Ao menos no mundo dos vinhos, a terceira via chegou

Na hora de falar de política, a polarização vem marcando muitos países do mundo, e o Brasil aparece como um dos destaques. Você já contou quantas pessoas rompeu relações ou se afastou por conta de diferenças ideológicas ou pela postura em relação a determinados políticos? E, no mundo, no vinho, as últimas décadas foram também marcadas por um embate entre dois polos distintos.

Porém, depois de tantas diferenças, ao menos na hora de falar ou degustar vinhos, a percepção é que nos últimos anos o radicalismo perdeu espaço. De um lado, um grupo mais conservador e mainstream, representado pelos apreciadores de vinhos de grandes produtores e rótulos famosos. De outro lado, os mais alternativos, com preferência pelos vinhos de menor intervenção, inclusive os “vinhos naturais”.

Campos opostos

Estes dois campos já estiverem em polos quase que diametralmente opostos. De uma parte, vinhos mais homogêneos e que buscavam atender aos gostos de uma parcela significativa dos consumidores e críticos. Para chegar a estes vinhos, pouco importava se os vinhedos eram tratados com pesticidas ou herbicidas sintéticos ou se na vinificação a transparência fosse deixada de lado, com o uso de diversas técnicas de alta intervenção. Para estes vinhos e seus apreciadores, os fins justificavam os meios.

De outro lado, os defensores de que o processo de elaboração dos vinhos é o principal, abrindo espaço para um resultado final mais heterogêneo e, algumas vezes, com padrão abaixo do aceitável. Uma frase emblemática era “você tem que entender a proposta do produtor”. Ou seja, respaldados por práticas mais naturais nos vinhedos e menor intervenção na cantina, os vinhos poderiam apresentar defeitos evidentes na hora de serem degustados.

Branco e preto ou diferentes tons de cinza?

Aurélien Gerbais, vinhateiro no Aube, sul da Champagne, opina sobre este conflito de forma interessante, ao descrever a adega de sua família. “Metade dos vinhos nela são clássicos, mas dão dores de cabeça (uma referência às quantidades às vezes excessivas de sulfitos que eles contêm) e a outra metade é composta por vinhos naturais, mas entre esses, você tem que abrir seis garrafas para encontrar duas boas.”

Obviamente, existiu e ainda existe muita coisa entre estes dois campos opostos. Há quem aprecie vinhos mais homogêneos que dão grande valor ao terroir e à forma de elaboração. Da mesma forma, há quem acredite que somente a intenção de fazer um vinho puro talvez não seja suficiente para um resultado com o padrão de qualidade desejado.

A busca pelo consenso

Neste embate entre duas filosofias de trabalho distintas, quem parece estar levando vantagem atualmente é o bom senso. Ou seja, uma parcela enorme de produtores parece ter notado que há formas de fazer vinhos de alta qualidade e, simultaneamente, abrir mão dos radicalismos no processo de elaboração e buscar uma viticultura mais ecológica. É a terceira via do mundo do vinho.

Produtores que no passado torciam o nariz para as agriculturas orgânica e biodinâmica entenderam que, na grande maioria das vezes, estas práticas resultam em uvas mais saudáveis e, consequentemente, vinhos de melhor qualidade. Notaram também que não precisam usar técnicas intervencionistas para garantir vinhos iguais ano após ano. As diferenças em termos de terroir e safras devem ser respeitadas.

Já muitos produtores e consumidores que pregavam que o único caminho era elaborar vinhos praticamente sem intervenção também perceberam o outro lado da moeda. O uso de sulfitos, por exemplo, foi por muito tempo um divisor de águas. Hoje não faltam produtores que notaram a importância do uso deste aditivo, mesmo que parcimonioso, para garantir vinhos mais estáveis e com menos defeitos.

Exemplos

Este movimento de busca de soluções mais equilibradas e menos radicais ganhou força em algumas regiões, e a Borgonha certamente é uma delas. A grande maioria dos produtores deixou de usar herbicidas e pesticidas sintéticos nos vinhedos, abolindo também o uso de leveduras adicionadas. O uso da madeira na cantina é mais contido.

Por outro lado, a importância do trabalho do vinhateiro é reconhecida. Quase não há o uso de técnicas altamente intervencionistas, com os produtores convergindo para menos intervenção, mas sem radicalismos. O sulfito não é mais visto como um inimigo, mas como um aliado que deve ser usado de acordo com as necessidades.

Um futuro melhor

Esta convergência entre o que pareciam ser dois campos opostos é uma ótima notícia para quem aprecia bons vinhos. Em paralelo, os produtores de muitas regiões perceberam quem eram os verdadeiros vilões, inclusive quais são os impactos do aquecimento global. Existe muito mais diálogo e troca de conhecimentos, o objetivo agora é produzir vinhos de alta qualidade, simultaneamente respeitando a natureza e o terroir.

Será que algum dia chegaremos a um movimento similar em outras áreas, como na política, por exemplo? Sim, ainda existem os radicais no mundo do vinho, mas eles perderam espaço. Precisamos que o mesmo ocorra na hora de falar de política. Necessitamos de um país com a definição de prioridades corretas e políticas que visem beneficiar a população como um todo, não para ganhar cacife político ou usar a máquina pública para benefício próprio ou prejudicar os rivais. Quando este momento chegar, vamos brindar com um vinho que reflita o bom senso e a troca de experiências, com o melhor dos dois mundos dentro de uma só taça.

Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!

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Foto: Alessandro Tommasi, arquivo pessoal

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