Historicamente conhecida por seus vinhos brancos, a região de Anjou mudou de forma marcante nos últimos 130 anos. Atualmente, as variedades tintas, sobretudo a Cabernet Franc, dominam seus vinhedos. Já a tradicional Chenin Blanc responde por pouco menos de um quarto da área plantada. Em termos de volume, portanto, são os vinhos rosés e tintos que lideram as estatísticas.
Porém, quando se fala em qualidade, a narrativa é completamente distinta. Os vinhos mais prestigiados de Anjou continuam sendo seus brancos, tanto os doces como os secos. São nove denominações de origem diferentes com foco em brancos, incluindo os únicos Premier Cru e Grand Cru de todo o vale do Loire, além de vinhedos históricos como Savennières Roche aux Moines e Coulée de Serrant, atualmente candidatos a Grand Cru.
Anjou Blanc
Embora a maioria das denominações de origem da região de Anjou que elaboram vinhos brancos tenha seu foco principal em vinhos doces, também a produção de vinhos secos ganha destaque. A denominação Anjou Blanc faz parte da denominação “guarda-chuva” Anjou AOC, com área delimitada equivalente a Anjou Rouge, Anjou Mousseux, Rosé d’Anjou e Cabernet d’Anjou.
No passado, os brancos secos desta denominação de origem eram vistos como uma espécie de subproduto da elaboração de vinhos doces. Caso as condições não permitissem a produção de vinhos doces, o resultado eram os secos. Isso prejudicou a reputação os vinhos engarrafados como Anjou Blanc. Felizmente, isso mudou nos últimos anos, com muitos vinhos mostrando altíssimo nível de qualidade, porém boa parte deles engarrafado como Vin de France.
É a única denominação entre as nove que permite o uso de outras uvas. Embora a Chenin Blanc seja considerada a uva primária, os vinhos podem conter um máximo de 20% de Sauvignon Blanc e/ou Chardonnay. Criada em 1936 e dividida entre 153 vilarejos, conta com cerca de 500 hectares de videiras e aproximadamente 300 produtores diferentes. Seus dados específicos de produção estão incluídos dentro da estatística geral que contabiliza a Anjou AOC.
Savennières e duas pérolas
As três denominações de origem situadas em torno do vilarejo de Savennières permitem a elaboração tanto de vinhos secos como doces. No caso da denominação Savennières, são quatro categorias (sec, demi-sec, moelleux e doux), com obrigatoriedade de colheita manual e chaptalização permitida apenas para vinhos secos. Com 140 hectares de vinhedos, a produção em 2019 foi de 3.647 hectolitros (equivalente a 485 mil garrafas), a grande maioria de vinhos secos.
As denominações de Savennières Roche aux Moines e Coulée de Serrant (que anteriormente eram indicações geográficas dentro de Savennières) têm regras similares para elaboração de vinhos secos ou doces. O rendimento máximo é de 30 hectolitros por hectare para vinhos secos e 25 hl/ha no caso dos doces. Os secos devem ter um máximo de 4 gramas por litro de açúcar residual, enquanto os moeulleux devem superar 30 g/l.
No caso de Savennières Roche aux Moines alguns produtores elaboram vinhos doces em safras quando as condições permitem, o que não ocorre em Coulée de Serrant. Nicolas Joly, único proprietário nesta denominação de origem, elabora somente vinhos secos, embora com clara presença de uvas botritizadas. São denominações de pequena extensão e baixa produção (458 e 159 hectolitros), respectivamente.
Três áreas diferentes
Embora próximas geograficamente, podemos dividir as denominações de origem de Anjou com foco exclusivo em vinhos brancos doces em três blocos distintos. Localizada, assim como Savennières, na margem direita do Loire, a denominação de Anjou Coteaux de la Loire, faz parte do primeiro bloco. Por conta das condições climáticas atuais, que dificultam a incidência de botrytis nesta área, conta atualmente com apenas 16 hectares de vinhedos, com uma produção de 413 hectolitros em 2019, que equivale a 55 mil garrafas.
Criada em 1946, fica entre Muscadet Coteaux de Loire e Savennières. Esta última fazia parte de Anjou Coteaux de la Loire até 1952, quando se tornou uma denominação de origem independente. Suas regras permitem chaptalização e limitam o rendimento a 35 hectolitros por hectare, com potencial de álcool mínimo na colheita de 14% e teor de açúcar residual mínimo de 34 gramas por litro.
Coteaux de l’Aubance
A denominação de Coteaux de l’Aubance foi criada em 1950, dividida entre 10 vilarejos situados nas duas margens do pequeno rio Aubance, que desagua no Loire. Foca exclusivamente em vinhos doces elaborados a partir da Chenin Blanc com presença ou não de botrytis. Sua área delimitada é a mesma da denominação Anjou Villages Brissac, em cujos vinhedos a produção se concentra em vinhos tintos secos.
É uma área marcada por pequena colinas e proximidade com o rio, como solos predominantemente de xisto, embora a presença de ardósia aumente na parte norte, próximo à margem esquerda do rio Loire. São cerca de 161 hectares de vinhedos, com uma produção de 4.174 hectolitros em 2019, o que corresponde a aproximadamente 550 mil garrafas. Suas regras permitem chaptalização, com rendimento máximo permitido de 35 hectolitros por hectare. O potencial de álcool mínimo na colheita deve ser no mínimo de 14% e o teor de açúcar residual igual ou superior a 34 gramas por litro.
Coteaux du Layon
Dentre as três áreas com foco em vinhos brancos doces em Anjou, certamente são as denominações de origem (além de duas menções complementares) em torno do rio Layon que apresentam a maior tradição na elaboração destes vinhos. Nesta região se situam os dois únicos Premier Cru e Grand Cru de todo o vale do Loire: Coteaux du Layon Premier Cru Chaume e Quarts de Chaume Grand Cru, mais uma prova de excelência.
A maior denominação de origem é a Coteaux du Layon AOC, criada em 1950 e que conta com cerca de 1.464 hectares de vinhedos espalhados por 27 vilarejos. É uma região que reflete bem as mudanças ocorridas durante os últimos 100 anos. Após a a mecanização do cultivo a partir da década de 1960, alguns de seus melhores vinhedos (em encostas) foram abandonados e a chaptalização passou a ser permitida, derrubando a qualidade dos vinhos.
Felizmente, este processo começou a perder força nos anos 1980, com maior foco em qualidade e a atenção gradualmente voltando aos vinhedos de cultivo mais difícil, mas de melhor qualidade. A produção total atingiu 34.585 hectolitros em 2019, o que corresponde a 4,6 milhões de garrafas. Suas regras ainda permitem chaptalização e limitam o rendimento a 35 hectolitros por hectare, com potencial de álcool mínimo na colheita de 14% e teor de açúcar residual mínimo de 34 gramas por litro.
Menções complementares
Dentro da denominação de origem Coteaux du Layon alguns vinhos podem receber, em seus rótulos, menções complementares. São dois grupos diferentes, um por vilarejo e outro por classificação do vinhedo (no caso, Premier Cru). No primeiro caso, há seis vilarejos que podem acrescentar seus nomes nos rótulos. São eles: Beaulieu-sur-Layon (ou Beaulieu); Faye-d’Anjou (Faye), Rablay-sur-Layon (Rablay), Rochefort-sur-Loire (Rochefort), Saint-Aubin-de-Luigné (Saint-Aubin) e Saint-Lambert-du-Lattay (Saint-Lambert).
Além da origem das uvas, os vinhos devem cumprir requisitos mais estritos para poder usar uma destas seis menções geográficas. As uvas devem necessariamente ser de colheita manual, o rendimento máximo é de 30 hectolitros por hectare, com potencial de álcool mínimo na colheita de 15% e teor de açúcar residual mínimo de 34 gramas por litro. Em 2019 eram 103 hectares de vinhedos, com produção na casa de 1.643 hectolitros, ou 220 mil garrafas.
A segunda menção complementar, aprovada em 2011, é a de Coteaux du Layon Premier Cru Chaume. Chaume é uma aldeia dentro da área do vilarejo de Rochefort-sur-Loire, na margem direita do Layon. Com apenas 32 hectares de vinhedos e produção em torno de 56 mil garrafas ao ano, é um vinho exclusivo. Suas regras são ainda mais rígidas, com proibição de chaptalização e de crioextração. O limite de rendimento é 30 hectolitros por hectare, com potencial de álcool mínimo na colheita de 16% e teor de açúcar residual mínimo de 80 gramas por litro.
Quarts de Chaume e Bonnezeaux
Há mais duas denominações de origem com foco em vinhos brancos doces de alta qualidade na região de Layon. Certamente a mais conhecida é Quarts de Chaume Grand Cru. As parcelas de vinhedos que dão origem a um dos mais deliciosos vinhos doces do mundo somam apenas 12 hectares e estão localizadas dentro da área de Chaume. Com uma tradição que remonta à Idade Média, a produção atual fica em torno de 40 mil garrafas ao ano.
Aprovada em 2011, a denominação de origem Quarts de Chaume Grand Cru tem as regras mais estritas de todo o Loire, produzindo o vinho não fortificado com maior teor de açúcar de toda a França. Há proibição do uso chaptalização e de crioextração, com rendimentos restritos a 20 hectolitros por hectare, com potencial de álcool mínimo na colheita de 18% e teor de açúcar residual mínimo de 85 gramas por litro.
Por fim, a denominação Bonnezeaux, também situada na margem direita do Layon, foi aprovada em 1951 e inclui três encostas (Las Montagne, Beauregard e Fesles). Com uma área de vinhedos de 41 hectares em 2019, produziu 678 hectolitros, o equivalente a 90 mil garrafas. Suas regras são mais flexíveis: permite chaptalização, o rendimento máximo é de 25 hectolitros por hectare, com potencial de álcool mínimo na colheita de 15% e teor de açúcar residual mínimo de 51 gramas por litro.
Uma região especial
Mesmo antes das denominações de origem, a região de Anjou sempre teve uma excelente reputação pelos seus vinhos brancos doces. E isso tem muito a ver com as condições, que favorecem o desenvolvimento da botrytis. É uma das áreas mais quentes do Loire, gozando de proteção das colinas de Mauges, enquanto a proximidade com rios aparece como vantagem decisiva.
São áreas onde a neblina da manhã permite o desenvolvimento da podridão nobre entre setembro e outubro, que é contida por tardes ensolaradas e que permitem que as uvas sequem para evitar doenças fúngicas. O perfil da Chenin Blanc nesta região é, portanto, ideal para a elaboração de vinhos doces que aliam elevada acidez, alto teor de açúcar, untuosidade e enorme potencial de guarda. Alguns vinhos das áreas privilegiadas e de melhores safras podem ser apreciados com guarda superior a 100 anos.
Principais produtores
Sendo uma área relativamente pequena, a região de Anjou conta com alguns produtores com atuação de destaque na produção de vinhos brancos doces em diversas denominações de origem. Porém há também bastante especialização, de forma que é interessante identificar produtores de destaque nas várias denominações de origem.
Começando com Coteaux de l’Aubance, chamam a atenção nomes como Domaine de Bablut, Philippe Delevaux, Domaine de Montgilet, Domaine Richou e Domaine des Rocheles. Já em Coteaux du Layon Villages, vale a pena provar os vinhos da Domaine de Juchepie (Faye-d’Anjou), Domaine de la Bergerie (Rablay-sur-Layon), Château Pierre Bise (Beaulieu-sur-Layon), Domaine Ogererau (Saint-Lambert-du-Lattay) e Domaine Cady, Domaine de Forges e Château de la Genaiserie (Saint-Aubin-de-Luigné).
Em Coteaux du Layon Premier Cru Chaume e Quarts de Chaume Grand Cru, alguns nomes se repetem, como Domaine de la Bergerie, Domaine Cady, Domaine de Forges e Domaine Ogererau. Destaque também para Domaine FL, Château de la Guimonière, Domaine du Petit Metris, Domaine du Petit Val, Château de Palisance, Château de la Roulerie, Château Soucheri, Patrick Baudouin, Domaine des Baumard, Domaine Belargus, Château Belle-Rive, Château de L’Écharderie, Château de la Mulonnière, Domaine de la Roche Moreau e Château de Suronde. Por fim, em Bonnezeaux vale a pena provar Domaine des Grandes Vignes, Château de Fesles, Domaine du Petit Val, Domaine de Terrebrune e Château la Varière.
Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; Vins du Val de Loire; The Wine Doctor; Cahier des Charges des appellation d’origine Anjou; Loire Valley Wine Economic Report, Interloire
Imagem: Free Nomad via Unsplash
Mapas: Vins du Val de Loire; Fédération Viticole Anjou-Saumur
O post Vinhos secos e doces no Loire: conheça as várias expressões dos brancos da região de Anjou apareceu primeiro em Wine Fun.