Chassagne-Montrachet: um vilarejo da Borgonha dividido entre vinhos brancos e tintos

Na Borgonha, a expressão terroir ganha ainda mais importância, já que são as condições presentes na natureza, além das tradições, que moldam seus vinhos. Porém, isso cria um paradigma para Chassagne-Montrachet. Embora o vilarejo tenha, entre seus vinhedos, três Grand Cru (todos plantados com Chardonnay), historicamente foi um território basicamente dominado por uvas tintas. A Pinot Noir, por exemplo, sempre se adaptou muito bem às condições de solo da maioria dos seus vinhedos.

Porém, por conta da irresistível atração do nome Montrachet, este vilarejo no sul da Côte d’Or produz atualmente muito mais vinhos brancos do que tintos. O motivo? A enorme diferença de preços entre eles. Um vinho branco, em média, custa o dobro que um tinto do mesmo climat, algo que pode ocorrer também nos vinhedos onde o solo favorece mais as uvas tintas. A Borgonha realmente tem suas peculiaridades…   

O vilarejo e a pedreira logo acima vistos da divisa com Puligny-Montrachet

Evolução ao longo da história

Assim como seu vizinho, Puligny-Montrachet, Chassagne-Montrachet tem uma longa trajetória. De origens galo-romanas, o vilarejo era conhecido como Casanea, nome usado ao menos até o início da Idade Média. Também em Chassagne as ordens religiosas dominaram o cultivo dos vinhedos por muitos séculos. Os monges cistercienses da Abadia de Maizières plantaram vinhedos e construíram a Abadia de Morgeot, que até hoje dá nome a vinhedos na região.

Porém, os cistercienses não estavam sozinhos. Em outra parte do vilarejo, as monjas da Abadia de Saint-Jean-le-Grand (criada em Autun em 589) também tinham uma sede local. Elas deram origem aos vinhedos até hoje chamados de Clos-St-Jean. Além das ordens religiosas, a presença da nobreza local era determinante. Que o diga Jean de Chalots, que, por conta de sua insubordinação, levou o rei francês Luis XI a destruir o castelo de Chassagne e o vilarejo no final do século XV.                                   

Apesar de tudo isso, os vinhos, em especial os tintos, sempre mantiveram um papel de destaque. Segundo uma classificação de vinhos da Borgonha publicada em 1816, os tintos de Chassagne, em especial os de Morgeot, La Maltroie e Clos-St-Jean, eram comparados aos Pinot Noir de Clos de Tart, Musigny e Clos de La Roche.

Uma mudança nos vinhedos                                  

O aumento da participação das uvas brancas começou no século XIX, acelerado pelo prestígio do vinhedo de Montrachet e pelos efeitos da filoxera. Da mesma forma que outros vilarejos da Borgonha, Chassagne-le-Haut adotou o nome de seu principal vinhedo. Assim nasceu Chassagne-Montrachet em 1879, mesmo ano quando Puligny seguiu o mesmo caminho.                         

A transição entre uvas tintas e brancas tem sido gradual, mas ganhou ritmo nas últimas décadas. Estima-se que em 1936 (um ano antes da criação da denominação de origem Chassagne-Montrachet) as uvas brancas eram menos do que 25% da área plantada. Esta proporção atingiu 38% em 1976, mas mudou radicalmente desde então. Por conta do grande diferencial de preços entre vinhos brancos e tintos da região, hoje os brancos correspondem a cerca de 70% da produção.                                  

Os vinhedos Grand Cru

Se a classificação de vinhos adotada na França em meados da década de 1930 levou à criação da denominação Chassagne-Montrachet, também criou os Grands Crus. Em 1937 foram anunciadas também três denominações de origem Grand Cru com vinhedos situados total ou parcialmente em Chassagne-Montrachet. O principal vinhedo, Montrachet, tem quase metade de seus 8 hectares situados na commune de Chassagne-Montrachet.

Outro vinhedo que ganhou uma denominação própria e foi fracionado entre Puligny-Montrachet e Chassagne-Montrachet é Bâtard-Montrachet. Já Criots-Bâtard-Montrachet, também Grand Cru, tem sua área total (1,57 hectare) localizada dentro da área da commune de Chassagne-Montrachet      

A denominação Chassagne-Montrachet

Embora não inclua os vinhedos Grand Cru, a denominação de origem Chassagne-Montrachet conta com diversos vinhedos classificados como Premier Cru. A grande questão é definir quantos, embora não haja discussão sobre a área total. Alguns autores consideram 19, enquanto 55 é o número correto para outros. A controvérsia fica em torno do uso ou não do nome para alguns climats situados dentro de vinhedos maiores ou mais antigos, sobretudo Morgeot ou Clos-St.-Jean.  

Além da commune de Chassagne-Montrachet, esta denominação de origem inclui também cerca de 6,75 hectares no município vizinho, Remigny. Considerando as duas communes, a área total em produção é de cerca de 309 hectares, dos quais 52% classificados como Village e 48% como Premier Cru. Esta alta proporção leva a mais uma controvérsia: será que Chassagne-Montrachet tem vinhedos Premier Cru em excesso?

Do total de vinhedos, 70% da área é destinada a uvas brancas, com o restante plantado com Pinot Noir. A produção média entre 2014 e 2018 foi de 14.381 hectolitros, que correspondeu a cerca de 6% do total da Côte de Beaune no mesmo período. Desta produção, aproximadamente 73% foram de vinhos brancos, com os demais 27% tintos.

Geologia variada

A geologia de Chassagne-Montrachet é uma das mais complexas da Côte d’Or. Parte desta denominação de origem fica situada próxima a uma falha geológica, que permite que esta parte da Côte d’Or tenha algumas das melhores características dos solos da Côte de Beaune, e outras da Côte de Nuits. É o caso, por exemplo, dos vinhedos Grand Cru e alguns na sua proximidade.

De forma geral, os solos de Chassagne-Montrachet podem ser segmentados em dois grandes grupos, até por conta da significativa diferença de altitude existente na região (entre 220 e 325 metros) As encostas superiores são chamadas de terre blanches (calcário bathoniano) e são mais adequadas para as castas brancas. Já as partes de menor altitude, como ao torno de Morgeot, por exemplo, são compostas por solos mais ricos e profundos, ricos em argila e ferro, chamados de terres rouges. São mais adequados para os tintos.

Outras peculiaridades

Algumas outras características chamam a atenção. A região tem uma grande presença de calcário rígido nas partes mais altas, com pedreiras sendo comuns. É de Chassagne-Montrachet que saíram os mármores rosa e bege que entraram na construção, entre outros, do Trocadero em Paris e, mais recentemente, das obras da Pirâmide do Louvre.

Boa parte dos vinhedos de Chassagne-Montrachet apresenta orientação sudeste (ao contrário da Côte de Nuits, onde a orientação leste prevalece), o que favorece uma maturação maior das uvas. Em paralelo, as partes mais baixas da denominação de origem são mais sujeitas às geadas, sendo, portanto, mais adequadas para uvas de colheita mais tardia, como a Pinot Noir.

Principais vinhedos

Por conta desta geologia complexa, os vinhedos de Chassagne-Montrachet podem ser divididos em três áreas distintas. Na parte mais baixa da denominação de origem fica a grande maioria dos vinhedos classificados como Village (em amarelo no mapa abaixo), que embora apresentem solos com mais argila e maior possibilidade de geadas, cada dia tem maior proporção de uvas brancas.

Já na faixa que fica na parte central e superior da colina e que concentra os vinhedos Premier Cru (em laranja), a distinção principal fica por conta do tipo de solo. Nos segmentos mais elevados a terre blanche predomina, com terroirs mais adequados para uvas brancas. Nesta parte, chamam a atenção vinhedos como Em Remily e Dent de Chien, ambos perto de Saint-Aubin, além do bloco conhecido como Grande Montagne, logo abaixo do Bois de Chassagne (a agrande área em branco, na parte esquerda do mapa). Neste último, os destaques são En Cailleret, la Romanée e Les Grandes Ruchottes.

Já na parte central, a presença de terre rouge aumenta à medida que a elevação é menor. Mais próximo do vilarejo fica o histórico Clos-St-Jean, que hoje é dividido entre uvas brancas e tintas, mas que no passado recebeu a reverência notre Volnay de Chassagne, por conta de seus vinhos elegantes. Já na área mais ao sul, na direção de Santenay, o destaque fica com o climat “guarda-chuva” Morgeot; enquanto Blanchot-Dessus e Vide Bourse, próximos aos Grands Crus (em cor de vinho), também dão origem a vinhos de excelente qualidade.

Estilos de vinhos

Com tantas diferenças, é difícil falar de um estilo único para os vinhos de Chassagne-Montrachet. De forma geral, os vinhos tintos são considerados relativamente encorpados, muitas vezes comparados com os Pinot Noir de Nuits-Saint-Georges, sendo mais ricos e intensos que os dos vizinhos Puligny-Montrachet ou Saint-Aubin. A maior exceção parece ser Clos-St-Jean, com vinhos mais elegantes e de taninos mais suaves.

Já para os Chardonnays produzidos a partir de terrenos mais adequados para uvas brancas, o consenso os coloca em linha com o estilo que prevalece em Puligny-Montrachet, embora como mais presença de fruta e menos tensão. A maior controvérsia fica para os vinhos de vinhedos convertidos para uvas brancas, que não apresentariam a acidez, finesse e equilíbrio necessários, sobretudo para os elevados patamares de um Premier Cru.

Por conta disso, volta a existir uma discussão a respeito da possibilidade de classificação Premier Cru para cada vinhedo ser revista de acordo com a cor de uva. Existiu uma discussão mais intensa no passado (década de 1970), mas que foi arquivada. Esta possibilidade, adotada mais recentemente em denominações de origem como Pernand-Vergelesses e Ladoix, poderia ser uma alternativa para melhorar o sistema de classificação, mas que, porém, enfrenta sérias resistências.

Produtores em evidência                                        

Até pelo fato de produzir tanto vinhos brancos como tintos, Chassagne-Montrachet conta com uma grande quantidade de produtores, com diversos estilos. Dentre eles, talvez o principal destaque fique com a Domaine Jean-Claude Ramonet, frequentemente listada entre os melhores produtores de toda a Borgonha. Também chamam a atenção nomes como Domaine Bernard Moreau, Domaine Lamy-Caillat, Domaine Paul Pillot e Pierre-Yves-Colin-Morey.                                        

Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris

Mapa: Vins de Bourgogne

Imagens: Arquivo pessoal

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