Dragão sem fôlego: como explicar a derrocada do vinho na China?

A rápida queda no consumo de vinho em diversos países europeus nos últimos dois anos, sobretudo na França, acendeu a luz amarela para muitos produtores. Dentre as estratégias adotadas para identificar novos mercados, um que ganha destaque é a aposta nos países emergentes, sobretudo na Ásia. Porém, existe uma enorme barreira: o comportamento do mercado chinês nos últimos anos.

A China foi uma das mais importantes fontes de crescimento da demanda global de vinho neste século. O gigante asiático chegou a responder por 7% do consumo e importações de vinho do mundo em 2017, quatro vezes sua parcela de 2005. Porém, parece que, desde então, o dragão perdeu o fôlego. O consumo per capita de vinho da China atingiu seu pico em 2012, mas vem caindo de forma ininterrupta desde 2017.

Em 2022 correspondeu a apenas um terço de seu pico, enquanto as importações caíram 55% desde 2017.  O que teria acontecido? Kym Anderson, professor da Universidade Nacional da Austrália e um dos mais ativos pesquisadores sobre tendências do vinho no mundo, busca respostas em um artigo que investiga esta situação.

Colocando os dados em perspectiva

Antes de identificar as causas, Anderson destaca a fragilidade das estatísticas chinesas. Embora os números oficiais de importação de vinho pareçam ser razoavelmente confiáveis (excluindo o contrabando vindo de Hong Kong), o mesmo não ocorre com as demais. As estimativas de produção e consumo de vinho variam enormemente entre fontes. Historicamente, as estatísticas de produção nacional do governo se baseavam em dados dos governos provinciais, mas estas parecem ter sido inflacionadas por pelo menos dois motivos.

Em primeiro lugar, grande parte do vinho importado pela China chega a granel. Ele é engarrafado localmente ou misturado com vinho nacional e depois vendido em garrafas rotuladas como Made in China. Outra razão é como é feita a contabilização do vinho comercializado internamente entre as províncias a granel, antes de ser engarrafado. Ele é contabilizado como produção na província de origem, mas também na província de destino – um caso de dupla contagem.

Causas do declínio

Mesmo com estatísticas pouco confiáveis, não há dúvida que a queda da parcela da China no consumo e comércio de vinho é significativa. Dois motivos recebem destaque: o impacto da pandemia de COVID-19 e a desaceleração associada no crescimento da renda chinesa desde então. No entanto, a queda no consumo de álcool na China começou três anos antes e, entre 2019 e 2022, a queda foi consideravelmente maior para o vinho (47%) do que para destilados (17%) e cerveja (3%).

O mercado do vinho na China entre 2000 e 2022

Para Anderson, existem também tendências de longo prazo que explicam este quadro. O vinho é um produto que vê seu consumo aumentar à medida que a população adulta de um país e a renda real per capita sobem. Isso geralmente ocorre, a menos que seu preço em relação ao dos substitutos aumente. Deste modo, o crescimento até 2013 no consumo de vinho da China, mostrado no gráfico acima, não é surpreendente. Porém, a estagnação e queda dramática do consumo desde então, mesmo com a renda crescendo, parece ter outras causas.

Dois fatores teriam contribuído. Anderson levanta a possibilidade de a queda nas vendas de vinho ser consequência de uma tendência de premiumização, como experimentada nos EUA. Talvez os chineses estejam simplesmente bebendo menos, mas melhor. Infelizmente, essa hipótese tem falhas, já que o valor de importação segue em torno de US$ 4,00 por litro desde 2011. Outra explicação é que, na China do presidente Xi, o vinho pode ser visto “politicamente como um produto exótico” associado aos países ocidentais. A valorização de produtos nacionais, em detrimento de importações, parece evidente, sobretudo entre os consumidores mais jovens do país.

Consequências

Mesmo que o mistério do impressionante declínio do vinho na China esteja longe de uma solução definitiva, as lições e consequências para os países produtores parecem claras. Ao contrário de muitos outros países emergentes, sem condições para elaboração de vinhos de boa qualidade para suprir o mercado interno, a China conta com esta possibilidade. Vale lembrar que boa parte do território chinês está situada na faixa de latitude ideal para a viticultura.

Além disso, a mudança do padrão de consumo da jovem geração chinesa dificulta o acesso ao mercado. Como descrito em reportagens publicadas na Bloomberg “atender às demandas da jovem, nacionalista e exigente Geração Z exigirá uma imensa mudança na forma como as empresas ocidentais atuam”. Ou seja, quem apostou que a demanda por bens estrangeiros perdurará na China pode ter um desafio sem precedentes. Talvez seja mais seguro, por conta disso, buscar outros mercados.

Fontes: What’s happened to the wine market in China?, Kym Anderson; Meininger’s International

Imagem: OpenClipart-Vectors via Pixabay

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