Existem diversos aspectos do tratamento dos vinhedos que podem afetar a qualidade e quantidade dos vinhos produzidos. E um deles é o sistema de condução das videiras. Se atualmente uma proporção crescente dos vinhedos ao redor do mundo vem sendo plantada em espaldeira, um sistema tradicional ainda resiste: gobelet.
Perfeitamente adaptado às condições mais secas do Mediterrâneo, acredita-se que este sistema de condução tenha sido criado pelos gregos antigos e popularizado em boa parte da Europa pelos romanos. Ao contrário de outros sistemas, onde são criadas estruturas (postes e fiação no caso da espadeira, pergolados quando a latada é utilizada), este sistema dá mais liberdade para a videira, que assume o formato de um pequeno arbusto.
Diversos nomes
É o seu formato, que lembra um cone invertido, que dá nome a este sistema em diversos idiomas. No francês e inglês, a inspiração vem da associação com o formato de uma xícara ou cálice (gobelet em francês, goblet em inglês). Da mesma forma, a Espanha usa a expressão viñas en vaso. Já na Itália, alberello é a expressão usada, pois a videira pode lembrar também uma pequena árvore (albero, em italiano). Por fim, nos países de língua inglesa do Hemisfério Sul o termo mais usado é bush vine, pois parecem um arbusto.
No sistema gobelet, as vinhas recebem ajuda para sua sustentação quando pequenas, mas logo passam a depender do tronco para seu suporte. A cada ano são mantidos entre duas e oito (o mais normal são entre três a quatro) varas relativamente curtas, que são podadas para crescer verticalmente. De forma geral, resulta em videiras mais baixas, variando entre 20 e 100 centímetros de altura, na maioria das vezes na altura dos joelhos.
Características
Sendo um sistema de condução ancestral, surgiu quase como consequência das necessidades dos viticultores em diversas regiões ao redor do Mediterrâneo. Por conta de seu formato, se adapta muito bem a regiões de condições hídricas extremas. Geralmente adotado em vinhedos com alta densidade de plantas, as raízes são praticamente forçadas a crescer para baixo, não lateralmente, o que melhora a resistência da planta ao déficit hídrico.
Além disso, a constituição de uma espécie de “copa de folhas” (pense em uma árvore) pode garantir proteção adicional aos cachos de uvas, reduzindo a chance de queimaduras de sol em regiões muito quentes. Também a relativa proximidade dos cachos com o solo acaba contribuindo para melhores condições de amadurecimento das uvas. Em resumo, é um sistema de condução praticamente perfeito para regiões quentes e secas.
Desvantagens
No entanto, o cultivo de vinhas em gobelet também impõe diversas limitações. Em primeiro lugar, o rendimento e, consequentemente, a produção de uvas, acaba sendo menor do que em sistemas como a espaldeira. É um sistema que demanda também muito trabalho manual, tanto na poda como na colheita, pois dificulta o uso de tratores e inviabiliza a colheita mecanizada.
Em regiões com maior umidade, a pequena distância em relação ao solo e a proteção extra dada pelas folhas podem ser uma desvantagem, pois favorecem a menor circulação de ar nos cachos, aumentando as chances de doenças fúngicas, como míldio e oídio. A somatória destes fatores tem sido a responsável pela redução das áreas de vinhedos em gobelet em diversas regiões do mundo.
Por exemplo, em 1982 cerca de 99% das videiras da Rioja eram cultivadas en vaso, proporção que caiu para menos de 40% atualmente. Fenômeno semelhante, embora em menor escala, tem sido também registrado na França e Itália, com os viticultores optando pelo uso da espaldeira. Apesar dos valores mais altos de implantação deste sistema, seu menor custo de manutenção e possibilidade de mecanização aparecem como vantagens em relação ao gobelet.
Tradição e cultura
Apesar da redução na área de vinhedos, o sistema gobelet ainda é adotado em diversas regiões, mantendo tradições centenárias. Por exemplo, na ilha de Pantelleria, próxima da Sicília, o cultivo de videiras em alberello foi inscrito em 2014 na lista representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. Também em Santorini, na Grécia, uma versão local deste sistema (chamado Kouloura) é a base da viticultura local.
Os vinhedos em gobelet são também vistos como um sinal de resistência diante da viticultura extensiva e mecanizada que ganhou espaço em diversas regiões do mundo. Fora da Europa, vinhedos em bush vine, até por serem quase sempre constituídos por vinhas velhas, são símbolos de viticultores tradicionais na África do Sul e Austrália. O mesmo ocorre no Chile, onde ainda existem vinhas em gobelet que precedem a filoxera.
Relação com a qualidade dos vinhos
Um dos principais motivos pela manutenção deste sistema, embora impacte a produção e implique em custos mais altos, é a qualidade dos vinhos. Estudos mostram que este sistema reproduz de forma mais próxima o modelo de crescimento natural das videiras, tanto no que diz respeito à obtenção de água no solo quanto em relação à circulação de seiva dentre as várias partes da planta. Isso garante uvas de melhor qualidade, sobretudo em condições de stress hídrico.
Existe também uma associação direta da adoção do sistema de gobelet e a idade das videiras. Em primeiro lugar, vinhas mais velhas, geralmente associadas a vinhos de melhor qualidade, são uma proporção maior entre os vinhedos em gobelet do que em espaldeira. Além disso, pesquisas indicam também que adoção deste sistema pode aumentar a vida útil das videiras.
Uma vantagem adicional é que este sistema é muito mais eficiente no que diz respeito à gestão hídrica. Como as videiras conseguem acessar de forma mais eficiente fontes de água no subsolo, cai a necessidade de irrigação. Vale lembrar que a falta de água é atualmente um problema crítico para a viticultura em muitas áreas do Novo Mundo, como a Califórnia, por exemplo.
Fontes: Wine Scholar Guild; Ask a Winemaker; Grandes Pagos de España; Vitivinicultura.net; Vineas; La Rioja: Unesco; WeinPlus; Lodi Wines
Imagem: Bodegas Aragonesas
O post Gobelet, alberello ou bush vine: conheça o mais ancestral sistema de condução de videiras apareceu primeiro em Wine Fun.