Autólise: conheça o processo químico que traz complexidade e longevidade a espumantes e vinhos brancos

Existem diversos processos adotados por enólogos para aumentar a complexidade de seus vinhos. E, quando falamos de vinhos brancos e espumantes, o uso das lias (ou Sur Lie em francês) é um dos mais importantes. Ele é um dos principais fatores por trás da qualidade dos Champagnes e, também, de alguns vinhos brancos produzidos em outras regiões, como nas denominações de origem Muscadet, no Vale do Loire.

O método Sur Lie é fácil de entender, sobretudo quando o processo químico no qual se baseia é desvendado. Apesar do nome relativamente complicado, a autólise é uma consequência natural do processo de fermentação e da ação das leveduras. Durante o processo de fermentação, as leveduras convertem o açúcar presente na uva em etanol. Quando a fonte de alimento para as leveduras (açúcar) ou nitrogênio terminam, ou o nível de álcool do vinho chega ao ponto de toxicidade para as leveduras, elas morrem e suas células afundam para a base do tanque de fermentação. Isso é o ponto de partida para a autólise.

Novos componentes

Na biologia, o termo autólise significa a destruição de uma célula por suas próprias enzimas. Seu nome deriva das palavras gregas αὐτο– (“auto”) e λύσις (“quebra, divisão”). Já quando falamos de vinificação, a expressão se refere às reações químicas que ocorrem quando um vinho passa algum tempo em contato com as células de leveduras mortas, após a fermentação.

Estas células mortas são removidas em boa parte dos vinhos, mas quando o processo Sur Lie é usado, o contato permanece por um período de tempo, a ser determinado pelo enólogo. É neste período que acontece a autólise. Enzimas existentes nas células mortas são ativadas, se transformando em novos componentes. E estas novas substâncias, por sua vez, trazem características distintas aos vinhos.

Vinhos mais cremosos e longevos

Mas quais são os componentes decorrentes da autólise? Em termos gerais, podemos dividi-los em três grupos: polissacarídeos, manoproteínas e glutationa, cada um deles com impacto distinto sobre o vinho. Os polissacarídeos, que quimicamente são da família do açúcar, aportam ao vinho uma textura mais presente e aveludada. Quem já provou lado a lado um espumante elaborado pelo método tradicional (como na Champagne, por exemplo) e um espumante de método Charmat certamente saberá captar a diferença na textura.

As manoproteínas, por sua vez, atuam na estabilização do vinho, evitando que outras proteínas e tartaratos se precipitem do vinho. Por fim, a glutationa tem um impacto importante no que diz respeito à longevidade do vinho. Sendo uma pequena proteína que quimicamente se liga muito bem com oxigênio, ela evita que outros componentes mais frágeis do vinho passem por oxidação. Por conta disso, os vinhos retêm componentes aromáticos mais delicados e evoluem melhor. Isso inclui a sua coloração, que não tende tanto ao marrom durante o envelhecimento.

Embora não seja uma técnica nova (a prática de deixar um vinho para envelhecer em suas lias já era usada na época romana), ela ganhou mais adeptos nas últimas décadas. O enorme sucesso comercial dos espumantes elaborados pelo método tradicional colocou este processo (e a autólise) em evidência. Se elaborar um vinho é um longo e complexo processo de transformações químicas, a autólise enriquece ainda mais este processo, trazendo novos componentes e características aos vinhos.

Fontes: Loire Master Level Manual, Wine Scholar Guild; Yeast autolysis in sparkling wine – a review, Hervé Alexandre, Michèle Guilloux-Benatier

Imagem: Tumisu via Pixabay

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