A Borgonha é conhecida pelos seus vinhedos espetaculares, mas talvez nenhum deles tenha uma história tão rica e tantos séculos mantendo sua reputação como Chambertin. Por conta da qualidade de seus vinhos, este vinhedo de pouco mais de 13 hectares de área vem tendo um papel extraordinário na afirmação da Borgonha como uma das principais regiões produtores de vinho do mundo.
Sua história é longa e repleta de personagens históricos, passando por Napoleão Bonaparte e pelo presidente norte-americano Thomas Jefferson. Foi o primeiro vinhedo da França a dar nome a um vilarejo em 1847. Esta foi a data quando Gevrey-en-Montagne decidir mudar e adotar o nome de seu vinhedo mais famoso. Este movimento foi seguido nas décadas seguintes por diversos outros vilarejos da Côte d’Or, entre eles Chambolle-Musigny, Nuits-Saint-Georges, Vosne-Romanée e Morey-Saint-Denis.
Uma longa história
Os vinhedos da região possuem uma longa história, possivelmente sendo uma das áreas pioneiras do cultivo de vinho na Borgonha. De fato, foi em Gevrey-Chambertin que foram achadas até agora as mais antigas evidências de viticultura na Borgonha, na forma de um vinhedo cultivado pelos romanos no primeiro século depois de Cristo.
Porém, o primeiro vinhedo com registros na área não foi Chambertin, mas seu vizinho imediatamente ao norte, Clos de Bèze. Sabe-se que a abadia de Bèze recebeu as terras como doação em 640 e seus monges rapidamente começaram a cultivar o vinhedo. Algum tempo depois, um certo Monsieur Bertin, inspirado no trabalho dos monges, começou o cultivo da fração logo ao sul, que passou a ser conhecida por campos de Bertin (Champs de Bertin, em francês). Nascia, então, o nome Chambertin.
Não há informações precisas sobre o rumo do vinhedo por alguns séculos, mas já na Idade Média tanto Chambertin como Clos de Bèze eram posse do Chapitre de Langres (o último a partir de 1219). Este grupo de comerciantes desta cidade, que fica cerca de 80 quilômetros ao norte de Dijon, contava com diversos produtores diferentes para cultivar os vinhedos.
Novos rumos e muita fama
A partir do início do século XVIII, Claude Jobert, comerciante recém-instalado em Gevrey, gradualmente adquiriu a exploração dos vinhedos Chambertin, e tornou-se o único proprietário. Ele acabou adicionando ao seu nome, o de seu vinhedo favorito, passando a ser chamado de Jobert de Chambertin. Sua dinastia, porém, não prosseguiu e a propriedade foi confiscada na Revolução Francesa de 1789, para ser então vendida em leilão e gradualmente fragmentada.
Porém, a fama do vinhedo seguia crescendo, inclusive por conta do legado deixado por Jobert. Diversos testemunhos mostram reputação de Chambertin. Um deles é o do abade Claude Arnoux, que deixou claro, em 1728, que Chambertin era o melhor vinho da Borgonha (le plus considerable vin de toute la Bourgogne). Também Thomas Jefferson, futuro presidente dos Estados Unidos e que visitou a região em 1787, foi seduzido por seus vinhos. Em sua famosa adega, em Monticello, havia centenas de garrafas de Chambertin.
O vinho dos reis
Mas talvez o mais conhecido apreciador dos vinhos de Chambertin tenha sido Napoleão Bonaparte. Segundo diversos relatos, era o seu vinho favorito, usado para celebrar suas grandes vitórias e, também, para afogar as mágoas nas derrotas. Cronistas indicam que a falta destes vinhos era uma das principais frustrações do ex-Imperador no seu exílio na Ilha de Santa Helena, após sua derrota definitiva na batalha de Waterloo.
Foi a relação de Napoleão com os vinhos deste vinhedo que reforçou a imagem de Chambertin. O lema Le Roi de Vins, le Vin des Rois (o rei dos vinhos, o vinho dos reis) passou a ser diretamente associado a Chambertin e segue até hoje. Na sua classificação de vinhos da Côte d’Or de 1855, Jules Lavalle classificou Chambertin como Tête de Cuvée, Cru fora de série e Vin extra, a mais alta de todas as categorias. Segundo Lavalle, seriam vinhos “que possuem o mais alto grau, todas as qualidades que constituem o vinho perfeito, corpo, cor, buquê, finesse”.
A denominação de origem
Por conta de sua fama, mesmo antes do lançamento do sistema oficial de classificação de vinhedos da França, os produtores da região já se uniram para manter a reputação do vinhedo e de seus vinhos. Já em 1929 começaram a classificar o vinhedo e, em 1931, um primeiro julgamento limitou o uso do nome Chambertin apenas para parte dos vinhedos. A denominação controlada de origem Chambertin foi reconhecida por decreto em julho de 1937.
O nome Chambertin, porém, não é usado somente por uma denominação de origem. Apesar da área de pouco mais de 13 hectares ser a única que pode usar somente este nome, são, no total, nove climats diretamente associados, a chamada “família Chambertin”. Além de Clos de Bèze, também são denominações de origem: Charmes-Chambertin, Mazoyères-Chambertin, Griottes-Chambertin, Chapelle-Chambertin, Ruchottes-Chambertin, Mazis-Chambertin e Latricières-Chambertin.
Destes, a relação mais próxima é com Clos de Bèze, que também representa o coração da região e o vinhedo, juntamente com Chambertin, com as melhores condições de solo e topografia. Os vinhos produzidos a partir de Clos de Bèze podem ser engarrafados como Chambertin, embora o contrário não seja permitido.
Produção e vinhos
Até por conta deste uso do nome Chambertin para uvas de Clos de Bèze, em teoria existem mais vinhos Chambertin do que seria possível para uma área de 13 hectares de vinhedos. A média de produção fica em torno de 444 hectolitros por ano, que corresponde a cerca de 59.000 garrafas a cada safra. Isso representa, porém, apenas 2,2% da produção de Grand Cru de toda a Borgonha.
A Pinot Noir reina soberana neste vinhedo de solo argilo-calcário, com 100% da produção dedicada a vinhos tintos. Porém, legalmente uvas como Chardonnay, Pinot Blanc e Pinot Gris podem ser usadas como acessórias (até 15%), o que na prática não ocorre. Os vinhos elaborados a partir deste vinhedo tendem a ser complexos, potentes e com enorme potencial de evolução. Com muita presença de frutas vermelhas e negras no nariz, no gustativo são distinguíveis também pelos seus taninos, intensos e de alta qualidade. Porém, necessitam de tempo para atingir seu pico.
O vinhedo
Chambertin e Clos de Bèze formam um bloco relativamente homogêneo de 28,3 hectares e altitude média de 280 metros, com solos de calcaire à entroques do período Bajociano, com maior presença de calcário nas partes mais altas. A parte de Chambertin tende a ser mais plana, com menor inclinação e sofre também com maior impacto da Combe Grisard, que acaba na área de floresta mais ao sul do vinhedo.
Além da área de floresta que fica na parte mais alta, a oeste, Chambertin também tem contato a norte com Clos de Bèze, a leste com Charmes-Chambertin e a sul com Latricières-Chambertin. Dentre os climats da “família Chambertin”, é o terceiro em área, somente atrás de Charmes-Chambertin e Clos de Bèze.
Produtores
Atualmente, há pouco mais de 20 produtores com parcelas em Chambertin. Destes, apenas quatro possuem áreas superiores a um hectare: Domaine Armand Rousseau (2,56 hectares), Domaine Trapet (1,90 ha), Domaine Camus (1,69 ha) e Domaine Rossignol-Trapet (1,60 ha). Outros produtores de destaque com parcelas menores (na ordem de tamanho) são Jacques Prieur, Louis Latour, Domaine Leroy, Domaine Dugat-Py e Domaine Dujac.
Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris; Burgundy Report; The Climats and Lieux-dits of the Great Vineyards of Burgundy, Marie-Hélene Landrieu-Lussigny & Sylvian Pitiot
Mapa: Vins de Bourgogne
Imagens: Arquivo pessoal
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