As escolhas por trás do estilo único das “Casas” de Champagne

O vinho espumante se caracteriza por um processo de produção particular. Em Champagne, onde são elaborados os melhores espumantes do mundo, há claramente um estilo próprio de cada produtor. Uma espécie de assinatura que o diferencia dos demais.

A coluna desse mês tratará das escolhas por trás do estilo das “Casas” de Champagne, as famosas “Maisons” como as vinícolas são conhecidos por lá, explorando as razões da diversidade encontrada na região.

Champagne NV, o estilo que leva a assinatura da casa

O Champagne NV (Non Vintage) é elaborado com uvas colhidas em diferentes anos. Trata-se, portanto, de um espumante “não safrado”. A participação do NV no volume total produzido na região varia, ao longo dos anos, numa faixa entre 80% e 90%.

Painel com uma amostra de Champagne Brut NV, tema da coluna desse mês. Foto da Decanter Magazine de janeiro de 2021

O que se busca na elaboração de um Champagne NV é a consistência. Ano a ano, a bebida oferecida ao mercado deveria seguir o mesmo padrão, a ponto de o consumidor não sentir diferença ao provar garrafas produzidas em anos distintos.

Já o Champagne Vintage é produzido com uvas de uma única safra. E como cada safra é diferente da outra, naturalmente variações são esperadas no líquido final. É possível portanto avaliar safras distintas do Vintage, compará-las e eleger uma melhor que a outra. Por outro lado, e por definição, isso não faz sentido quando se trata de um Champagne NV.

As escolhas da Maison para definir o estilo da casa

Entendido que o estilo de um produtor se aplica ao Champagne NV, o próximo passo é entender as principais variáveis por trás das escolhas a serem feitas. E são quatro as principais decisões a serem tomadas:

A origem das uvasAs variedades de uvasA idade do vinho reserva a ser utilizada no blend finalA principais decisões de vinificação

As variedades de uva

Há sete uvas autorizadas para elaboração do Champagne. No entanto, três delas, Pinot Noir, Pinot Meunier e Chardonnay, ocupam mais de 99% da área cultivada.

O quadro abaixo compara a composição de uvas utilizadas no blend de um grupo significativo de algum dos rótulos mais conhecidos do Champagne Brut NV. Ele foi gerado a partir de um levantamento de dados conduzidos por Essi Avellan MW e apresentado em um seminário da Wine Scholar Guild.

Rótulos como Drappier e Bollinger contam com uma participação maior de Pinot Noir no blend, enquanto Pol Roger e Pommery apresentam um equilíbrio entre as três principais uvas. Isso tem muito a ver com o local histórico de origem do produtor.

Isoladamente não é possível tirar conclusões levando em conta apenas esse fator, mas é interessante notar que a Pinot Noir tende a aportar mais estrutura um caráter mais oxidativo ao vinho, quando bem trabalhada na vinificação. E é notável observar que isso coincide com que o se observa no estilo do Drappier e Bollinger, para ficar apenas em um exemplo.

A origem das uvas

A região de Champagne conta com 340 produtores que respondem por 72% do volume de garrafas vendidas no mercado. São as famosas Maisons, que inclui nomes como Krugg, Pommery, Taittinger e Bollinger. No entanto, elas são detentoras de apenas 10% dos vinhedos. As grandes Casas de Champagne, portanto, dependem de uvas de terceiros para produzir seus vinhos únicos. Isso exige uma habilidade de estabelecer contratos de longo prazo com uma vasta rede de pequenos produtores e uma necessidade de zelar pela consistência das uvas em toda a cadeia.

A idade do vinho reserva a ser utilizada no blend final

A exemplo do Jerez, o Champagne NV é um vinho resultado do blend de várias safras. Lotes de anos diferentes são misturados com o objetivo de eliminar as variações naturais de anos específicos. Ao final desse processo o que se busca é um vinho muito parecido a cada ano de produção.

Além disso esse processo resulta num vinho que, quando lançado no mercado, está pronto para ser consumido. A rigor, não faz sentido guardar um Champagne NV. Uma vez engarrafado, ele já mostra a complexidade e o caráter que normalmente é obtido com a guarda e evolução com o tempo.

Isso acontece porque ao vinho base do ano é adicionado ao blend de anos anteriores, conhecidos na região como “Reserva Técnica”. E cada produtor administra a idade média desse blend, a partir do percentual de cada ano na mistura final.

Existe, portanto, uma janela de tempo da Reserva Técnica. E para garantir a consistência do seu Champagne NV ao longo do tempo, o produtor deve administrar a idade desse blend, levando em conta as características da safra do ano de produção e o resultado final esperado.

Mais uma vez usando o como referência Essi Avellan MW, que comparou a idade média da Reserva Técnica de uma amostra produtores. Nessa amostra, a Möet Chandon é que conta a de menor idade.

Já a Veuve Cliquot apresentou a mais antiga. Em 2020 a Reserva Técnica dessa Maison chegava a contar com uma fração de vinho da safra de 1988. Isso, teoricamente, tende aportar mais caráter e tipicidade ao Champagne NV, sempre lembrando que não é possível conclusões baseadas em apenas uma variável.

A principais decisões de vinificação

São várias as escolhas do enólogo durante a elaboração do vinho. Um bom exemplo é a contribuição da barrica na definição do estilo do vinho. No gráfico abaixo, e de novo citando Essi Avellan MW, há uma escala para o uso de madeira na vinificação no vinho base, escala essa que vai de zero (nenhuma passagem por madeira) a cinco.

O degustador atento percebe claramente o impacto da madeira que é muito tímida na Veuve Cliquot e mais marcante na Bollinger.

Estilos para todos os gostos

É muito interessante observar que dentro da tipicidade do Champagne NV há uma ampla gama de estilos. Afinal, como vimos, cada produtor imprime sua assinatura à sua bebida. Assim, antes de ser tornar fiel a uma marca de Champagne NV específica, o enófilo tem a agradável “obrigação” de provar rótulos de diferentes produtores e compará-los.

Renato Nahas é Professor da ABS-Campinas. Concluiu a certificação de Bourgogne Master Level da WSG, é Formador homologado pelo Consejo Regulador de Jerez e Italian Wine Specialist – IWS, pela WSG. Sommelier formado pela ABS-SP, possui também as seguintes certificações: WSET3, FWE e CWS, este último pela Society Wine Educators.

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Foto da capa: Renato Nahas, arquivo pessoal

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