Estresse hídrico: o que acontece com videiras e vinhos em situações de seca extrema?

O ano de 2022 tem sido marcado por secas severas em boa parte da Europa, inclusive em diversas regiões produtoras de vinho. Embora as videiras fiquem dentre as plantas mais resistentes à falta de água, não há dúvida que as condições climáticas deste ano irão afetar de forma significativa os vinhos da safra 2022. O que esperar?

Para responder esta pergunta, vale a pena analisar como o estresse hídrico afeta as videiras e, consequentemente, os vinhos elaborados a partir de suas uvas. Antes de mais nada, é importante destacar que este impacto depende de uma série de fatores. Entre eles estão: variedade plantada, composição de solo e o momento no qual este estresse é sentido, além obviamente, da intensidade da seca.

Definindo estresse hídrico

Videiras precisam sofrer com falta de água? É geralmente aceito que a qualidade da uva e do vinho com ela elaborado costumam ser melhores em safras relativamente secas. A ausência de água na superfície acaba fazendo com que as videiras desenvolvam raízes mais amplas e profundas. Isso permite que a planta tenha condições de absorver uma maior diversidade de nutrientes e enfrentar melhor as variações no regime pluviométrico no futuro.  Além disso, a videira mostra menor crescimento vegetativo, direcionando mais nutrientes para as uvas. 

Porém, existe um limite para a falta de água. A partir de um certo patamar, a ocorrência de estresse hídrico ou seca excessivos não são desejáveis, trazendo um impacto negativo para a planta. E isso afeta as videiras e seus frutos (as uvas), tanto em termos de rendimentos como em qualidade, sobretudo no que diz respeito à sua maturação. Se o excesso de água não é bem-vindo, o oposto também é verdade. A videira necessita de uma quantidade de água adequada para manter seus sistemas ativos e produtivos. Se esta quantidade não for suficiente, podemos falar em estresse hídrico.

Assim, estresse hídrico pode ser definido como o estado fisiológico que as videiras (parte lenhosa, folhagens e frutas) experimentam quando o abastecimento de água é insuficiente durante o ciclo crítico de cultivo. Nesta condição, as videiras terão respostas fisiológicas, que incluem redução na fotossíntese, menor desenvolvimento celular, fechamento dos estômatos das folhas e, na pior das hipóteses, desidratação celular e morte da videira.

A importância da água

Estima-se que uma videira típica precise de cerca de 650-900mm de água anualmente. E boa parte desta demanda ocorre durante os meses de primavera e verão da estação de cultivo, exatamente quando a planta usa suas energias para garantir a produção de uvas. Esta disponibilidade de água, porém, não depende somente do regime de chuvas (ou irrigação, onde é permitida). Depende também, entre outros fatores, entre eles composição de solo e idade das videiras.

Água é fundamental para qualquer planta. Embora as videiras sejam muito resistentes, este também é o caso para elas. De todos os tipos de estresse que as plantas são expostas (seca, salinidade, acidificação do solo, alta temperatura, alta radiação), a mais significativa é o estresse hídrico. A água atua como um solvente universal para nutrientes e minerais necessários para realizar importantes funções fisiológicas – que a videira recebe absorvendo a água contendo nutrientes do solo.

Na ausência de água no solo, o sistema radicular da videira pode ter dificuldades em absorver esses nutrientes cruciais. Além disso, durante o processo de fotossíntese, as moléculas de água combinam-se com o carbono derivado do dióxido de carbono para formar glicose, que é a principal fonte de energia da videira. Sem água, este processo é retardado ou mesmo interrompido.

Impacto sobre as videiras

A videira tem uma série de reações quando enfrenta uma situação de estresse hídrico. A maioria dessas respostas é dinâmica. Ou seja, à medida que o nível de estresse hídrico aumenta, a resposta é maior. Por exemplo, os estômatos das folhas (que influenciam a fotossíntese e, portanto, o desenvolvimento potencial do açúcar dentro das uvas) não fecham completamente nos primeiros sinais de estresse hídrico. Porém, lentamente vão se fechando, à medida que a falta de água aumente ao longo do tempo.

A reação fisiológica de uma videira ao estresse hídrico afetará também o crescimento e o desenvolvimento de brotos, folhas e frutas, dependendo do tempo e do nível de estresse hídrico durante a estação de cultivo. O estresse hídrico também pode ter efeitos menos óbvios ou indiretos no rendimento das frutas e na qualidade final. Por exemplo, ele pode ocasionar a redução do tamanho da fruta. Isso aumenta a relação entre casca e sumo, o que, por sua vez, eleva a concentração de antocianinas e outros componentes fenólicos em uvas tintas.

Um bom vinho começa nas uvas

Para elaborar um bom vinho, é necessário ter uvas de qualidade. E esta qualidade é, em grande parte, definida pela concentração dos diferentes compostos fenólicos que ela contém, que não são distribuídos uniformemente por toda a uva. A casca, por exemplo, contém principalmente antocianinas, flavonóis, ácido hidroxicinâmico, flavan 3-ols e proantocianidina. Já nas sementes, predominam os flavan-3-ols monoméricos e proantocianidina, enquanto na polpa o destaque fica com os ácidos hidroxicinâmicos.

Estudos mostram que o estresse hídrico afeta cascas e as sementes de forma diferente. As concentrações de antocianinas, catequinas, taninos e polifenóis totais nas cascas mudam menos. Já um aumento na concentração de todos os compostos fenólicos ocorre em sementes em níveis mais elevados de estresse. As concentrações de flavan-3-ols e polifenóis totais são muito maiores em sementes do que nas cascas, e os taninos são os compostos principais em ambas as frações. Em resumo, há alteração nas proporções de compostos fenólicos, mudando a qualidade das uvas.

Impacto nas uvas e vinhos

O estresse hídrico causa diversos impactos diretos e indiretos sobre as uvas, dependendo também do momento quando ocorre. No caso de estresse precoce, não há desenvolvimento adequado das folhas (o que reduz a fotossíntese) e a videira pode não ter a capacidade de amadurecer adequadamente seus frutos. Assim, o amadurecimento das frutas pode ser retardado ou suprimido, potencialmente diminuindo a qualidade e aumentando o risco de doenças e predação de aves.

Situações de estresse hídrico costumam resultar em uvas menores, com menor concentração de água. Embora frutas pequenas normalmente estejam associadas à alta qualidade, quando o tamanho menor é devido ao estresse excessivo, as uvas podem não produzir vinhos de alta qualidade.

Em geral, vinhos feitos com uvas de videiras estressadas pela seca são caracterizados por presença mais discreta de fruta, menor complexidade e potencial de guarda mais reduzido. De fato, perfis de evolução atípica do vinho têm sido associados com uvas de safras onde ocorreu estresse hídrico direto, ou através da deficiência de nitrogênio induzida pela seca.

Variedade pode fazer a diferença

O impacto do estresse hídrico varia muito de acordo com a variedade plantada. As variedades podem ser divididas em dois grupos, analisando suas estratégias para fazer frente à falta de água. De um lado, há as isohídricas, que imediatamente fecham os estômatos para manter água. Com isso, reduzem a transpiração e, portanto, a perda de água. O fechamento dos estômatos, no entanto, não permite a entrada de CO2, limitando a fotossíntese da planta. Um exemplo de uma variedade que responde diante do estresse hídrico desta forma é o Montepulciano, que sofre muito com a seca.

Por outro lado, existem variedades, como a Sangiovese, que mostram um comportamento anisohídrico. Estas plantas reagem ao estresse hídrico fechando apenas parcialmente os estômatos, de modo a garantir o desenvolvimento da fotossíntese. Isso faz desta uva, atualmente a mais plantada na Itália, capaz de tolerar melhor longos períodos de seca. 

Difícil avaliação

A conclusão é que é difícil avaliar o impacto do estresse hídrico. Além da variedade plantada, seu impacto pode variar de acordo com diversos fatores. A composição do solo é um deles. Solos de argila, tendo a capacidade de reter e liberar água lentamente, garantem uma melhor resposta eco fisiológica ao estresse hídrico. Solos mais pobres e mais rasos, por outro lado, podem resultar em videiras com maior estresse.

O mesmo ocorre com a idade da videira. Plantas mais jovens, com redes de raízes menos extensas e mais superficiais, acabam sendo muito mais impactadas pela falta de água do que videiras velhas, que podem obter água e nutrientes de forma mais eficiente. Deste modo, na hora de escolher um vinho de uma safra onde a falta de água foi significativa, vale a pena analisar de perto diversas variáveis. Na falta destes dados, a melhor opção talvez seja optar por um vinho de outra safra.

Fontes: Drought Stress, Vine Performance, and Grape Quality, Joseph Fiola; Grapevines and Water Stress, a Key to Quality, Richard Smart; Effects of Water Stress on the Phenolic Compounds of ‘Merlot’ Grapes in a Semi-Arid Mediterranean Climate, Chacón-Vozmediano et al; WineNews;

Imagem: Michael Tavrionov via Pixabay

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