Corton-Charlemagne é um nome familiar para quem aprecia os grandes vinhos brancos do mundo. Porém, ainda existe uma certa confusão em relação a que este nome se refere. Seria uma denominação de origem? Ou o nome de uma área geográfica ou vinhedo? Origem de alguns dos melhores vinhos brancos da Borgonha, Corton-Charlemagne tem uma longa história, marcada por reis, ordens religiosas e grandes produtores.
Atualmente, é diretamente associada a alguns dos melhores Chardonnays do mundo, mas o que pouca gente sabe é que, no século XIX, foi uma área dominada pela Aligoté. Esta variedade, porém, perdeu muito espaço na Borgonha, sobretudo quando da eclosão da filoxera, epidemia que exterminou uma parte significativa dos vinhedos europeus a partir da década de 1860.
O vinhedo Corton-Charlemagne
Respondendo à pergunta acima, existe um vinhedo, mais especificamente um climat (usando a linguagem usada na Borgonha), chamado Corton-Charlemagne. Ele tem pouco mais de 34 hectares e está situado na parte norte da Côte de Beaune, dividido entre os vilarejos de Pernard-Vergelesses e Aloxe-Corton.
Ele é composto por dois lieux-dits distintos, um em Pernand-Vergelesses, chamado En Charlemagne (com 17,26 hectares) e outro, um pouco menor, em Aloxe-Corton, conhecido como Le Charlemange (16,95 hectares). Em comum, estes dois lieux-dits (em vermelho no mapa abaixo) dividem solos com grande proporção de calcário, porém divergem em termos de orientação.
Enquanto a parte localizada em Pernand-Vergelesses tem orientação oeste, Le Charlemagne goza de uma orientação sudoeste. Isso garante maior exposição solar e vinhos com mais corpo e estrutura, porém sem perder a mineralidade marcante que caracteriza En Charlemagne.
Uma longa história
Este vinhedo tem uma longa história. Embora não haja evidências escritas, acredita-se que uvas já eram plantadas na área desde a época galo-romana. Suas primeiras menções datam da Idade Média, envolvendo o nome de dois reis, um muito conhecido e outro nem tanto. Charlemagne faz referência ao imperador carolíngio Carlos Magno, que teria sido dono deste vinhedo. Em 775, porém, ele doou suas terras para a comunidade religiosa formada em torno da figura de Saint-Andoche de Saulieu.
O segundo rei que também teve posse do vinhedo e, até hoje, tem seu nome associado é Otto I. Este imperador germânico, fundador do Sacro Império Romano, passou, a partir de 937, a ser também soberano de vastas áreas na França, inclusive a Borgonha. O nome Corton se deve à expressão Curtis d’Orthon, que combina curtis (que vem do francês arcaico e pode ser traduzida como domaine) com uma versão do nome do rei.
Denominação de origem Corton-Charlemagne
Porém, Corton-Charlemagne não é somente o nome de um climat. Este termo é também usado para uma denominação de origem Grand Cru, criada em 1937, pouco depois do lançamento do sistema de classificação de vinhedos na França. Ela inclui o climat Corton-Charlemagne, porém é composto também por outros vinhedos, com uma área total de 71,9 hectares.
Além de cerca de 65,8 hectares dentro dos limites das communes de Pernard-Vergelesses e Aloxe-Corton, conta também com pouco mais de seis hectares em Ladoix-Serrigny. No total, são nove lieux-dits: En Charlemagne, Le Charlemagne, Les Pougets, Le Corton, Les Languettes, Les Renardes, Hautes Moutottes, Basses Moutottes e Le Rognet et Corton.
Muitos destes vinhedos (que não os 34 hectares de ficam em En Charlemagne e Le Charlemagne) são plantados nas áreas mais altas da colina de Corton, parte dos quais com exposição oeste. Somente podem fazer parte desta denominação de origem vinhos brancos, elaborados a partir da Chardonnay. Caso o produtor opte por plantar Pinot Noir, os vinhos devem ser engarrafados como Corton, também uma denominação de origem Grand Cru.
Denominação de origem Charlemagne
O que pouca gente sabe, porém, é que há uma outra denominação de origem, chamada Charlemagne. Embora usada atualmente apenas por um produtor (Domaine de la Vougeraie) e considerada como quase extinta pelas próprias autoridades da Borgonha, ela ainda existe. São 62,94 hectares de vinhedos, dos quais 45,68 hectares localizados em Aloxe-Corton e 17,26 hectares em Pernand-Vergelesses.
O que torna a coisa um pouco mais confusa é que ela não é uma denominação paralela com Corton-Charlemagne, mas sim uma espécie de subdivisão. A colina de Corton tem esta característica peculiar, com a maior denominação Grand Cru (Corton, com 160 hectares) funcionando com uma espécie de “guarda-chuva” para as demais. Quando se fala de Charlemagne, portanto, a área inclui cinco lieux-dits de Corton-Charlemagne, com exceção de Les Renardes, Hautes Moutottes, Basses Moutottes e Le Rognet et Corton. Novamente, somente uvas brancas são aceitas.
Lenda ou realidade?
A preferência por uvas brancas nestas denominações de origem se deve, possivelmente, às características dos solos e outras condições de terroir, mais adequadas à Chardonnay do que à Pinot Noir. Porém, isso não impede que exista uma lenda que busca explicar esta opção por conta de uma decisão histórica.
O imperador Carlos Magno era conhecido como um grande consumidor dos vinhos da região, sobretudo nos últimos anos de seu reinado, quando já ostentava uma vasta barba branca. Reza a lenda que sua quarta esposa, Luitgard, estaria insatisfeita com as manchas de vinho tinto na barba e teria convencido o imperador a substituir as uvas tintas por brancas. Embora seja fascinante, esta história carece de evidências históricas, até porque o vinhedo foi doado em 775. Isso ocorreu cerca de 40 antes da morte de Carlos Magno, possivelmente na faixa de 67 anos de idade.
Vinhos e estilos
Independentemente da lenda, os vinhos brancos dominam inteiramente estas denominações de origem. Entre eles, de forma geral, a percepção é que os vinhos provenientes do lieu-dit Le Charlemagne são os melhores. Beneficiados pela sua posição na colina e orientação sudoeste, estas parcelas dão origem a vinhos que combinam potência e elegância, estrutura e mineralidade.
Também por conta de sua orientação, com menor exposição solar, os vinhos de En Charlemagne são considerados mais minerais e com maior tensão. No entanto, existe uma certa controvérsia a respeito de uma área que foi elevada a Grand Cru em 1966 e passou a fazer parte da denominação. Para alguns, isso foi um erro, já que os vinhos não apresentam a complexidade necessária para um Grand Cru. Outras áreas estão espalhadas na parte mais alta da colina, próximo ao Bois de Corton, que cobre a região.
Produtores em destaque
Como uma das melhores áreas para produção de vinhos brancos de alta qualidade da Borgonha, Corton-Charlemagne atraiu a atenção de muitos produtores da região. Atualmente são quase 60 produtores diferentes com parcelas nesta denominação de origem, embora pouco mais que uma dúzia deles tenham áreas acima de um hectare.
Em termos de área de vinhedos, o destaque fica coma o négociant Louis Latour, com pouco mais de dez hectares, seguido por Bonneau de Martray, sediada em Pernard-Vergelesses, com 6,5 hectares. Completam a lista de cinco maiores: Bouchard Père et Fils (3,98 ha), Domaine Rapet (3,07 ha) e Domaine de la Romanée Conti (2,91 ha).
Além da prestigiada vinícola sediada em Vosne-Romaneé, diversos outros nomes icônicos de outros vilarejos da Côte d’Or também vinificam a partir de suas parcelas em Corton-Charlemagne. Destaque (na ordem de área de vinhedos) para Domaine de Montille, Coche-Dury, Pavelot, Domaine Leroy, Bruno Clair, Jacques Prieur, Roumier e Simon Bize.
Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris; The Climats and Lieux-dits of the Great Vineyards of Burgundy, Marie-Hélene Landrieu-Lussigny & Sylvian Pitiot
Mapas: Vins de Bourgogne
Imagens: Arquivo pessoal
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