidade das pessoas suportarem as dificuldades do trabalho manual pesado.
Pacote completo
Embora atualmente seu papel como alimento tenha sido minimizado pela popularização de outras culturas, ainda existe muita discussão sobre seu papel como remédio. De um lado, existe uma pressão para colocar o álcool como um potencial substância cancerígena. Porém, de outro, numerosos estudos apontam benefícios do vinho para nossa saúde. Seja para reduzir a pressão arterial ou trazer impactos positivos para a saúde cardiovascular ou intestinal, o papel benéfico do vinho para a saúde ganhou uma espécie de renascimento.
E sua função como droga? Atualmente o vinho está longe de ser a primeira escolha para quem busca substâncias que permitam mascarar ou esquecer a realidade, ou mesmo buscar alívio para dores no corpo e na alma. Desde bebidas muito mais alcóolicas até substâncias naturais ou sintéticas, sejam elas legais ou não, não faltam alternativas mais “eficientes” que o vinho.
Porém, isso não significa que o vinho, desde que consumido com moderação, possa seguir sendo uma imensa fonte de prazer. Seja pelos efeitos em nosso cérebro ou outras partes do corpo, o vinho certamente tem uma posição de destaque para quem aprendeu a conhecê-lo e desfrutá-lo. Não é toa que muitos momentos marcantes de nossas vidas sejam comemorados com uma taça de vinho. Este fascinante fermentado de uva segue, desde a Antiguidade, sendo um companheiro ideal para o prazer e a felicidade.
Fontes: Ancient Wine, Patrick McGovern; A História do Vinho, Hugh Johnson
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