A sub-região da Côte Chalonnaise é conhecida tanto por seus vinhos tintos como brancos, com um curioso equilíbrio em termos de produção: aproximadamente 50% para cada um deles. Porém, esta proporção resulta de diferenças significativas entre suas cinco denominações de origem. Se Bouzeron, Givry e Montagny produzem inteira ou majoritariamente brancos, cabe a Mercurey, a maior das cinco AOCs, colocar os vinhos tintos em evidência.
Esta denominação de origem, com longo histórico na elaboração de vinhos, faz isso em grande estilo. Mercurey é a denominação de origem em toda a Borgonha com maior produção de vinhos tintos. Ela supera vilarejos focados inteiramente na Pinot Noir e de grande produção, como Gevrey-Chambertin. Ao menos em termos de volume, podemos dizer que Mercurey é a casa dos vinhos tintos da Borgonha.
Longa tradição
O vilarejo de Mercurey desempenha um papel importante na área sul da Borgonha ao menos desde a época galo-romana. Era um importante centro urbano na estrada (Via Agrippa) que ligava Autun a Chalon-sur-Saône e recebeu este nome por conta do templo em homenagem à divindade romana Mercúrio. A primeira menção a seus vinhedos data do ano 312, e sua importância cresceu a partir do início da Idade Média, com a influência das ordens religiosas. A criação da Abadia de Cluny, localizada a cerca de 50 quilômetros ao sul de Mercurey, foi um marco importante.
Seus vinhos tintos ganharam reputação ao longo dos séculos, sendo constantemente descritos como intensos e encorpados. Mercurey chegou ao seu auge no século XIX, com o impulso de grandes famílias de négociants da região, vários dos quais estabelecidos na própria Mercurey. A primeira classificação dos climats de Mercurey data de 1899, enquanto 1923 marca outra data importante.
Foi o quando os produtores locais ganharam uma ação judicial contra os produtores dos vilarejos vizinhos de Rully e Givry. Estes, aproveitando-se da notoriedade dos Vins de Mercurey, vendiam seus vinhos com esse nome. Este foi o passo inicial do reconhecimento legal dos vinhos de Mercurey, culminando com a criação da denominação de origem em setembro de 1936. Já os primeiros climats classificados como Premier Cru foram reconhecidos em 1943.
Localização e geologia
O vilarejo de Mercurey está localizado na parte centro-norte da Côte Chalonnaise, a 30 quilômetros ao sul de Beaune e cerca de 13 quilômetros a noroeste de Chalon-sur-Saône. Situada a sudoeste de Rully e noroeste de Givry é, dentre as cinco principais denominações de origem da Côte Chalonnaise, aquela com maior área de vinhedos. A área da denominação de origem se estende por dois communes: Mercurey (com a grande maioria dos vinhedos) e Saint-Martin-sous-Montagu.
Mercurey tem uma estrutura geológica peculiar. Seus vinhedos estão localizados em diversas encostas, particularmente de dois vales perpendiculares, com uma topografia complexa. Os vales cruzam a estrutura geológica formada por camadas sedimentares calcárias, levemente inclinadas para leste. A alternância de níveis de calcário duro e marga (calcário argiloso), menos resistente à erosão, desenha uma série de pequenas cordilheiras. Por conta disso, os vinhedos têm exposições diversas, geralmente situados entre 220 e 350 metros de altitude.
Além da complexidade natural da geologia local, um evento resultante da ação humana merece destaque. Em 1956 o INAO (que controla as denominações de origem na França), aprovou a ampliação da área da AOC. O resultado foi uma enorme movimentação de solos para plantio de novos vinhedos. As consequências foram sentidas principalmente durante tempestades em 1981 e 1983, que, por conta das deficiências nos sistemas de drenagem, causaram severos danos a diversos vinhedos.
Denominação de origem
A área delimitada da denominação de origem Mercurey inclui cerca de 792 hectares, o que a coloca como a maior da Côte Chalonnaise e uma das amplas de toda a Borgonha. Do total da denominação de origem, 613 hectares (78%) têm classificação Village e 178 hectares (22%) Premier Cru. Da área atualmente em produção (649 hectares), 84% são cultivados com Pinot Noir. Os restantes 16% ficam com a Chardonnay, umas das variedades admitidas nesta denominação de origem.
A produção total média entre 2014 e 2018 atingiu 28 mil hectolitros, cerca de 35% da produção dos cinco villages da Côte Chalonnaise. Isso equivalente a 3,7 milhões de garrafas/ano, quase 40% acima do que foi produzido, por exemplo, em Gevrey-Chambertin. Deste total, 23,3 mil hectolitros (83%) correspondiam a vinhos tintos, com o restante brancos. A parcela maior era de vinhos de classificação Village (75%), com os demais 25% obtendo a classificação Premier Cru.
Vinhedos e principais climats
No total, são 154 climats distintos, 122 dos quais classificados como Village e 32 como Premier Cru. Vale lembrar que boa parte dos Premier Cru recebeu esta classificação a partir de 1988 (eram apenas cinco em 1943). Os vinhedos Premier Cru (em laranja brilhante no mapa acima), podem ser divididos em dois blocos distintos.
Há um grupo que fica a norte do vilarejo, situados em encostas de orientação sul. Entre eles, os destaques ficam com Les Naugues, Les Champs Martin e Clos de Barrault. Já o outro grupo fica em encostas de orientação leste ao longo do trecho que vai do vilarejo de Mercurey até Saint-Martin-sous-Montagu. Seus vinhedos mais conhecidos são Clos du Château de Montaigu e Clos du Roi. Este último é, para muitos, o melhor climat de toda a denominação de origem.
Vinhos e principais produtores
De forma geral, Mercurey tem associação com vinhos tintos intensos, encorpados e profundos, resultado de sua geologia peculiar (grande proporção de vinhedos com exposição sul) e solos ricos em argila com alto teor de ferro, o que constantemente leva a paralelos com os vinhos de Pommard. No entanto, isso não significa que não existam tintos mais delicados e elegantes, resultados da complexa geologia local.
Já seus vinhos brancos, produzidos geralmente a partir de vinhedos em maior elevação e com solos mais pobres e maior proporção de calcário, chamam menos a atenção. Dentre os brancos da Côte Chalonnaise, ficam entre aqueles de menor densidade, sem a maturidade de fruta de outros vilarejos vizinhos, várias vezes com uso excessivo de carvalho.
Dentre os produtores sediados em Mercurey, os destaques ficam com Domaine Lorenzon, Domaine de Meix Foulot, Domaine Michel Juillot, Domaine François Raquillet, Château de Chemirey e Domaine de Suremain. Porém, vale a pena conhecer também os vinhos de vinicultores não sediados no vilarejo, mas que elaboram vinhos engarrafados como Mercurey, como Domaine les Champs de l’Abbaye, P&M Jacqueson e Domaine de Villaine.
Fontes: Vins de Bourgogne; Wine Scholar Guild; Inside Burgundy, Jasper Morris; Cahier des Charges de L’Appellation d’Origine Contrôlée Mercurey; La Côte Chalonnaise – Atlas et Histoire des Noms de Climats et de Lieux, Marie-Hélene Landrieu-Lussigny e Sylvain Pitiot
Mapas: Vins de Bourgogne
Imagens: Arquivo pessoal
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