O que as principais regiões produtoras de vinhos do mundo têm em comum? São diversos fatores, mas um deles chama a atenção: latitude. Embora existam outros fatores que expliquem o peso da vinicultura em diversas regiões, a grande maioria dos vinhedos usados para a produção de vinhos finos no mundo fica entre as latitudes 30 e 50, tanto no Hemisfério Norte como Sul. Esta é a faixa onde a Vitis vinifera, que é a base de todas as principais variedades, atinge as condições ideias de maturação, para que suas uvas sejam usadas na elaboração de vinhos de qualidade.
Porém, cada vez mais surgem iniciativas em regiões fora desta faixa. E vários fatores podem explicar isso. Por conta do aquecimento global, regiões situadas em latitudes mais altas começam a mostrar condições adequadas para o cultivo de vinhedos de qualidade. Um exemplo é a Inglaterra, onde a produção de espumantes de qualidade já chama a atenção.
Altitude e outros fatores
Um outro fator importante é a altitude. Vinhedos em regiões mais altas ganharam espaço nos últimos anos, mesmo em regiões dentro da “faixa de latitude ideal ”. Destas, a Argentina talvez seja o melhor exemplo, com diversos dos mais altos vinhedos do mundo. Por conta das condições climáticas em terrenos mais elevados (sobretudo grande amplitude térmica), é possível replicar muitas das condições ideais para a Vitis vinifera.
Existem também outros fatores importantes, como desenvolvimento de novas uvas híbridas, herança cultural e mesmo oportunidades de mercado. Certamente estas não devem ser desprezadas, pois, mesmo fora das condições ideais ainda pode ser vantajoso produzir em certos países, onde o vinho importado custa muito caro.
Cinco regiões “fora da curva”
Vamos conhecer um pouco de cinco regiões, que, por estes e outros motivos, começam a conquistar espaço no mundo do vinho. Mesmo estando fora da faixa ideal, são regiões que prometem ou mesmo que já produzem vinhos de forma consistente. Vale lembrar que a lista não para por aí, poderíamos listar tantas outras. Não há dúvidas que também o vinho está se globalizando.
Porém, não vamos considerar aqui locais onde técnicas pouco convencionais (como poda invertida no Sudeste brasileiro) ou excesso de intervenção nos vinhedos e na adega (para corrigir uvas de baixa qualidade) são dominantes. Afinal de contas, não faz sentido ir contra a tendência atual na viticultura atual. De forma crescente, o mundo do vinho parece migrar para métodos de agricultura mais sustentáveis, incluindo o cultivo orgânico ou biodinâmico.
Os vinhos de uvas híbridas da Suécia
Pensar em vinho elaborado na Suécia poderia parecer uma heresia há algumas décadas. Mas isso está se transformando em realidade, sobretudo por conta da rápida evolução no desenvolvimento de uvas híbridas. Chamadas atualmente de PIWIs, as uvas híbridas nada mais são variedades criadas a partir do cruzamento de uvas já existentes. O intuito é o uso de uvas mais resistentes ou mesmo imunes a certas doenças comuns nos vinhedos. E isso leva a vinhedos mais sustentáveis.
A Suécia é, apesar do seu clima frio, uma região vinícola oficial desde 1999. Pouco mais de vinte anos depois, as coisas começaram a se mover de forma mais marcante. Em dezembro de 2021, a União Europeia deu o sinal verde para a Suécia usar variedades híbridas nos seus vinhos com denominação de origem definida. Isso deve impulsionar o plantio de videiras na região. Os vinhedos neste país escandinavo cobrem um total de cerca 150 hectares, a maior parte em pequenas propriedades. Apesar de pequena, esta área cresceu 50% em dois anos e as estimativas indicam que ela deve dobrar em cinco anos.
O maior destaque fica com a Solaris, uva criada em 1975 na Alemanha, que é considerada parte do grupo da Vitis vinifera. Ela conta com elevada carga genética de variedades como Riesling, Pinot Gris e Muscat Ottonel. Outro fator importante para o crescimento da vinicultura no país é a possibilidade de flexibilização do monopólio estatal de venda de bebidas alcóolicas na Suécia a partir de 2023. O Systembolaget é visto como um importante obstáculo para o desenvolvimento dos vinhos suecos.
Vinhos de altitude em Mianmar
Se o trunfo dos suecos é o uso de uvas híbridas, no caso de Mianmar a principal vantagem fica na altitude. Este país do Sudeste da Ásia, conhecido no passado como Birmânia, faz fronteira com China, Índia e Tailândia. Com colonização britânica, praticamente não tinha tradição na viticultura até 1999.
Foi quando o alemão Bert Morsbach apostou no terroir de altitude (cerca de 1.400 metros acima do nível do mar) de Taunggyi. Atualmente, produz vinhos de diversos estilos (brancos, tintos, rosé e vinhos de sobremesa), a partir de algumas variedades conhecidas por quem aprecia vinhos europeus, com Sauvignon Blanc, Chenin Blanc, Syrah e Tempranillo. O sucesso da Myanmar Vineyard Estate já serve de inspiração para outros produtores, entre eles a Red Mountain Estate, um projeto com participação francesa. O objetivo? Colocar de vez este país tropical do Sudeste asiático no mapa do vinho mundial.
Pioneirismo na “Suíça da África”
Vinhos em Ruanda? Por enquanto apenas uma aposta, pode se tornar em realidade nos próximos anos. Apesar de localizada no centro-leste do continente africano, não muito longe da linha do Equador, esta pequena nação marcada por uma brutal guerra civil conta com um trunfo importante para a viticultura: sua geografia e relevo. Por conta de suas características, é conhecida como a Suíça da África. Dispõe de altas montanhas (que podem superar 4.500 metros) e vales de altitude (seu ponto mais baixo é 950 metros acima do nível do mar).
Visando desenvolver a viticultura local, Ruanda tem um parceiro de peso. Em 2019 foi anunciado um acordo com a província alemã do Renânia-Palatinado, com o objetivo de promover a viticultura sustentável. Pelo acordo, a Alemanha se compromete em ajudar Ruanda na criação de tecnologias, pesquisa e experiência para o país da África Oriental começar a cultivar uvas usadas para preparar vinho tinto, branco e rosé para os mercados local e global. A parceria visa identificar regiões geográficas e locais adequados para a cultura da videiras.
Peru: entre tradição e inovação
O Peru já tem uma longa tradição na viticultura, com mais de 15 mil hectares plantados, grande parte deles destinado para a produção de pisco. Porém, nos últimos anos este país andino também passou a dedicar maior atenção à produção de vinhos, contando com dois fatores importantes: suas áreas desérticas e a altitude. Assim como a Argentina em suas regiões mais ao norte, o Peru vê a viticultura de altitude como um caminho viável.
O país pode seguir uma combinação entre dois caminhos distintos. De um lado, usar as variedades trazidas pelos espanhóis, com algumas já usadas para a produção de pisco. São os chamados patrimoniales, com uvas que incluem Quebranta, Mollar, Moscatel de Alexandria, Negra Criolla (com a País é conhecida no Perú), Torontel, Moscatel Negro del Perú, Albilla e Palomino Fino. De outro, apostar em uvas mais internacionais, como Malbec, Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot, Tannat, Sauvignon Blanc e Chardonnay.
Uma nova fase do vinho na Índia
A Índia tem uma longa tradição na viticultura (evidências arqueológicas do primeiro milênio antes de Cristo), embora haja dúvidas se as uvas eram usadas somente para consumo direto ou sucos. Porém, sabe-se com certeza que vinhos já eram elaborados após a presença portuguesa na região (século XVI) e durante o período colonial britânico. Porém, a proibição do consumo de álcool na Índia a partir da década de 1950 mudou os rumos da vinicultura indiana.
O vinho renasceu na Índia a partir da década de 1990, sobretudo na área de Nashi. A região atualmente concentra 90% da produção de vinhos do país. Por conta disso, essa cidade, situada a cerca de 200 de quilômetros de Mumbai é chamada de capital do vinho da Índia. Em 2013, havia 22 vinícolas no vale de Nashik, de um total de 46 produtores de vinho na Índia.
A maior delas é Sula Vineyards, que recentemente abriu capital na bolsa de valores local. Seu foco fica sobretudo em uvas brancas, como Chenin Blanc, Sauvignon Blanc e Chardonnay, embora produza também a partir de variedades como Syrah e Cabernet Franc. Recentemente tive a experiência de provar seu Chenin Blanc da safra 2010 e, na prova das cegas, havia quem acreditasse que se tratava de um Rieling alemão. Certamente uma prova de qualidade.
Fontes: Decanter; Federvini; Nordic Vineyards; Farmers Review Africa; Myanmar Vineyards; VoaNews; The Drinks Business; Sula Vineyards
Imagens: Myléne via Pixabay; Myanmar Vineyards; Sula Vineyards
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