Alemanha e seu papel central no desenvolvimento das uvas híbridas

As uvas híbridas, ou seja, resultantes do cruzamento entre variedades de Vitis vinifera e uvas americanas, já fazem parte da viticultura há muito tempo. O primeiro impulso se deu ainda no século XIX, quando os Estados Unidos lideraram o movimento, buscando opções para elaborar vinhos de qualidade com uso de algumas de suas variedades autóctones.

Já no século passado, houve um momento, sobretudo nas primeiras décadas, quando a França tomou a liderança em termos de novas uvas híbridas. Porém, desde o final da Segunda Guerra Mundial a Alemanha segue como principal centro de pesquisa e desenvolvimento destas variedades. Por conta desta liderança, o termo mais usado para designar uvas híbridas hoje é PiWi. Sua origem? A expressão alemã PilzWiderstandsfähige Rebsorten, que pode ser traduzida como “variedades de uvas resistentes a fungos”.

Crescimento e inovação

As PiWis estão cada dia mais populares na Alemanha, tanto que existem grupos extremamente ativos com foco nelas. Dois exemplos são a PIWI Deutschland eV Association e o Zukunftsweine.de, ou “movimento do futuro do vinho”. Uma das PiWis pioneiras, a Regent, conta com 1.671 hectares de vinhedos, o que a coloca como a 15ª variedade de uva mais plantada em território alemão. Juntas, todas as PiWis representam cerca de 3,5% da superfície total de vinha da Alemanha.

E isso segue em crescimento. Aproximadamente 10% de todas as novas plantações de videiras na Alemanha são de PiWis, com um número crescente de produtores. Entre os pioneiros deste novo ciclo de expansão está a vinícola Graf von Weyher, no Palatinado, que cerca de 20 anos atrás optou pela variedade Cabernet Blanc.

Seu racional? Optar por uma variedade que tenha defesa natural contra doenças fúngicas, especialmente míldio e oídio. Esta peculiaridade da grande maioria da PiWis acaba trazendo importantes benefícios ao viticultor. Entre eles, destaque para o risco mais baixo de quebra de safra, menores gastos com fungicidas e a possibilidade de cultivar seus vinhedos de forma orgânica sem grandes esforços.

As PiWis alemãs em destaque

Mas quais seriam as principais PiWis desenvolvidas e cultivadas na Alemanha, muitas delas com presença importante em diversos outros países? Nos últimos anos, a PiWi International, que coordena os esforços com estas variedades ao redor do mundo, tem buscado valorizar também a qualidade dos vinhos. Uma das iniciativas é uma avaliação dos vinhos produzidos, buscando ressaltar os principais destaques

Dentre aqueles escolhidos em 2023, boa parte tinha origem nas PiWis alemãs, de forma que vale a pena conhecer algumas mais de perto, incluindo uma curta descrição de quatro delas.

Solaris

A Solaris é uma das pioneiras da “nova geração” de PiWis. Originalmente chamada de Fr. 240-75, foi criada pelo Instituto Nacional de Viticultura de Freiburg em 1975, com o cruzamento entre duas uvas. De um lado, a Merzingl, um cruzamento entre a híbrida Seyve-Villard 5276 com um cruzamento entre a Riesling e a Pinot Gris. De outro, a Gm 6493 (resultado de Zarya Severa x Muskat Ottonel).

É uma uva com resistência muito alta ao míldio e oídio e, também, contra a botrytis. Outras vantagens são colheitas precoces, alta maturação, ótimo rendimento e sua confiabilidade em regiões de clima frio ou instável. Por outro lado, mostra muito vigor, que exige muito trabalho para controlar a quantidade de folhas.

Por conta de suas características, a Solaris desempenha um papel importante no desenvolvimento da viticultura em áreas mais ao norte da Europa, em países como Reino Unido, Polônia, Dinamarca e outras nações da Escandinávia. Dá origem a vinhos frutados e perfumados, com notas de banana e avelã no olfativo. No palato, mostram acidez média e mais corpo, uma variedade ideal para a elaboração de vinhos doces ou para cortes com uvas de acidez mais elevada.

Souvignier Gris

Também criada em Freiburg, é resultado do cruzamento, registrado em 1983, entre Seyval Blanc (híbrida criada na França na década de 1930) e Zähringer (cruzamento entre Riesling e Gewürtztraminer realizado em 1939). Com cascas de coloração rosada, tem um perfil de resistência a doenças parecido ao da Solaris (sobretudo míldio) e boa proteção contra geadas, o que favorece seu cultivo em regiões mais frias.

Tem uma presença maior na Áustria (sobretudo na região da Styria), com cultivo também em outros países do centro e norte da Europa, entre eles Suécia, Alemanha e Holanda. Os vinhos geralmente têm aromas mais neutros, com seu palato marcado por boa textura e riqueza de extrato. Há quem compare seus vinhos com aqueles da Pinot Gris.

Muscaris

Registrada em 1987, é outra uva decorrente do trabalho de pesquisa do Instituto Nacional de Viticultura de Freiburg. Este cruzamento entre Solaris e Moscatel Branco dá origem a vinhos perfumados, com notas de noz-moscada, frutas tropicais, cítricos e toque fumé. Tem um sabor forte e encorpado, com acidez intensa e mais peso de boca que o Moscatel, sendo muitas vezes usada para vinhos de sobremesa.

Assim com a Souvigner Gris, tem boa presença na Áustria, assim como vinhedos espalhados por outros países europeus. Tem resistência muito alta ao míldio, mas menor contra o oídio.

Saphira

Criada em 1978 pela Universidade de Geisenheim, é um cruzamento entre Arnsburger e Seyve-Villard 1-72. A primeira é um cruzamento entre Müller-Thurgau e Chasselas. Por muito tempo, se acreditou fosse um cruzamento entre dois clones de Riesling. Já a segunda é um cruzamento realizado na França entre Rayon d’Or e Bertille Seyve 450.

Tem grande resistência ao míldio, mas média em relação ao oídio e botrytis, com maturação tardia. Esta uva branca dá origem a vinhos com elevada acidez (muitas vezes usada para espumantes), com um perfil que lembra Pinot Blanc ou Vermentino.

Outras PiWis alemãs

Além destas quatro uvas, a Alemanha trouxe uma enorme contribuição para o desenvolvimento das PiWis. Entre elas, vale destacar as brancas Bronner, Johanniter e Felicia, além das tintas Monarch e Prior. Outras PiWis alemãs são as brancas Calardis Blanc, Calardis Musqué, Calastra, Garantos, Gm 8107-3, Helios, Hibernal, Merzling, Orion, Pamina – Gm 8622-3, Phoenix, Primera, Pirincipal, Sauvitage, Serena, Sibera, Sirius, Staufer, Villaris e as tintas Accent, Allegro, Baron, Bolero, Cabernet Cantor, Cabernet Carbon, Cabernet Carol, Cabernet Cortis, Calandro, Gallant, Piroso, Reberger, Regent, Rondo e We 94-26-37.

Fonte: Hybrids or PIWIs: The future of wine? Simon Woolf; Prowein; PiWi International; Winegrowers -Solaris; Winegrowers – Saphira; WeinPlus; International Wine Challenge

Imagem: 3157171 via Pixabay

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