Corton: a colina mais emblemática da Côte d’Or e seus vinhedos Grand Cru

A colina de Corton é um importante ponto de referência na Côte d’Or. Embora faça parte da Côte de Beaune, ela marca a divisa com a Côte de Nuits e dá origem aos vinhos tintos de classificação Grand Cru elaborados mais ao sul da Borgonha. Mas sua fama não vem somente dos vinhos elaborados a partir da Pinot Noir. É nesta colina que também estão os vinhedos que dão origem aos Corton-Charlemagne e aos Charlemagne, denominações de origem de longa tradição.

Por outro lado, talvez seja uma das regiões mais confusas da Borgonha para entender. Em primeiro lugar, ela é dividida por três communes (municípios) diferentes: Aloxe-Corton (onde fica a maioria dos vinhedos Grand Cru), Pernand-Vergelesses e Ladoix-Serrigny. Três também é o número de denominações Grand Cru nesta colina: Corton (vinhos tintos e, em menor escala, brancos) e as já citadas Corton-Charlemagne e Charlemagne.

Estas três denominações de origem, porém, não ocupam áreas distintas. Elas se sobrepõem. Podemos considerar Corton como uma espécie de guarda-chuva, incluindo os cerca de 160 hectares de vinhedos Grand Cru da região. Corton-Charlemagne aparece como uma espécie de subdivisão, com 72 hectares exclusivamente plantados com Chardonnay. Já Charlemagne, uma denominação de origem quase não mais usada, inclui 62 hectares de vinhedos. É a origem de vinhos que poderiam (e na prática são, com uma exceção) engarrafados como Corton-Charlemagne.

Geografia e peculiaridades

Com 160 hectares de vinhedos, Corton é o maior vinhedo Grand Cru da Borgonha. E nesta classificação, a única para vinhos tintos na Côte de Beaune. A colina é facilmente distinguível por seu formato ovalado, coberta por uma abundante floresta, o Bois de Corton. É um dos pontos mais elevados com vinhedos na Côte d’Or, atingindo 388 metros no seu ponto mais alto.

Por conta de seu formato é, de certa forma, um local único. Seus vinhedos estão espalhados ao redor de boa parte da colina, algo raro na Côte d’Or. Nesta parte da Borgonha a grande maioria dos vinhedos mostra exposição entre sudeste e sudoeste. Em Corton, são 270 graus dedicados a vinhedos, lembrando uma ferradura, com exposições leste, sudeste, sul, sudoeste, leste e mesmo nordeste. Os solos também variam bastante, assim como a altitude.

Geologia e terroir

Até pelo seu tamanho e disposição, a denominação Corton apresenta uma grande variedade de terroirs distintos. Na parte oeste, mais próxima a Pernand-Vergelesses, há mais calcário e maior influência do ar frio que vem, através das combes, das Hautes-Côtes. Não é surpresa que a Chardonnay reine na região, quase sempre engarrafada como Corton-Charlemagne.

A partir dos vinhedos de Aloxe-Corton, a Pinot Noir passa a ser majoritária, sobretudo nas áreas de menor altitude, até por conta da diferente composição de solos. Nas partes mais altas, próximas ao Bois de Corton, os solos têm maior concentração de calcário, e a Chardonnay segue presente. Por outro lado, por conta da maior presença de argila e ferro nos terrenos mais próximos da base da colina, a Pinot Noir domina a maior parte da face leste da colina de Corton.

De forma geral, porém, os solos têm um ponto em comum.  O calcário da era jurássica oxfordiana entre Ladoix e Meursault é mais jovem (145 milhões de anos) do que em outros lugares ao longo da Côte d’Or. 

Uma longa história

Muito antes da criação de suas três denominações de origem, porém, a área da colina de Corton já tinha relação com o mundo do vinho, possivelmente desde a época galo-romana. Porém, os dois nomes relacionados com a região viveram na Idade Média. Charlemagne se refere ao imperador carolíngio Carlos Magno, que teria vinhedos na região. Em 775 ele doou as terras para um grupo religioso formado em torno da figura de Saint-Andoche de Saulieu.

Já Corton possivelmente se deve à expressão Curtis d’Orthon. Isso é uma referência a uma propriedade (curtis, em francês arcaico, pode ser traduzida como domaine) de posse de Otto I. Este imperador germânico, fundador do Sacro Império Romano, passou, a partir de 937, a ser também soberano do reino da Borgonha.

Reputação e controvérsias

Ao longo da Idade Média, a colina manteve sua reputação como origem de vinhos brancos e tintos de alta qualidade. A fama do vinhedo seguiu alta nos séculos seguintes e foi refletida na inclusão do nome Corton ao vilarejo de Aloxe em 1862. A prática de emendar o nome do vilarejo com aquele de seu melhor vinhedo foi adotada por diversos vilarejos da Borgonha. Tudo começou com Gevrey-en-Montagne, que mudou seu nome para Gevrey-Chambertin em 1847.

Apesar da reputação dos vinhedos, a criação das denominações de origem em 1937 foi cercada por controvérsias. Por conta da rivalidade entre as communes de Aloxe-Corton, Pernand-Vergelesses e Ladoix-Serrigny, a definição das áreas classificadas como Grand Cru, sobretudo na denominação Corton, é até hoje criticada. A isso contribui também a grande extensão da região, com significativas diferenças de solo, exposição e altitude.

A denominação de origem Corton

A grande maioria dos vinhos brancos é engarrafada como Corton-Charlemagne, o que faz da denominação Corton a mais importante para vinhos tintos. Criada em 1937, a denominação teve sua área aumentada em algumas ocasiões desde então. Os destaques ficam com 1966 (parcelas adicionadas em Pernand) e 1978 (em Ladoix). Atualmente, é composta por 26 climats distintos, dos quais 16 estão localizados em Aloxe-Corton, nove em Ladoix-Serrigny  e um Pernand-Vergelesses.

Da área total de 160,19 hectares, 120,5 ha estão localizados na commune de Aloxe-Corton, o que corresponde a 75,2%. Em Ladoix-Serrigny são 22,43 ha (14%), com Pernand-Vergelesses ficando com os demais 17,26 hectares (10,8%). Em termos de produção, foram 3.235 hectolitros em 2018, o equivalente a cerca de 430 mil garrafas. Deste total, 95% foram vinhos tintos.

No caso dos vinhos tintos, o produtor pode optar por incluir, nos rótulos, o nome do climat de onde provém as uvas. Já no caso dos brancos, isso não é permitido. Os vinhos (desde que não sejam das denominações Corton-Charlemagne ou Charlemagne) são engarrafados como Corton Blanc. Estes brancos são produzidos com uvas de onze climats em Aloxe e seis em Ladoix que não estão incluídos em Corton-Charlemagne, com destaque para Vergennes e Languettes.

Grand Cru ou Premier Cru?

Possivelmente mais do que em qualquer parte da Côte d’Or, existe muita controvérsia sobre a quantidade e qualidade de climats Grand Cru dentro da denominação Corton. Parece existir um consenso de que muitos deles não reúnem as condições necessárias para esta classificação, algo que já é refletido em seus preços. De forma geral, os Grand Cru tintos de Corton tendem a ser os mais baratos da Côte d’Or.

Jasper Morris, possivelmente o mais respeitado crítico de vinhos especializado em Borgonha, deixa isso claro. “Talvez valesse a pena recomeçar do zero, ao menos quando falamos de vinhos tintos”. Para ele, isso significaria que somente climats como Le Corton, Clos du Roi, Les Bressandes, Le Rognet et Corton (e talvez Les Renardes e Vergennes) manteriam o status Grand Cru.

Principais vinhedos

Focando exclusivamente nos vinhedos que não fazem parte das denominações Corton-Charlemagne e Charlemagne, a lista de principais destaques fica em linha com os climats discutidos acima. Corton Clos du Roi, inteiramente localizado em Aloxe-Corton e com 10,73 hectares de área, é o que mais chama a atenção. Com orientação leste e situado na parte central-superior da encosta (300-320 m), fica no coração de Corton. É considerado como a origem dos vinhos tintos mais completos da região.

Outros destaques são Les Bressandes (o maior climat desta denominação, com 17,4 hectares), Le Corton, Les Renardes e Les Perriéres (todos localizados em Aloxe, próximo a Clos du Roi), além de Les Rognet et Corton (este situado em Ladoix). Um vinhedo que também chama a atenção é o Clos des Corton Faiveley, o único Grand Cru, além de Romanée Conti, que carrega em seu nome também o do produtor.  

Produtores em evidência

A grande área de vinhedos de Corton atraiu produtores de toda a Côte d’Or. Deste modo, além daquelas vinícolas localizadas nas communes que dividem a colina, é comum encontrar produtores sediados em outros vilarejos. Os négociants (como Louis Latour, Bouchard Père e Fills, Faivelley e Louis Jadot) possuem diversas parcelas. Entre os produtores independentes, atuam também na região nomes como Domaine de la Romanée Conti, Domaine de Montille, Domaine de la Pousse d’Or e Domaine Méo-Camuzet.

Já entre os produtores sediados ao redor de Corton, talvez o maior destaque fique com Bonneau de Martray. Com endereço principal em Pernand-Vergelesses, possui áreas significativas em Corton-Charlemange e Corton Grand Cru. Vale a pena também conferir os vinhos da Domaine Rapet, Domaine Rolin, Domaine Dubreuil-Fontaine e Domaine Meuneveaux.    

Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris; The Climats and Lieux-dits of the Great Vineyards of Burgundy, Marie-Hélene Landrieu-Lussigny & Sylvian Pitiot

Mapa: Vins de Bourgogne

Imagens: Arquivo pessoal

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