A uva, em especial as variedades que fazem parte da “família Vitis vinifera, é uma das frutas cultivadas há mais tempo no mundo. E, ao longo dos séculos, ela sofreu significativa domesticação, ou seja, contou com intervenção humana até chegar ao seu estágio atual. Esse processo levou à obtenção de plantas com flores hermafroditas (ou seja, são auto férteis), boa frutificação, capacidade de propagação e, acima de tudo, potencial para gerar vinhos de qualidade.
Atualmente existem entre 6.000 e 10.000 variedades (também chamadas de cultivares), com muitas delas conhecidas por quem aprecia vinhos. Nomes como Pinot Noir, Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Chardonnay ou Riesling se tornaram familiares, dando origem a vinhos de diferentes características. Mas é possível ser ainda mais específico, já que boa parte destas variedades mostram mutações distintas. Hora de entender melhor o uso de termos como biótipos, mutações e clones.
Natureza e ação humana
A condição atual das diversas variedades reflete tanto a ação da natureza como, também, do homem. As videiras naturalmente desenvolvem mutações, que as fazem diferentes, com atributos distintos das “gerações” anteriores. Quando essas mutações levam a novas características desejáveis para o viticultor, a planta em questão geralmente é segregada e replicada vegetativamente, muitas vezes em larga escala. Através deste processo, podemos dizer que surge um “novo clone”.
Mas aí entra a terminologia. Quem gosta de ficção científica certamente já ouviu falar do termo clone. Neste caso, estamos falando de um indivíduo que dá origem a outro geneticamente semelhante. Assim, falar que estas mutações dão origem a clones pode ser visto como contraditório, pois elas resultam em indivíduos diferentes. Clonagem, assim, seria apenas a parte final do processo descrito anteriormente, ou seja, a replicação vegetativa de uma planta com as características desejadas.
Biótipo, clones e mutações
Mas como chamar o estágio intermediário? E aí, não existe consenso. Uma parte importante da literatura, sobretudo quando envolve pesquisadores italianos, adota o uso em paralelo de dois termos distintos. De forma geral, as variedades têm um nível de complexidade genética alto e podem ser subdivididas em duas escalas: biótipos e clones.
Um biótipo, ou linhagem clonal, é geralmente selecionado por se destacar por um grupo de características fenotípicas favoráveis. Essas características especiais intra-varietais podem ser pequenas alterações nas características morfológicas, como compactação dos cachos ou espessura do dossel, ou mesmo modificações macroscópicas, como a cor dos frutos. Caso as alterações sejam de menor amplitude e dentro de um mesmo biótipo, o termo clone passa a ser usado. Em poucas palavras, existe uma espécie de hierarquia: existem grandes grupos intra-varietais chamados biótipos e, dentre destes grupos, existem os clones.
Outros autores, porém, usam termos diferentes para se referir ao impacto destas mutações. Jancis Robinson, em sua obra de referência Wine Grapes usa o termo biótipo somente na bibliografia. Para ela e seus coautores, o processo de mutação ocorre naturalmente e o uso do termo clone se refere somente àquelas plantas que foram segregadas, para posterior replicação vegetativa. O estágio intermediário é referido somente como “mutações”.
Exemplos
Quais seriam exemplos de biótipos ou clones? Como uma parte significativa do uso do termo biótipo ocorre na Itália, há vários exemplos usando uvas italianas. A Aglianico é uma variedade difundida no sul da Itália e três principais biótipos predominam: Taurasi (da província de Avellino), Taburno (da província de Benevento) e Vulture (na província de Potenza). Da mesma forma, a Sangiovese tem diversos biótipos, com destaque para a Sangiovese Grosso (famosa pelo seu uso no Brunello de Montalcino) e Prugnolo Gentile (que, antes da análise genética, era considerada uma variedade diferente).
Esta terminologia por ser usada também no caso da Pinot Noir. Sendo uma variedade sujeita a seguidas mutações genéticas, ela teria diversos biótipos, entre eles a Pinot Gris e a Pinot Blanc (ao contrário do que muita gente pensa, elas não são variedades “independentes”). Por sua vez, a Pinot Noir também tem diversos clones, como por exemplo, o 114, 115, 667, 777 ou 943.
Sabendo usar os termos
Por conta da falta de consenso em relação ao uso destes termos, ainda existe muita confusão no que diz respeito à sua utilização. Portanto, vale a pena entender bem os processos, para ter o preparo para usar o termo adequado, dependendo do contexto. Ou seja, mais importante do que usar ou não os termos biótipo, mutação ou clone, é fundamental entender os conceitos.
Fontes: Wine Grapes, Jancis Robinson, Julia Harding e José Vouillamoz; Study of Inter- and Intra-Varietal Genetic Variability in
Grapevine Cultivars, Zomardo et al; Study of intra-varietal diversity in biotypes of Aglianico and Muscat of Alexandria (Vitis vinifera L.) cultivars, de Lorentis et al; What the hell is a biotype?
Imagem: congerdesign via Pixabay
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