Você certamente já deve ter ouvido falar dos vinhos naturais, que vêm ganhando crescente participação. Mas também deve ter se deparado com os sustentáveis, orgânicos, biodinâmicos e veganos. E, para piorar, ainda vem aqueles, como nós, que adotam a expressão vinhos de baixa intervenção. Como decifrar isso?
Para começar a esclarecer estes pontos, primeiro precisamos dividir o processo de elaboração do vinho em duas partes: o que se refere à uva e o que diz respeito ao vinho. De um lado, precisamos entender qual a forma de agricultura adotada para o cultivo das uvas que darão origem a este vinho. De outro, conhecer os processos que são adotados para a vinificação, ou seja, o conjunto de técnicas que são praticadas desde o momento quando a uva é colhida até o engarrafamento.
Entendendo a agricultura
Podemos segmentar a agricultura em quatro formas distintas (obviamente algumas distinções são um tanto tênues e sujeitas à discussão): convencional, sustentável, orgânica e biodinâmica. Para saber mais detalhes, clique nos links correspondentes a cada uma, mas vamos tentar resumi-las.
Convencional: Não existe uma grande preocupação com uso de pesticidas, herbicidas e adubos sintéticos. O que mais importa é entregar um volume significativo de uvas. É a técnica mais adotada, não somente para as uvas, mas para a grande maioria dos produtos agrícolas.
Sustentável: Já existe uma preocupação com a quantidade dos produtos e insumos que são adicionados. Muitos viticultores que adotam este método procuram minimizar o emprego de pesticidas, herbicidas ou adubos sintéticos, que acabam sendo usados apenas em situações mais extremas, como, por exemplo, quando condições climáticas excepcionais acabam favorecendo o desenvolvimento de alguma praga ou doença específica nas videiras.
Orgânica: Os viticultores que adotam a agricultura orgânica descartam o uso produtos químicos produzidos sinteticamente. Para combater pragas ou doenças, são usadas matérias-primas de origem natural, como cobre, enxofre ou inseticidas à base de plantas. Além disso, buscam promover o controle natural de pragas entre as espécies, reduzindo a intervenção humana. Ao contrário das anteriores, a agricultura orgânica pode ser certificada por entidades que se dedicam a isso, o que garante um selo de controle. Porém, nem todos os produtores orgânicos buscam certificação, pois ela é trabalhosa e cara.
Biodinâmica: Se um por um lado é relativamente simples de ser identificada (assim como a orgânica, existem entidades certificadoras), do outro é a mais difícil de definir. Podemos dizer que é uma versão mais ampla da agricultura orgânica, porém que parte de princípios mais filosóficos, tratando fazendas e os vinhedos como organismos unificados e individuais, parte de um grande sistema.
Técnicas de vinificação
Obviamente fazer vinhos significa intervir, implica em aplicar processos que transformem a uva no líquido especial que conhecemos como vinho. A grande discussão, portanto, está em quais e com que intensidade estes processos são aplicados. Vamos falar dos dois extremos, lembrando, porém, que boa parte dos vinhos acaba sendo elaborada em algum ponto intermediário.
De um lado, existem aqueles que pregam o uso de praticamente nenhuma intervenção, deixando que a uva fermente e se transforme em vinho. O papel do enólogo é apenas permitir que isso ocorra. Porém, isso na realidade é quase uma utopia, pois a intervenção humana se faz necessária na elaboração de vinhos, são necessários o conhecimento e uso de técnicas para que isso aconteça. Mesmo que sejam usadas para dar curso ao rumo escolhido pela natureza.
Do outro extremo estão aqueles que colocam importância central no papel do enólogo, para fazer um vinho nos moldes que deseja. Para tal, são aplicadas um conjunto de técnicas com este objetivo. A lista destas técnicas é muito extensa, mas podemos escolher alguns pontos onde há mais debate: escolha de leveduras, inclusão de aditivos e adição ou não de sulfitos.
Classificações: olho na agricultura
E onde se encaixam as classificações dos vinhos? Vamos começar pelas mais simples, relacionadas à forma de agricultura escolhida. As mais fáceis de definir são orgânico e biodinâmico. Porém, o mais correto é não é chamar de vinho biodinâmico, mas sim de vinho elaborado a partir de uvas cultivadas de forma biodinâmica.
Embora existam exceções (há uma classificação especial para vinhos orgânicos nos EUA e uma das certificadoras biodinâmicas também tem um selo para vinhos biodinâmicos) estamos quase sempre nos referindo à agricultura.
Por exemplo, um produtor pode cultivar suas uvas de forma orgânica e, na hora da vinificação, usar técnicas de alta intervenção, como inclusão de aditivos, controle de acidez ou osmose reversa, por exemplo. A uva era orgânica, mas o vinho em si foi sujeito a diversos processos que fariam qualquer fã da baixa intervenção arrancar os cabelos.
Portanto, orgânico e biodinâmico (a não ser que se refiram aos vinhos classificados como tal – que são poucos, aliás) são termos mais adequados para descrever a agricultura. Se são suficientes para garantir que sejam vinhos de baixa intervenção, a conversa vai longe, basta ver a polêmica recente com os vinhos lançados pela atriz Cameron Diaz.
Classificações: olho nos processos
O que o enólogo faz (ou não faz) durante o processo de elaboração do vinho é extremamente relevante. Mas, é nesta etapa que está a maior caixa preta do mundo dos vinhos. Em geral, a maioria dos produtores não entra em detalhes sobre as técnicas adotadas, a exceção ficando com aqueles que adotam uma filosofia de menor intervenção. Sem este tipo de informação (que, infelizmente, não é de divulgação obrigatória), é muito complicado entender pelo o que o vinho passou.
A acidez está boa? Pode ter sido adicionada. O tanino está macio? Também pode ter sido alterado por uma variedade de técnicas. E daí por diante, é como tentar entender porque a fachada de uma casa está bonita, sem saber como foi feita e sem ver o restante da casa.
E os termos?
Se entender orgânico e biodinâmico ficou fácil, o que dizer de vinhos naturais? Até 2020 não existia uma classificação formal, não havia um conjunto de regras para poder chamar um vinho assim. Era (e talvez ainda seja) uma área cinzenta, cada um aplicava uma classificação que fosse de sua preferência, como a da RAW Wines, a maior feira mundial de vinhos de baixa intervenção. Com a definição do Vin Méthode Nature foi criado um parâmetro, mas ainda sujeito a muitas críticas e contestações.
Aliás, para qualquer classificação que se preze, não se pode falar de vinho natural a não ser que as uvas sejam no mínimo de agricultura orgânica. De que adianta o enólogo intervir pouco, se as uvas vieram cheias de pesticidas e herbicidas sintéticos? Portanto, não existe vinho natural sem saber qual foi a forma de agricultura adotada.
Vinhos de baixa intervenção
Por estes motivos, nós preferimos usar a expressão vinhos de baixa intervenção. De um lado, não achamos que o papel do enólogo seja apenas o de observar, vinho é resultado de intervenção humana, a questão chave é qual forma de intervenção é adotada.
Um vinho de baixa intervenção, portanto, pode ser definido como aquele onde ocorreu a menor intervenção possível (que é um critério complicado, pois varia de viticultor para viticultor, de enólogo para enólogo) para que o vinho possa expressar sua origem, sua variedade, seu estilo.
Vinhos de baixa intervenção não são uma invenção moderna. Antes do glifosato e de uma imensidade de outros produtos químicos e da invenção de uma série de técnicas e aditivos, os vinhos já eram de baixa intervenção. Em sua maioria, buscavam refletir uma combinação entre o terroir existente e a cultura local, uma integração saudável entre homem e natureza.
Imagem: Gerd Altmann da Pixabay
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