Em primeiro lugar, desculpe pela expressão usada: o que o levaria alguém a querer matar dois coelhos? Na ausência de outro termo com o mesmo sentido, porém, vai esse mesmo, na esperança de que uma expressão mais adequada seja criada. Mas o foco está longe da crueldade com animais. A coluna deste mês aborda uma relação que merece a atenção para que gosta de vinho e está sempre de olho nas melhores alternativas para preencher a adega.
Um evento me chamou a atenção nesta semana. O retorno da Fórmula 1 a São Paulo usualmente ganha destaque nas colunas esportivas, mas neste ano, postagens sobre o evento em Interlagos inundaram as mídias sociais de muitos influenciadores de vinho brasileiros. O motivo? A participação de uma importadora de vinhos neste evento.
O famoso jabá?
Para quem não conhece, existe uma expressão muito usada no jornalismo para definir benefícios oferecidos para jornalistas por anunciantes ou empresas interessados em “agradá-los”. É o famoso jabá. Ele pode aparecer de diversas formas, algumas mais discretas, outras mais explícitas. É difícil chegar a uma definição precisa, até porque estes benefícios variam, alguns deles podendo fazer parte da própria relação entre estas duas partes.
No mundo do vinho, por exemplo, é comum jornalistas e blogueiros receberem convites de importadoras para jantares exclusivos, para lançamento de novos vinhos ou safras. Porém, há uma justificativa: para poder falar de um vinho, o jornalista ou blogueiro deve conhecê-lo. E, neste caso, a importadora facilita este caminho. Obviamente, há outras formas de conhecer os vinhos, mas existe um lado profissional envolvido nestes eventos. Já ao falarmos de uma prova de Fórmula 1, tenho minha opinião muito clara, mas deixo a você leitor(a) a opção de determinar se um evento como este se classifica ou não como jabá.
Objetividade
Quando falamos em jabá, a justificativa oficial é sempre o “fortalecimento de uma relação e amizade e confiança”. No fundo, porém, o jabá nada mais é do que uma forma velada (ou nem tanto) de garantir boas críticas. Não tenho dúvidas de que existem profissionais com isenção para julgar vinhos de importadoras que adotam estas práticas, mas eles são, infelizmente, minoria.
Antes mesmo de entrar em considerações éticas sobre estas relações perigosas, ao menos um ponto deveria ficar claro. Qualquer jornalista ou blogueiro que participe destes eventos deveria, quando divulgando qualquer material sobre os vinhos desta importadora, alertar seus leitores e seguidores de que recebeu e aceitou o convite. É o mínimo que pode ser feito para alertar quem considera ou compra um vinho por conta de um comentário ou crítica divulgada.
Importadoras
Como em qualquer área, o segmento de importação de vinhos é competitivo e sua rentabilidade sujeita a diversas variáveis. Conversando com diversos importadores, porém, não há muito segredo. Considerando que ninguém entra neste negócio para perder dinheiro, três variáveis principais definem a diferença de preço (não preço absoluto, mas diferença em relação ao preço do mesmo vinho no exterior) entre as importadoras. O primeiro deles é a margem de lucro. Obviamente, quanto mais a importadora quiser lucrar, mais caros (em termos relativos) serão seus vinhos.
A segunda variável diz respeito às práticas adotadas quando da entrada dos vinhos importados. À exceção de práticas “menos ortodoxas” na precificação de entrada dos vinhos, o impacto não é tão significativo. Por fim, a terceira variável é o quanto a importadora tem de custos operacionais. E esta sim, pode fazer uma enorme diferença, já que custos mais altos acabam sendo repassados aos consumidores na forma de vinhos mais caros.
Custos e preços mais altos
E quais são estes custos? Geralmente são aqueles relacionados à armazenagem, distribuição e comercialização dos vinhos. De um lado, há importadoras ”enxutas”, sem lojas físicas, que trabalham com baixos estoques e equipes pequenas e focadas de venda. Geralmente são aquelas que conseguem oferecer vinhos com preços relativamente mais atrativos. O outro lado? Aquelas que investem em lojas físicas, grandes equipes de venda e estratégias agressivas de marketing, incluindo eventos.
Se custos mais altos acabam geralmente sendo refletidos em vinhos mais caros, qual a melhor forma de atrair os consumidores? Apostar em marketing, seja através de equipes próprias ou contando com a participação de jornalistas e blogueiros na divulgação de seus produtos. Entendeu agora o porquê dos dois coelhos do título?
Como eu me descrevo? Sou um amante exigente (pode chamar de chato mesmo) de vinhos, um autodidata que segue na eterna busca de vinhos que consigam exprimir, com qualidade, artesanalidade, criatividade e autenticidade, e que fujam dos modismos e das definições vazias. A recompensa é que eles existem, basta procurar!
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Foto: Arquivo pessoal
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