Descrever e avaliar vinhos é uma tarefa fascinante. Há quem prefira a objetividade de dar notas, embora poucos recordem que este procedimento também envolve um elevado grau de subjetividade. Uma nota 98 para mim pode ser 90 para você, ou vice-versa. Por conta disso, não incluo notas nas minhas descrições, tentando me ater às características do vinho.
Obviamente, mesmo na descrição “objetiva” das características de um vinho existe também um elemento pessoal envolvido. Um vinho pode ser interpretado de maneira distinta por pessoas diferentes, ou mesmo pela mesma pessoa, dependendo do momento quanto é degustado. Não faltam estudos indicando que descrições diferentes são consequência também de diferenças físicas ou culturais entre os degustadores.
Um exemplo é a sensação de dulçor. E não precisamos nem falar de vinho para isso. Imagine que você seja uma pessoa que gosta de tomar seu cafezinho com quatro colheres de açúcar, enquanto eu prefiro sem açúcar. Provavelmente você achará um café no qual foram adicionadas duas colheres como amargo, enquanto eu direi que ele está doce demais. No vinho é a mesma coisa, suas descrições de acidez, corpo, taninos, profundidade, frescor e tantas outras pode ser diferente das minhas, pois temos um histórico diferente de experiências gustativas.
Descrevendo um vinho
Apesar de todos estes “poréns”, vale a pena entender alguns conceitos que uso em minhas descrições de vinhos. De forma geral, costumo dividir a descrição em três blocos: visual, olfativo e gustativo. Não tenho qualquer dúvida em afirmar que a ordem de importância é crescente, ou seja, o gustativo é, de longe, o mais importante, embora os outros também tenham um papel fundamental.
Por conta disso, na coluna desta semana irei focar na explicação de alguns conceitos usados para descrição do gustativo, ou palato, de um vinho. Antes de mais nada, é importante ressaltar que a forma de descrever o palato de um vinho mudou. Para muita gente, descrever um vinho tinto, por exemplo, é dar ênfase ao chamado tripé (acidez, corpo e taninos), tanto individualmente com em conjunto. Um vinho equilibrado seria aquele onde estes três elementos estão em harmonia.
Embora isso seja importante, gosto de ver o vinho como algo multidimensional, onde o tal “tripé” é apenas uma parte da análise. Considero ao menos mais duas dimensões: uma que diz respeito à intensidade, textura e perfil de sabores, e outra que enxerga o vinho como um objeto “geométrico” de três dimensões. Neste caso, temos amplitude (pense em uma foto horizontal, com vários elementos lado a lado), profundidade (imagine um bolo em camadas) e persistência (entre em um túnel e conte quando tempo até sair dele).
Sabores e intensidade gustativa
De uma certa forma, esta é uma forma de descrever o gustativo de uma forma próxima ao que fazemos com o olfativo. Qual são os sabores que sentimos ao degustar o vinho? Seriam notas mais frutadas, com dulçor e frescor característicos, ou sabores de outras substâncias? E qual seria a intensidade destes sabores? A grande diferença deste paralelo, obviamente, fica na textura, que é presente somente no gustativo e que a cada dia ganha mais importância
É sempre importante ressaltar que, quando falamos que sentimos “notas de hortelã”, por exemplo, tanto no olfativo como gustativo, ninguém está querendo dizer que há alguma chance deste vinho ter algum tipo de infusão de hortelã misturado a ele. Cada substância que consumimos possui componentes aromáticos e alguns deles são em comum entre elas, ou nos fazem remeter à memória de algo que já provamos antes.
Amplitude e profundidade
Um vinho amplo, para mim, é aquele que consegue colocar lado a lado um conjunto amplo de elementos. Quando degustado, ele “ataca” várias partes de sua boca de forma complexa e intensa, preenchendo se palato com múltiplas sensações e sabores. Uma expressão que pode ser usada de forma alternativa seria complexidade, embora eu, particularmente, entendo complexidade como algo de ujma dimensão ainda maior.
A profundidade, ao menos na minha forma de descrever um vinho, diz respeito à quantidade de camadas de sabores encontrados em um vinho. Daí a comparação com um bolo recheado ou lasanha, por exemplo. Um vinho profundo apresenta várias camadas que se complementam, enquanto o seu oposto seria um vinho raso, onde as sensações são mais superficiais.
Persistência e mensagem a passar
Por fim, um vinho pode ser longo ou curto, dependendo do tempo no qual seus aromas preenchem nosso palato. Eu não tenho qualquer dúvida que isso seja uma caraterística altamente desejada em um vinho, até porque nos permite desfrutar uma garrafa por muito mais tempo, aproveitando até o último gole.
Obviamente, é complicado individualizar todas as características, até porque um grande vinho é aquele onde existe harmonia entre as partes. Ele precisa, além de sabores integrados, ter acidez, corpo, textura, profundidade, amplitude, texturas, tensão e persistência. Além disso, precisa ter um estilo definido (mais redondo ou mais vertical, mais rústico ou mais elegante etc.) e, sobretudo, ter uma mensagem a passar. Apreciar um vinho, desta forma, pode ser comparado com se envolver com uma pessoa: não adianta olhar só para suas características físicas (corpo), mas também para sua alma.
Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!
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Foto: Alessandro Tommasi, arquivo pessoal
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