Cheverny: vinhos de corte que representam a diversidade do Loire

Os vinhos do vale do Loire mostram diversas expressões, sobretudo por conta da diversidade de uvas cultivadas nesta região. Cada uma das principais denominações de origem nesta área, porém, é quase sempre automaticamente conectada a uma uva específica. Vouvray e Savennières, por exemplo, têm a Chenin Blanc no papel central. O mesmo acontece com a Cabernet Franc em Chinon ou Bourgueil, ou com a Sauvignon Blanc em Sancerre ou Pouilly-Fumé.

Porém, há uma denominação específica onde o termo diversidade ganha outro significado, ao menos quando se fala na elaboração de vinhos. Ao contrário das citadas anteriormente, onde somente monovarietais são permitidos, na denominação de origem Cheverny os vinhos, tanto brancos, rosés ou tintos, devem obrigatoriamente ser cortes.  

O logo da denominação de origem Cheverny

Histórico de diversidade

Cheverny fica localizada próxima da histórica cidade de Blois, a cerca de 200 quilômetros ao sul de Paris. E esta distância em relação à capital francesa teve uma importância fundamental no desenvolvimento da vinicultura da região. Em 1577, o Parlamento em Paris promulgou legislação proibindo os habitantes da cidade de comprar vinhos produzidos dentro de vinte léguas (88 quilômetros) da capital.

Para atender esta restrição, o que se viu foi uma expansão dos vinhedos, a princípio em torno de Orleans, e posteriormente, seguindo o Loire na direção de Blois e Tours. O fluxo comercial para Paris se tornou ainda mais intenso após a construção de um canal no século XVII, ligando o rio Loire ao Sena. Ao invés de render à produção de vinhos mais simples e baratos, porém, Cheverny manteve sua tradição de qualidade. Os chamados “vinhos de Sologne” chamavam a atenção pela finesse e elegância.

O maior impacto aos vinhedos, porém, foi no século XIX, com a chegada da filoxera. Por conta das sequelas deste pulgão, que destruiu boa parte das áreas de cultivo de videiras na França, a composição dos vinhedos mudou. A partir de então, nove variedades ganharam mais importância. Apesar disso, foi somente em 1993 que se deu a criação da denominação de origem Cheverny.

A denominação de origem Cheverny (em ocre)

Uma denominação distinta

Criada em 26 de março de 1993, em paralelo com a denominação Cour-Cheverny, a Cheverny AOC desde o início apostou na diversidade. Com uma área de cerca de 688 hectares de vinhedos em 2019, ela cobre 25 comunas distintas na margem direita do Loire. Vale lembrar que originalmente eram 24, fato que mudou com a inclusão, em 2017, do município de Chambord, onde fica um dos mais lindos castelos da França.  

A denominação Cheverny é intimamente ligada com Cour-Cheverny, onde apenas a uva Romorantin é permitida. De fato, toda a área geográfica de Cour-Cheverny (apenas 55 hectares de vinhedos) fica dentro da Cheverny AOC, com a diferença entre elas sendo quais uvas são plantadas. Se o vinho é elaborado a partir de Romorantin, é engarrafado como Cour-Cheverny, caso seja um corte de uvas que atenda às regras, é comercializado como Cheverny.

A produção média de Cheverny nos dez anos até 2020 foi de cerca de 24,6 mil hectolitros, o que equivale a cerca de 3,3 milhões de garrafas de vinho ao ano. Estes números colocam esta denominação em um patamar intermediário de produção na Touraine, abaixo de AOCs como Vouvray, Chinon ou Bourgueil. Dos vinhos produzidos, cerca de 59% eram brancos, com os tintos correspondendo a 32% e os rosés aos demais 9%. Os rendimentos permitidos máximos são de 60 hectolitros por hectares para as uvas brancas e 55 hl/ha para as tintas.

Uvas permitidas

A denominação Cheverny tem regras relativamente complexas na hora de determinar a composição de seus vinhos. No caso dos vinhos brancos, existem duas variedades principais (Sauvignon Blanc e Sauvignon Gris) e três complementares (Chardonnay, Chenin Blanc e Orbois – também chamada de Menu Pineau). Para poder ser engarrafado como Cheverny, o vinho deve conter entre 60% e 84% das variedades principais, com os demais 16% a 40% sendo das complementares.

No caso dos vinhos tintos e rosés, as regras são um pouco mais complexas. Há uma uva principal (Pinot Noir), uma complementar (Gamay) e uma acessória (Côt, como a Malbec é conhecida na região. Os cortes devem conter entre 60% a 84% de Pinot Noir, com o restante da duas outras, porém com um limite de 5% para a Côt.

Para complicar um pouco mais as coisas, existem também algumas disposições provisórias, válidas até a safra 2025. No caso dos tintos, a Cabernet Franc é considerada uma variedade acessória, também com máximo de 5%. Já os rosés contam também com Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon e Pineau d’Aunis como acessórias, com um máximo de 25%.

Geologia e clima

A geologia da área de Cheverny é bastante única na comparação com outras denominações do Loire.  Ela está localizada entre duas áreas geológicas: a leste fica a Sologne, com seus solos arenosos e argilosos dos períodos mioceno e plioceno. Já a oeste, predominam os solos argilosos e siliciosos do período cretáceo. A consequência é que os solos são constituídos por uma estrutura arenosa predominante ou solos de um substrato calcário. Os últimos tipos de solo são tradicionalmente reservados para as plantações de Pinot Noir e Chardonnay.

O clima é um pouco mais seco do que os vinhedos ao longo do Loire localizados na direção de Tours, com 25 a 50 mm a menos de precipitação anual. Há um importante componente continental, com temperaturas menores (durante o período de desenvolvimento das videiras, a temperatura média é mais baixa que os vinhedos a oeste, entre 0,5 a 1 ° C). Combinado com as características dos solos, este conjunto de variáveis climáticas também favorece a Pinot Noir e a Chardonnay, em detrimento da Cabernet Franc e Chenin Blanc, mais populares a partir de Amboise e Tours.

Os vinhedos de Cheverny e Cour-Cheverny

Vinhos e produtores

O que esperar dos vinhos de Cheverny, que conta com cerca de 50 produtores distintos?  A grande maioria dos brancos tem a Sauvignon Blanc como majoritária, trazendo as características desta variedade, balanceadas pela elegância da Chardonnay e/ou a mineralidade da Orbois. Já nos tintos, a influência da Pinot Noir é maior, com a Gamay trazendo taninos levemente mais rústicos e maior concentração de cor.

Boa parte dos produtores atua também em Cour-Cheverny, embora a maioria deles com produção em volumes maiores em Cheverny. Entre eles estão Domaine des Huards, François Cazin, Domaine de Montcy, Domaine du Moulin, Thierry Puzelat, Claude Courtois (Les Cailloux du Paradis), Julien Courtois, Le Petit Chambord e Domaine Philippe Tessier. Destaque também para Domaine de Veilloux, com foco somente em Cheverny.

Fontes: Loire Master Level Study Manual, Wine Scholar Guild; Vins Cheverny; Vins de Cheverny et Cour-Cheverny; The Wine Doctor; Cahier des Charges de L’appellation d’origine Cheverny; Loire Valley Wine Economic Report, Vins de Loire

Imagem: Christian B. via Pixabay

Mapas: Vins du Val de Loire, Vins Cheverny

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